Dificuldades para avaliar os riscos relacionados à pandemia? Você não está só

Diversos fatores psicológicos influenciam as reações individuais ao perigo, assim como a disposição em tomar decisões menos arriscadas.

Por Jillian Kramer
Publicado 4 de ago. de 2021, 07:00 BRT
Human Brain

A evolução fez os humanos avaliarem riscos com base em diversos fatores psicológicos, e isso influencia as reações variadas das pessoas à pandemia de covid-19.

Foto de Scott Camazine, Science Source

Durante meses, cientistas têm defendido o uso obrigatório de máscaras para controlar a propagação de covid-19, especialmente com o surgimento da variante Delta que é mais contagiosa. Mas algumas pessoas, cansadas das restrições impostas pela pandemia, têm resistido à esta ideia.

Recentemente, autoridades de saúde dos Estados Unidos enfrentaram protestos intensos quando os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) voltaram atrás e alteraram as recomendações para o uso de máscaras. Agora, o CDC está incentivando o uso de máscaras em ambientes fechados em áreas com altos níveis de transmissão — mesmo que os residentes estejam totalmente vacinados. Da mesma forma, a ira geral das pessoas aumentou após um número cada vez maior de empresas e governos locais revelarem planos de adotar a obrigatoriedade de vacinação.

Alguns políticos afirmam que a decisão de tomar a vacina e usar máscaras deve ser individual. E as novas orientações do CDC são apenas isso: orientações. Agora são os estados, escolas e empresas privadas que devem decidir se exigirão o uso de proteção facial em determinadas situações. Enquanto isso, usar máscara — ou correr o risco de contaminação — continua sendo uma escolha para muitos norte-americanos.

As pessoas tiveram que avaliar os riscos durante a pandemia e, muitas vezes, chegaram a conclusões completamente diferentes. À medida que as variantes Delta e Lambda surgem em meio a um cenário de retomada de atividades sociais, reabertura de fronteiras e escolas voltando a oferecer aulas presenciais, os riscos continuarão existindo e as pessoas terão que decidir o que fazer e o que evitar.

Mas, em um mundo repleto de ameaças, tanto óbvias como sutis, é fácil discordar, julgar mal ou ignorar o perigo. “Não é o simples fato de pessoas diferentes enxergarem riscos de maneiras diferentes, mas a mesma pessoa reagir de forma muito diferente a diversos tipos de perigo”, afirma Paul Slovic, psicólogo que estuda sobre riscos e fundador do Instituto de Pesquisa Decision Science, organização sem fins lucrativos com sede no Oregon.

Decidir o nível de risco de cada ação é um desafio cognitivo constante, comenta Valerie Reyna, codiretora do Centro de Economia Comportamental e Pesquisa de Decisão da Universidade Cornell. “É algo incerto, que ainda não aconteceu e tem como base nossas melhores avaliações, que mudam com o tempo, conforme as condições também mudam. É muito complicado”, ela diz.

Especialistas explicam por que os humanos têm dificuldades para avaliar riscos, como o cérebro reage a eles e como nossa necessidade de avaliá-los mudou durante a pandemia em curso.

Reação relacionada à intuição

Alguns pesquisadores acreditam que as pessoas têm duas maneiras de avaliar riscos e tomar decisões: um processo emocional instintivo — geralmente chamado de pensamento experiencial ou intuitivo — e outro, mais lento e analítico. “Na maioria das vezes, nossa reação é guiada pelo sistema experiencial”, explica Slovic. Ele logo acrescenta que é possível utilizar os dois sistemas, “mas o cérebro humano é preguiçoso. Se achamos que podemos reagir a situações complexas de maneira fácil — através dos sentimentos — então essa será nossa opção.” 

Isso nem sempre é ruim. O modo analítico de raciocínio é atrapalhado e mais demorado, frequentemente exemplificado pela “razão, matemática e análise de custo-benefício”, explica Slovic. Essa maneira de pensar é “importante e poderosa, mas difícil de conduzir”. Então, a evolução fez com que os humanos avaliassem o risco de forma mais rápida: Afinal, não é possível passar muito tempo ponderando se é melhor fugir de um leão ou tentar lutar contra ele.

“Se você já tentou calcular a raiz quadrada de 285, então tem uma ideia do que significa ponderar”, afirma Ralf Schmälzle, neurocientista da Universidade Estadual do Michigan, especializado em comunicação. A ponderação “consome muitos recursos da memória de trabalho”, enquanto a intuição gera respostas instantâneas.

E ela geralmente funciona: ao utilizar a intuição, “nós damos um jeito, sobrevivemos, passamos para o próximo ano ou para as próximas duas décadas”, diz Slovic. “Em um mundo complexo e perigoso, conseguimos nos dar bem.” Mas, ele acrescenta, “há momentos em que nos damos muito mal”.

Em 2013, Schmälzle estudou as percepções de risco das pessoas em relação a outra ameaça viral: a pandemia de H1N1, conhecida como gripe suína. Em conjunto com colegas da Universidade de Konstanz, na Alemanha, ele fez diversas perguntas relacionadas ao risco e dividiu os cerca de 130 participantes em dois grupos: aqueles que consideravam o H1N1 um risco e aqueles que não consideravam.

Em seguida, os participantes assistiram a um documentário com fatos sobre a gripe suína, enquanto Schmälzle registrava as atividades cerebrais através de imagens de ressonância magnética. A equipe descobriu que o córtex cingulado anterior — a região do cérebro que costuma estar associada à detecção de ameaças — disparou sincronicamente nos participantes que já acreditavam que o H1N1 representava um risco.

“As pessoas sentem uma espécie de alarme intuitivo” impulsionado pela emoção, ele explica.

No que diz respeito à covid-19, “se faltar esse aspecto intuitivo na percepção de risco, a pessoa não sentirá necessidade de usar máscara ou se vacinar”, conclui Slovic.

Além do instinto

A teoria de que as pessoas utilizam essa chamada “análise de risco de sistema duplo” é “excelente e respaldada por uma grande quantidade de dados”, afirma Reyna, da Universidade Cornell. No entanto, outros fatores importantes para a tomada de decisão não são levados em consideração, ela observa.

Um deles é o viés otimista, afirma Marie Helweg-Larsen, psicóloga social da Faculdade Dickinson. Esse tipo de viés faz com que o indivíduo sinta que está isento de possíveis consequências. “Temos noção das coisas que acontecem”, ela comenta, mas “achamos que somos especiais. Achamos que temos uma probabilidade menor de sofrer consequências negativas.”

Por exemplo, uma pessoa que fuma sabe que o cigarro pode ser prejudicial à saúde, mas considera que o risco de câncer de pulmão é maior em outros fumantes, diz Helweg-Larsen. “Eles acham que se comerem mais vegetais, tragarem menos, ou fumarem cigarros mais saudáveis”, podem evitar as consequências do fumo, complementa Helweg-Larsen. “Mas, comer mais vegetais não vai evitar o câncer de pulmão.”

O mesmo viés otimista pode ter influenciado a maneira de avaliar os riscos da covid-19: pessoas que se recusam a usar máscaras provavelmente entendem que têm chances de contrair o coronavírus, e até morrer — mas também acham que o risco é menor para elas do que para os outros, ela diz.

“É fácil pensar que as pessoas estão paranoicas”, diz Helweg-Larsen, mas isso soa mais como uma atitude extremamente otimista. “É o que a psicologia chama de ‘cognição motivada’, onde tiramos as conclusões que desejamos tirar porque nos trazem os resultados que gostaríamos.”

O otimismo pode ser útil, porque os humanos sempre estão expostos a algum tipo de risco. Se as pessoas acreditassem que morreriam em um acidente toda vez que entrassem em um veículo, ninguém jamais dirigiria. “Seria muito difícil ter uma rotina de vida se temêssemos riscos possíveis, mas pequenos”, ela complementa.

As consequências que estimulam as pessoas — seja na forma de esperança ou medo — também podem motivá-las a assumir ou evitar riscos, explica Slovic. Um prêmio de US$ 100 milhões pode influenciar alguém a arriscar desperdiçar dinheiro em um bilhete, embora a chance de ganhar seja minúscula. Da mesma forma, a notícia de um acidente fatal de avião pode despertar o medo de voar, mesmo que os aviões sejam estatisticamente mais seguros que carros.

sensação de controle — ou a falta dele — também afeta a capacidade de avaliação de riscos, diz Helweg-Larsen. “Nós superestimamos o nível de controle que temos sobre os resultados”, ela observa. No exemplo do medo de avião, alguém pode superestimar o risco de um acidente apenas porque não está pilotando o avião.

“Não é que as pessoas acham que poderiam pilotar o avião. Mas a sensação é de incerteza porque elas não estão no controle”, ela afirma. “É tudo uma ilusão, porque muitos acidentes de trânsito não são causados por quem está dirigindo o carro.”

No caso da pandemia, “muitas pessoas se sentem ansiosas em ter que voltar ao mundo normal e confiar que os outros tomarão as atitudes corretas”, diz Helweg-Larsen. “Queremos controlar os resultados — por isso a sensação é ainda mais assustadora.”

Além do mais, a experiência direta com um tipo específico de perigo pode ser uma influência — incluindo a infecção por covid-19. Um novo estudo da Universidade do Alabama demonstra que pessoas que tiveram covid-19 e se recuperaram têm menos probabilidade de apoiar esforços de mitigação ,como o uso de máscaras e distanciamento social. Por outro lado, pessoas cujos amigos ou familiares contraíram a doença foram a favor de tais medidas.

 Wanyun Shao, professor assistente de geografia da Universidade do Alabama e coautor do estudo, suspeita que “‘relatos de terror’ de outras pessoas podem despertar preocupações, enquanto que contrair a doença diretamente as diminui, como se o suspense tivesse acabado”.

Liberdade de escolha

Pesquisadores afirmam que há maneiras melhores de avaliar os riscos conforme a pandemia avança. Eles concordam que o mais importante é continuar a confiar em fatos científicos obtidos de fontes confiáveis. “Se você acredita que devemos confiar na ciência, tente manter esse raciocínio”, diz Helweg-Larsen.

Também é importante reconhecer que julgamentos que se baseiam na intuição geralmente acontecem em uma fração de segundo — mas nem toda situação exige uma reação imediata. Em vez disso, “é aconselhável não reagir instantaneamente, mas parar e refletir sobre as informações apresentadas”, complementa Slovic.

Porém, com a incerteza do fim da pandemia, algumas autoridades de saúde pública argumentam que a sociedade como um todo talvez não consiga depender da capacidade das pessoas em avaliar riscos e fazer as escolhas mais seguras e inteligentes.

Nas últimas semanas, governos locais e diversas empresas — incluindo Facebook, Google, Netflix, Morgan Stanley e o jornal  Washington Post, e cerca de 600 universidades — anunciaram que vão impor a obrigatoriedade de vacinação. No passado, essas exigências foram fundamentais na erradicação de pandemias. Entre 1919 e 1928, dez estados dos Estados Unidos adotaram obrigatoriedade de vacinação contra a varíola, enquanto quatro estados as proibiram — e dados de um estudo publicado em fevereiro de 2021 mostram que os casos de varíola foram 20 vezes maiores em estados que não adotaram a obrigatoriedade do que em estados que a impuseram.

“O problema em tentar fazer uma análise de custo-benefício em relação à vacinação é que ela parece lógica, mas as pessoas a entendem de forma errada”, diz Helweg-Larson. “A vacinação é esmagadoramente melhor para a maioria das pessoas. Os benefícios pessoais e sociais superam os pontos negativos.”

Mas Helweg-Larson afirma que, do ponto de vista psicológico, o melhor é oferecer liberdade de escolha. “Estamos dispostos a limitar e restringir as escolhas das pessoas quando nosso comportamento prejudica os outros”, ela diz. “É por isso que encorajamos as pessoas a para de fumar e limitamos e restringimos os locais onde isso é permitido — mas não tornamos o ato de fumar ilegal”.

No caso da covid-19, ela complementa, a escolha poderia ser entre vacinar ou “aguentar a inconveniência dos testes regulares e uso de máscara”.

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