Última refeição de múmia sacrificial do pântano surpreende pesquisadores

Novo estudo sobre o Homem de Tollund da Dinamarca revela o que ele comeu — e, mais importante, não comeu — antes de seu assassinato, há 2,4 mil anos.

Por Elizabeth Djinis
Publicado 26 de jul. de 2021, 06:45 BRT
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O Homem de Tollund foi enforcado com um laço de couro e abandonado em um pântano dinamarquês há cerca de 2,4 mil anos.

Foto de Robert Clark, Nat Geo Image Collection

 

As múmias do pântano estão entre as vítimas de assassinato mais enigmáticas da história: preservados nas turfeiras do norte da Europa e da Inglaterra, seus corpos podem reter expressões faciais detalhadas e revelar os métodos pelos quais foram mortas há cerca de dois mil anos.

O Homem de Tollund talvez seja a mais famosa dessas vítimas. Descoberto em 1950 por escavadores de turfa no centro-norte da Dinamarca, o homem da Idade do Ferro usava um gorro de lã e ainda trazia, ao redor do pescoço, o laço de couro que foi utilizado para estrangulá-lo por volta de 350 a.C.

Mas, embora os métodos usados para matar essas pessoas — geralmente golpes contundentes, cortes na garganta ou asfixia — sejam prontamente identificáveis para arqueólogos, os eventos que levaram às suas mortes permanecem obscuros: teriam sido assassinatos aleatórios ou mortes cerimoniais? E, caso fossem sacrifícios rituais, como essas vítimas eram selecionadas? Elas eram alimentadas com uma última refeição especial ou intoxicantes para amenizar o terror de sua morte iminente?

Agora, um novo estudo publicado na revista científica Antiquity analisa em detalhes a última refeição do Homem de Tollund, uma refeição que é notável simplesmente por não ter tido nada de notável.

Mingau queimado

Quando o Homem de Tollund foi descoberto, há 70 anos, pesquisadores examinaram seu estômago e trato intestinal bem preservados e determinaram que o homem de meia-idade havia consumido sua última refeição entre 12 e 24 horas antes de sua morte.

Agora, uma equipe de cientistas liderada por Nina Nielsen, chefe de pesquisa do Museu Silkeborg, na Dinamarca, atual “lar” do Homem de Tollund, revisitou o conteúdo de seu intestino utilizando novas tecnologias. Na mais abrangente análise já realizada do intestino de uma múmia do pântano, os pesquisadores recuperaram macrofósseis de plantas, pólen e outros indicadores para revelar evidências microscópicas de comida e bebida.

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    Os ingredientes principais (excluindo peixes) na última refeição do Homem de Tollund são exibidos em suas quantidades relativas: 1) cevada 2) plantas da espécie Polygonum lapathifolium 3) linho 4) plantas da espécie Fallopia convolvulus 5) areia 6) falso-linho 7) pedaços de cordeiro 8) espérgula 9) plantas da espécie Galeopsis tetrahit e 10) plantas da espécie Viola arvensis.

    Foto de Museum Silkeborg

    Os resultados mostram que a última refeição do Homem de Tollund consistiu em um mingau com cevada, linho, sementes de ervas e alguns peixes — um cardápio bastante comum para múmias do pântano, com base em análises anteriores de 12 vítimas europeias da Idade do Ferro, cujas refeições eram à base de grãos, às vezes incluindo carne e frutas. É difícil para os pesquisadores determinarem se essa era uma refeição típica na época, porque a maioria dos dados sobre as dietas da Idade do Ferro vem de restos bem preservados de múmias do pântano.

    Os pesquisadores também conseguiram determinar como foi preparada a última refeição do Homem de Tollund, identificando fragmentos microscópicos de mingau carbonizado que indicam que ela foi cozida em uma panela de barro e ligeiramente queimada.

    “Podemos ter ideia de como era a dieta padrão, mas na verdade este estudo pode dizer o que ele comeu no dia em que morreu”, explica Nielsen. “Por isso é tão interessante — nós chegamos muito perto de como tudo aconteceu.”

    A equipe de Nielsen investigou se o Homem de Tollund consumiu algum item com propriedades especiais — como alucinógenos ou outros intoxicantes ou analgésicos — o que poderia indicar se sua refeição fazia parte de uma cerimônia ou se foi servida para aliviar o sofrimento. Estudos anteriores de outra vítima conhecida do pântano, o Homem de Lindow, que foi sacrificado no noroeste da Inglaterra por volta do século 1 d.C., encontraram visco em seu intestino. Mas, de acordo com os pesquisadores, embora essa planta possa ser usada para fins medicinais, a quantidade encontrada no Homem de Lindow era muito pequena para ser relevante.

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      Conteúdo intestinal do Homem de Tollund sob o microscópio.

      Foto de P.S. Henriksen, The Danish National Museum

      Outro estudo anterior observou a presença do fungo Claviceps purpurea nos restos mortais do Homem de Grauballe, um sacrifício de pântano dinamarquês da mesma época do Homem de Tollund. A presença do fungo, que contamina grãos e pode ter graves efeitos psicoativos quando consumido, também era muito pequena para ter efeito em sua vítima, indicando que pode ter sido consumido inadvertidamente.

      De forma consistente com essas constatações anteriores, nenhum alucinógeno ou outras plantas medicinais foram encontrados nos restos da digestão do Homem de Tollund. “Não temos nenhuma evidência de múmias do pântano que indiquem que elas receberam algum tipo de medicamento especial”, afirma Nielsen.

      Corpos antigos, novos estudos

      De acordo com a pesquisa de Nielsen, existem semelhanças nas últimas refeições de diversas vítimas dos pântanos que podem apontar para um significado ritualístico. Vários desses corpos contêm sementes de ervas e resíduos de debulha de ervas invasoras, principalmente da espécie Polygonum lapathifolium.

      “[As últimas refeições] consistem não apenas de grãos e mingau, mas, no caso do Homem de Tollund, havia diversas sementes e ervas daninhas”, explica Miranda Aldhouse-Green, professora emérita da Universidade de Cardiff e autora do livro Bog Bodies Uncovered: Solving Europe’s Ancient Mystery (Múmias do pântano reveladas: desvendando o antigo mistério da Europa, em tradução livre). “Era importante que a refeição contivesse uma grande variedade de substâncias naturais, como se isso por si só fosse significativo.”

      Henry Chapman, professor de arqueologia da Universidade de Birmingham, acredita que o ecossistema dos pântanos europeus pode conter parte da explicação do por que as pessoas eram sacrificadas neles.

      Nos anos que precederam a morte do Homem de Lindow na Inglaterra, o pântano em que ele foi enterrado estava cada vez mais úmido, o que pode ter significado uma piora no clima e a perda de terras agrícolas para as pessoas que viviam naquela região.

      “Foi sugerido que sacrifícios humanos aconteciam porque havia algo de errado com o meio ambiente”, explica ele.

      A próxima etapa para as múmias do pântano será a análise de DNA. Neste momento, o ambiente ácido dos pântanos torna quase impossível a recuperação de material genético das vítimas, mas os pesquisadores acreditam que em breve haverá uma tecnologia para obter e analisar o DNA das vítimas dos pântanos.

      No entanto, apesar de sua notável preservação ao longo de milhares de anos, os arqueólogos hesitam em tirar conclusões muito amplas sobre a vida cotidiana na Idade do Ferro na Europa com base em evidências de um pequeno número de vítimas do pântano sacrificadas em rituais.

      “Múmias do pântano são incomuns”, afirma Chapman. “Essa é a bênção e a maldição delas.”

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