Fumaça de incêndio florestal relacionada a aumento de mortalidade por covid-19

Novo estudo constata que incêndios florestais de 2020 nos EUA podem ter causado mais de 19 mil casos de covid-19 e 700 mortes decorrentes da doença.

Por Sarah Gibbens
Publicado 18 de ago. de 2021, 07:00 BRT
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Fumaça de incêndio florestal é uma fonte de poluição perigosa e contém material particulado que pode tornar algumas pessoas mais vulneráveis à covid-19. Na imagem, um bombeiro monitora a enorme nuvem de fumaça gerada pelo Apple Fire, incêndio descontrolado em Cherry Valley, no estado da Califórnia, Estados Unidos.

Foto de Gina Ferazzi, Los Angeles Times/Getty Images

De acordo com novo estudo, a fumaça gerada pelos incêndios florestais que ocorreram ano passado na Califórnia, em Oregon e em Washington, nos Estados Unidos, contribuiu para um aumento significativo de casos e mortes por covid-19 nesses estados.

“Os incêndios florestais exacerbaram significativamente a pandemia”, afirma Francesca Dominici, bioestatística de Harvard e autora do estudo publicado na revista científica Science Advances. Se não houvesse a fumaça dos incêndios, poderiam ter sido evitados 19,7 mil casos de covid-19 e 748 mortes decorrentes da doença, segundo o estudo.

A fumaça de incêndio florestal contém milhares de compostos diferentes, mas um dos mais prevalentes é o material particulado de 2,5 mícrons de diâmetro, denominado PM2,5. Uma ameaça já conhecida para a saúde, o PM2,5 é monitorado atentamente pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês), que fornece dados suficientes para avaliar o impacto sobre a população.

Embora as emissões de PM2,5 provenientes de veículos e da indústria tenham sido reduzidas nos últimos anos nos Estados Unidos, a fumaça gerada por incêndios florestais tornou-se a principal fonte emissora do material particulado. Um estudo publicado recentemente mostra que, durante a ocorrência de um incêndio florestal, a fumaça pode ser responsável por cerca de metade da poluição de partículas no oeste dos Estados Unidos e por um quarto dos níveis nacionais à medida que se espalha por todo o país.

Os cientistas ainda estão investigando até que ponto os incêndios florestais podem prejudicar a saúde humana, mas as primeiras pesquisas sugerem que a fumaça pode ser mais tóxica do que se pensava.

Os cientistas ainda não sabem como a fumaça dos incêndios florestais deste ano, que ocorreram no estado da Califórnia, no noroeste do Pacífico e no Canadá, afetará o número de casos de covid-19, à medida que a Delta, a variante mais letal e mais transmissível do Sars-CoV-2, provoca mais uma onda da pandemia. Ao passo que os incêndios florestais de 2020 quebraram recordes de proporção, este ano, o Dixie Fire — o segundo maior incêndio da Califórnia — já queimou mais de 200 hectares. Incêndios históricos também estão ativos na Turquia e na Grécia.

“A inalação de PM2,5 compromete a capacidade do nosso sistema imune de combater o vírus”, explica Dominici. “Agora o mais assustador é o fato da variante Delta ser ainda mais transmissível. As pessoas que não estão vacinadas estão mais suscetíveis à infecção por covid-19.”

Os perigos do PM2,5

Quando o PM2,5 entra no organismo, causa problemas de duas maneiras.

De acordo com Sarah Henderson, diretora científica dos serviços de saúde ambiental do Centro de Controle de Doenças da Colúmbia Britânica, primeiro “a partícula sobrecarrega o sistema respiratório superior”.

Assim como as pernas de uma lagarta, determinadas células do corpo têm pequenos pelos que estão constantemente excretando invasores para cima e para fora através do muco. “É por isso que temos que assoar o nariz”, diz Henderson.

O PM2,5 pode inibir esse processo de excreção, destruindo e bloqueando algumas dessas células, ela explica, possivelmente tornando mais fácil uma infecção pelo novo coronavírus.

Segundo, inalar fumaça de incêndio florestal aciona o sistema imunológico, observa Henderson.

Ao contrário de fragmentos maiores de material particulado, o PM2,5 é pequeno o suficiente para penetrar profundamente nos pulmões humanos, provocando uma resposta imune do organismo. Com o sistema imunológico ocupado para combater essa invasão, o corpo fica vulnerável e o vírus da covid-19 tem maior probabilidade de gerar uma infecção.

A melhor maneira de se proteger é tomar a vacina, utilizar máscaras que ofereçam proteção contra o vírus e o material particulado PM2,5, utilizar filtros de ar em casa, ou evacuar uma região quando houver muita poluição proveniente de fumaça.

Acompanhando a fumaça 

Para seu novo estudo, Dominici e seus colegas reuniram dados de 92 condados na Califórnia, Oregon e Washington, onde ocorreu a maioria dos incêndios do ano passado. Uma vez que a covid-19 pode levar semanas para se manifestar após a exposição ao vírus, o estudo analisou casos positivos da doença até 28 dias após a exposição à fumaça de incêndio florestal. Mais de metade dos condados (52) registrou um aumento da incidência de covid-19.

Em todos os condados analisados, o PM2,5 decorrente de incêndio florestal foi associado a um aumento de 11% nos casos e 8% nas mortes decorrentes da covid-19. No entanto, esse aumento variou amplamente entre os condados. No Condado de Butte, na Califórnia, e no Condado de Whitman, em Washington, por exemplo, os casos aumentaram em 17% e 18%, respectivamente. (Veja análise por condados aqui.)

Para determinar quais tipos de material particulado eram provenientes de fumaça de incêndio florestal e quais eram de outras fontes de poluição, como veículos, Dominici designou a tarefa a Loretta Mickley, da Universidade de Harvard, que estuda a poluição do ar e as mudanças climáticas.

Utilizando dados de satélite, Mickley e sua equipe puderam ver onde surgiram nuvens de fumaça de incêndio florestal e para onde estavam se direcionando. Os monitores de qualidade do ar da EPA mostraram como as nuvens de fumaça estavam aumentando a poluição no nível do solo.

Basicamente, os satélites indicaram onde observar, enquanto os sensores mostraram o que estava presente na fumaça, contou ela.

Utilizando dados de saúde disponíveis para o público e estimando quais níveis de PM2,5 estariam presentes se não houvesse os incêndios florestais, os pesquisadores puderam modelar a porcentagem provável de aumento dos casos de covid-19.  Eles consideraram outros fatores que podem influenciar as taxas de casos: temperatura, prevalência da doença localmente antes do incêndio, população de um condado e mobilidade da população, coletada pelos cientistas a partir de dados do Facebook.

Dominici salienta que não podem afirmar que a exposição à fumaça de incêndio florestal resultou em algum caso específico de covid-19. Existem outros fatores influenciadores que o estudo não examinou: o uso de máscaras; uma reunião familiar com um indivíduo infectado; situação socioeconômica; condições de saúde pré-existentes de uma pessoa que testou positivo; ou se outras fontes históricas de PM2,5 já tinham predisposto uma comunidade a riscos de saúde, o que aumentaria o risco de infecção. Esses fatores podem ser responsáveis por alguns casos, mas, no geral, segundo Dominici, não negam a forte associação constatada entre picos na poluição do ar e subsequente aumento no número de casos de covid-19.

Outras pesquisas corroboram com essa conexão. Em Reno, no estado de Nevada, a exposição à fumaça de incêndio florestal em 2020 levou a um aumento de 18% nos casos de covid-19, de acordo com um estudo publicado mês passado por Daniel Kiser, cientista de dados do Instituto de Pesquisa Desert. “Os níveis de poluição atmosférica que observamos durante um incêndio florestal são exorbitantes”, aponta Kiser.

Dominici aponta que os números do estudo provavelmente estão subestimados, porque ela e sua equipe avaliaram apenas condados onde incêndios florestais realmente ocorreram — sendo que a fumaça pode viajar por centenas de quilômetros.

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