Por que não é preciso entrar em pânico com a variante Ômicron

Nova variante apresenta grande número de mutações e está se propagando rapidamente. Mas especialistas afirmam que ainda há muitos aspectos desconhecidos, e que as vacinas e máscaras permanecem as melhores medidas de proteção disponíveis.

Por Sanjay Mishra
Publicado 30 de nov. de 2021, 16:47 BRT
Passageiros utilizando equipamento de proteção pessoal da cabeça aos pés fazem o check-in para seu voo ...

Passageiros utilizando equipamento de proteção pessoal da cabeça aos pés fazem o check-in para seu voo no Aeroporto Internacional de Kuala Lumpur (KLIA) em 29 de novembro de 2021, enquanto países em todo o mundo fecham as fronteiras e restabelecem as restrições de viagem para conter a disseminação da Ômicron, nova variante da covid-19 com inúmeras mutações.

Foto de Mohd Rasfan, AFP via Getty Images

Especialistas haviam alertado que regiões com baixos índices de vacinação podem propiciar uma evolução mais acelerada do vírus que causa a covid-19 e, assim, talvez produzir uma variante mais transmissível ou resistente a anticorpos capaz de agravar a pandemia. Agora, essa previsão pode ter se confirmado.

Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde atribuiu a uma nova variante do Sars-CoV-2 o nome de Ômicron e a classificou como uma variante de preocupação, juntamente com a Alfa, Beta, Gama e Delta. A variante foi identificada na África do Sul, onde apenas 23% da população foi vacinada, em parte devido ao fato de a maioria dos suprimentos ir para a América do Norte e Europa. Contudo, neste estágio inicial, ainda há muito que os cientistas não podem determinar sobre a Ômicron e seu potencial para intensificar a pandemia de covid-19. Até o momento, a maioria dos casos de pessoas vacinadas que contraíram essa variante parece ser leve e não está claro o quanto as mutações afetarão a eficácia da vacina. Também não se sabe se a Ômicron causará casos mais graves da doença do que a Delta.

Evidências preliminares provenientes da África do Sul sugerem que a Ômicron possa ser mais transmissível do que as variantes anteriores: os casos positivos na região de Tshwane, na província de Gauteng (onde a Ômicron foi detectada pela primeira vez em 9 de novembro) aumentaram de menos de 1% para mais de 30% das amostras coletadas nas últimas três semanas. A Ômicron agora representa 76% de todos os Sars-CoV-2 sequenciados na África do Sul, o que a torna a variante predominante no país; substituindo outras variantes mais rápido do que a Delta substituiu a Beta.

“É um lembrete de que essa nova variante surgiu como resultado da falta de controle das infecções”, afirma Ravi Gupta, microbiólogo clínico da Universidade de Cambridge, nos Estados Unidos, e um dos principais pesquisadores de covid-19 do mundo.

A Ômicron compartilha muitas mutações importantes com variantes de preocupação anteriores, mas também acumula uma dezena de mutações inéditas em sua proteína de espícula, a parte do vírus que é essencial para infectar células humanas. A nova variante apresenta 32 mutações nessa região ao todo, e cientistas temem que o grande número possa reduzir a capacidade dos anticorpos existentes de neutralizar a variante, reduzindo a eficácia das vacinas atuais.

“Ela apresenta mutações em praticamente todos os locais aos quais os anticorpos atuais se ligariam”, explica Michael Worobey, que estuda a evolução dos vírus na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. Existem também mutações que podem fazer com que a Ômicron infecte as células mais rapidamente e seja transmitida entre pessoas com mais facilidade. “É preocupante, e isso não era verificado desde a Delta”, observa Gupta.

“Embora se saiba que há muitas mutações, ainda é desconhecido o efeito geral dessa variante (Ômicron)”, adverte Kei Sato, virologista da Universidade de Tóquio, no Japão. Apenas cerca de mil pessoas foram diagnosticadas com a Ômicron, e os cientistas atualmente têm poucas amostras e sequências genéticas da África do Sul, o que dificulta para especialistas tirar conclusões categóricas sobre o grau de contágio da Ômicron e se a variante provoca casos mais graves da doença.

Por outro lado, anticorpos coletados de pessoas infectadas naturalmente e depois vacinadas ainda conseguiram neutralizar um vírus sintético do tipo Ômicron em laboratório, o que sugere que uma dose de reforço de uma vacina de RNAm ainda pode oferecer proteção robusta contra a Ômicron.

A Ômicron “é motivo de preocupação, não de pânico”, declarou Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, em coletiva de imprensa na manhã de 29 de novembro. “A melhor proteção contra essa nova variante ou qualquer uma das diversas outras existentes atualmente é tomar o esquema completo da vacina e também a dose de reforço.”

Por ora, “há muitos indícios de que as vacinas ainda permanecem eficazes na prevenção de casos graves e complicações”, afirma Ian Sanne, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, na África do Sul. “Os dados, entretanto, são limitados e preliminares.”

Mutações preocupantes da Ômicron

Quando um indivíduo é contaminado com o vírus Sars-CoV-2, as células imunológicas de seu organismo produzem anticorpos que têm como alvo a proteína de espícula, a região utilizada pelo vírus para se ligar à proteína receptora ECA2 nas células humanas e infectá-las. Quando os anticorpos se ligam à espícula, o vírus é impedido de entrar na célula. Como a espícula é essencial à infecção, todas as vacinas atualmente autorizadas a utilizam para preparar a resposta imune do organismo.

As 32 mutações ocorridas no gene de espícula da Ômicron podem ser divididas em três grupos, a depender de seu mecanismo de alteração da função da proteína de espícula, conta Olivier Schwartz, virologista e imunologista do Instituto Pasteur, na França.

Algumas mutações aumentam a capacidade da proteína de espícula de se ligar ao receptor ECA2 humano; algumas facilitam a fusão da superfície do vírus com a célula e assim permitem a entrada do vírus; outras alteram a aparência da proteína de espícula, dificultando seu reconhecimento e permitindo que o vírus esquive dos anticorpos.

Dentre as diversas mutações na espícula da Ômicron, a perda de aminoácidos nas posições 69 e 70 torna o vírus duas vezes mais infeccioso do que o vírus original. Mas, por puro acaso, essas duas mutações não estão presentes na Delta, tornando a Ômicron fácil de distinguir com um teste PCR comum.

Gupta, da Universidade de Cambridge, demonstrou anteriormente que a ausência desses aminoácidos, juntamente com uma terceira mutação na posição 796 na proteína de espícula, está associada com a capacidade da Alfa de se esquivar da resposta imune do organismo humano, o que sugere que essas três mesmas mutações podem contribuir para que a Ômicron se esquive da imunidade existente proporcionada por vacinas ou infecções anteriores — e algumas evidências preliminares sugerem que isso esteja ocorrendo.

“Até o momento, houve uma série de infecções de vacinados, mas foram casos leves”, conta Barry Schoub, virologista e assessor de vacinas contra a covid-19 do governo da África do Sul. No entanto os especialistas afirmam que é cedo demais para determinar se a Ômicron causa casos mais graves da doença, pois existe um intervalo entre a infecção e a hospitalização.

Acredita-se que outro grupo de mutações na Ômicron nas posições 655, 679 e 681 da proteína de espícula facilite a infecção de células humanas; essas mutações também estão presentes na variante Mu e são conhecidas por aumentar sua capacidade de transmissão.

Além disso, em um estudo ainda não revisado por pares, os pesquisadores sugerem que uma mutação compartilhada pela Ômicron com a Alfa e a Mu poderia ajudá-la a se replicar mais rápido e resistir à imunidade. E uma mutação na posição 501 também encontrada na Alfa, Beta e Gama faz com que a proteína de espícula se fixe mais firmemente ao receptor ECA2, aumentando a eficiência de infecção de células pelo vírus.

“O vírus está se alastrando rápido em uma população com níveis muito elevados de imunidade, segundo nos consta”, afirma Richard Lessells, especialista em doenças infecciosas da Universidade de KwaZulu-Natal, em Durban, África do Sul. “É preocupante”, acrescenta ele. “A Ômicron pode ter uma espécie de evasão imunológica maior do que as variantes anteriores.”

Lacunas de conhecimento

Na região de Gauteng, na África do Sul, amostras de sangue coletadas sugerem que 80% da população já possuía alguma imunidade por ter sido contaminada com variantes anteriores do Sars-CoV-2. É por isso que os especialistas estão preocupados com a rápida disseminação da Ômicron, que representa 76% dos casos em poucas semanas. Para fins de comparação, a Delta atingiu esse nível de prevalência apenas depois de meses.

O número de internações hospitalares devidas à covid-19 na África do Sul também aumentou em outubro, mas ainda não está nítido se o motivo é a quantidade total de infectados ou a infecção específica pela variante Ômicron.

“Ainda não há informações suficientes disponíveis para chegar a uma conclusão sobre a gravidade da Ômicron em comparação com as demais variantes”, adverte Ben Cowling, epidemiologista da Universidade de Hong Kong, na China. Uma das razões é que a maioria dos casos iniciais ocorre entre estudantes universitários e pessoas mais jovens, que geralmente manifestam sintomas mais brandos.

Com os dados atuais, também não está claro se a vantagem de crescimento da Ômicron sobre a Delta se deve à sua capacidade de esquivar da imunidade por reinfectar pessoas anteriormente imunes ou infectar indivíduos ainda não expostos ao vírus, observa Tom Wenseleers, biólogo evolucionário e bioestatístico da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica.

Embora o número de pessoas com testes positivos em regiões da África do Sul afetadas pela Ômicron tenha aumentado drasticamente, não há dados suficientes para concluir se isso se deve inteiramente à Ômicron ou a eventos com alta capacidade de transmissão entre estudantes e jovens.

Apesar da disparada preocupante nos casos, dados preliminares, incluindo estudos do laboratório de Theodora Hatziioannou em Nova York, sugerem que vacinas e doses de reforço ainda são ferramentas potentes contra o vírus.

Pesquisadores liderados por Hatziioannou, da Universidade Rockefeller em Nova York, criaram uma versão sintética do vírus que continha diversas das mutações na proteína de espícula presentes na Ômicron. Eles constataram que anticorpos neutralizantes de pessoas que haviam se recuperado da covid-19 e receberam uma dose de vacina de RNAm conseguiram combater a mutação sintética do vírus.

No entanto são necessárias entre duas e três semanas após a infecção para que a covid-19 se manifeste e para que a gravidade da doença possa ser avaliada, explica Sanne, o que significa que levará algum tempo para determinar se as vacinas existentes são eficazes contra a Ômicron no mundo real.

Por ora, a melhor forma de evitar qualquer tipo de infecção pela Ômicron ou por qualquer outra variante é vacinar mais pessoas e a promoção contínua de medidas de saúde pública, como distanciamento social e uso de máscaras, pelos governos. “Por favor, vacinem-se, tomem a dose de reforço e usem máscaras de proteção em público, pois as mutações desse vírus provavelmente permitem que ele se esquive com bastante eficiência de anticorpos neutralizantes”, afirma Gupta.

“A principal forma de minimizar o surgimento de novas variantes é limitar as transmissões em andamento”, acrescenta Ridhwaan Suliman, pesquisador sênior do Conselho de Pesquisa Científica e Industrial da África do Sul. “Os vírus não podem sofrer mutação se não puderem se replicar.”

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