Carros elétricos são movidos a metais raros. A inteligência artificial poderá encontrá-los?

A eletrificação de frotas de veículos globais exigirá uma vasta gama de metais como cobalto e cobre, que podem ser difíceis de encontrar sem a ajuda de big data, ou “megadados”.

Por Jonathan W. Rosen
Publicado 26 de dez. de 2021, 07:00 BRT
Funcionários da KoBold, na Zâmbia, preparam amostras de solo para análises para determinar se contêm sinais ...

Funcionários da KoBold, na Zâmbia, preparam amostras de solo para análises para determinar se contêm sinais químicos de metais desejáveis, como cobre e cobalto.

Foto de KoBold

Em uma manhã, enquanto a luz dançava através do dossel da floresta no alto, Fedrick Eshiloni abaixou-se e recolheu um punhado de terra ocre no chão.

O cenário dificilmente lembra um centro de inovação: nesse trecho arborizado no noroeste da Zâmbia, lar de pântanos repletos de juncos e cupinzeiros do tamanho de casas, os moradores ainda transportam mercadorias em carros de boi. Mas o jovem de 22 anos, vestido com um uniforme de trabalho azul e acompanhado por uma equipe de mineração, dava um importante primeiro passo em uma nova busca com tecnologias avançadas para encontrar os metais essenciais para permitir um futuro de energias limpas.

Após um dia coletando amostras de solo, Eshiloni e seus colegas as transportaram para um acampamento improvisado, onde foram secas, peneiradas e testadas para a presença de traços de 34 elementos químicos. Até mesmo pequenas quantidades oferecem indícios da presença de cobre e cobalto nos minérios, ambos cruciais para a produção de veículos elétricos.

Esses primeiros passos não divergem muito dos métodos de exploração das mineradoras empregados desde meados do século 20. Mas as próximas etapas serão um teste importante com novas técnicas baseadas em dados que, segundo alguns acreditam, poderão transformar radicalmente a mineração — e ajudar a limitar o aquecimento global no processo.

Ao contrário da mineração convencional, essa equipe da KoBold Metals, uma start-up da Califórnia financiada por Bill Gates, utiliza dados reunidos por eles — a partir de amostras de solo, levantamentos aéreos e diversos documentos históricos — como recursos para um conjunto de modelos geológicos complexos gerados por inteligência artificial. A KoBold e seus patrocinadores acreditam que a inteligência artificial identificará com mais eficácia locais de formação de minérios e, por fim, novas jazidas mais profundas.

Funcionários da KoBold coletam amostras de solo em busca de cobalto, metal valioso utilizado em painéis solares, turbinas eólicas e veículos elétricos movidos a bateria.

Foto de KoBold

Amostra de núcleo de rocha sólida extraída das profundezas do subsolo que será testada para a presença de traços de minerais valiosos.

Foto de KoBold

A KoBold não é a única empresa de mineração que está recorrendo a big data para auxiliar a próxima geração de descobertas. Mas seus financiadores proeminentes e sua busca pelos metais necessários para a revolução da energia verde estão chamando a atenção para uma nova escassez de matérias-primas que corre o risco de frustrar as iniciativas globais, incluindo acordos negociados na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas na Escócia, para proporcionar um mundo com menos carbono.

De acordo com a Agência Internacional de Energia, para manter o aquecimento global “bem abaixo” de 2 graus Celsius, o principal objetivo do Acordo Climático de Paris de 2015, será necessário um crescimento sem precedentes na produção de metais como cobre, cobalto, níquel e lítio. Todos são materiais essenciais para produzir painéis solares, turbinas eólicas, cabos de energia e, acima de tudo, veículos elétricos movidos a bateria, os quais emitem menos carbono do que seus equivalentes movidos a gasolina, sobretudo quando a eletricidade é gerada a partir de fontes renováveis.

Para cumprir os objetivos do Acordo de Paris até 2040, os projetos da Agência Internacional de Energia exigirão vendas globais anuais acima de 70 milhões de carros e caminhões elétricos, que juntos demandarão até 30 vezes a quantidade de metais utilizada na produção atual.

Mas a mudança para um futuro verde enfrenta complexidades contraditórias — ao menos no futuro imediato. Embora novas tecnologias e regulamentações mais rigorosas tenham tornado a mineração menos destrutiva de uma perspectiva ambiental, a extração e o processamento de metais ainda contaminam a água e o solo, invadem habitats e emitem poluentes e os mesmos gases de efeito estufa que causaram o aquecimento do clima.

As emissões decorrentes da extração de minerais utilizados em tecnologias de energia verde são, entretanto, uma pequena fração daquelas geradas pelos sistemas movidos a combustíveis fósseis que foram projetadas para substituir. Com o tempo, com a intensificação da adesão aos veículos elétricos, mais reciclagem de baterias pode tornar a busca por metais de novas baterias menos fundamental. Parte do fardo do transporte verde poderia ser reduzido por outras soluções ainda em desenvolvimento — como carros movidos a hidrogênio — ou tecnologias ainda não imaginadas.

Entretanto, por ora, analistas enfatizam que não há alternativa além da mineração do solo.

Manter o aquecimento abaixo de 2 graus Celsius empregando as tecnologias atuais demandará “enormes volumes adicionais de metais”, disse Julian Kettle, vice-presidente sênior de mineração e metais da Wood Mackenzie, consultoria global de energia. “Simplesmente não há outra alternativa.”

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    Funcionários da KoBold, na Zâmbia, transportam sacos de amostras de solo através de pântanos rasos, conhecidos como dambos, que serão secas, peneiradas e testadas quanto a presença de 34 substâncias químicas.

    Foto de KoBold

    Rochas ocultas

    Fundada em 2018, o nome KoBold deriva de cobalto, metal prateado azulado e brilhante que ajuda a aumentar o desempenho das baterias de íon-lítio que revolucionaram os equipamentos eletrônicos de consumo, quando lançados no início da década de 1990. As mesmas baterias são utilizadas em uma escala muito maior para fornecer energia a veículos elétricos, e o cobalto lhes proporciona maior alcance, vida útil e proteção contra incêndios, por reduzir a corrosão.

    Seu suprimento, entretanto, é bastante precário: quase 70% é proveniente da República Democrática do Congo, onde um histórico de abusos trabalhistas e corrupção aumentou a urgência de encontrar jazidas em outros locais. As montadoras de automóveis também buscam alternativas ao cobalto — o metal, afinal, é uma mercadoria cara — embora as limitações de desempenho das atuais baterias sem cobalto provavelmente aumentarão a demanda por cobalto.

    Outros metais buscados pela KoBold podem em breve sofrer escassez também. Gerbrand Ceder, cientista de materiais que pesquisa baterias na Universidade da Califórnia, em Berkeley, acredita que o níquel enfrenta mais risco de esgotamento em longo prazo e um dos motivos é que é o substituto mais viável do cobalto.

    Os analistas também preveem uma falta de cobre, utilizado em uma variedade de tecnologias verdes, incluindo motores de veículos elétricos, cabos de energia e infraestrutura de carregamento. Um automóvel comum movido a bateria utiliza o triplo de cobre de seus congêneres a gasolina.

    Essas restrições de oferta surgiram, em parte, devido à dificuldade de encontrar novas jazidas viáveis de metais. O principal motivo disso é que as jazidas mais acessíveis já foram esgotadas: na Zâmbia, o segundo maior produtor de cobre da África, os minérios extraídos atualmente estavam “expostos no solo” ou logo abaixo da superfície quando foram encontrados, segundo David Broughton, geólogo com 25 anos de experiência na região que fornece assessoria à KoBold e outros.

    Isso não significa que não haja jazidas nas profundezas do solo: a interação entre as rochas e os fluidos que as formaram há mais de 400 milhões de anos ocorreu bem abaixo da superfície. Mas, ao contrário da indústria de petróleo e gás, que se aperfeiçoou no acesso a locais difíceis de alcançar, a exploração de mineração não teve nenhum grande salto tecnológico nas últimas décadas. Como resultado, as chances de sucesso são poucas. De acordo com a maioria das estimativas da indústria, menos de 1% dos projetos em áreas sem extensa exploração anterior contêm jazidas comercialmente viáveis.

    O fascínio da abordagem de big data

    O objetivo da KoBold é “reduzir a incerteza do que está sob a superfície”, afirma Josh Goldman, diretor de tecnologias da empresa. Uma aplicação mais rigorosa de dados e uma melhora no campo em evolução da inteligência artificial são essenciais para aumentar essas chances.

    Técnicas de inteligência artificial, como automação e aprendizado de máquina, já ajudaram na luta contra o aquecimento por permitirem um melhor rastreamento das emissões, modelagens climáticas mais sofisticadas e o desenvolvimento de redes inteligentes e outros dispositivos de economia de energia. As aplicações da inteligência artificial na mineração vêm se concentrando em melhorar a extração das operações existentes, embora estejam se aperfeiçoando na busca por novas jazidas.

    Hoje, empresas que vão desde gigantes da tecnologia, como a IBM, até empresas mais especializadas, como a canadense Minerva e a GoldSpot, oferecem ferramentas ou serviços de inteligência artificial voltados para a exploração mineral. A KoBold, entretanto, é uma das poucas que também investe seu próprio capital em prospecção — incluindo suas iniciativas na Zâmbia e outras no Canadá, Groenlândia e oeste da Austrália.

    Os recursos tecnológicos da empresa consistem em dois sistemas complementares. Connie Chan, sócia da Andreessen Horowitz, empresa de capital de risco que investiu na KoBold em 2019 junto com a Breakthrough Energy Ventures, de Bill Gates, compara o primeiro sistema a um “Google Maps para a crosta terrestre e subsolo”.

    Desenvolvê-lo é como uma caça ao tesouro geológico. A KoBold coleta seus próprios dados — extraídos de amostras de rochas e solo e de medições como gravidade e magnetismo obtidas a partir de um helicóptero. Ela também examina registros históricos, empregando ferramentas de aprendizado de máquina — em que computadores extraem informações a partir de dados complexos demais para humanos — para obter informações importantes a partir de mapas e relatórios geológicos antigos, que podem somar milhões de páginas. Em alguns projetos, a KoBold forma joint ventures com empresas de mineração consagradas, que fornecem seus próprios dados. A BHP, a empresa de mineração mais valiosa do mundo, é uma parceira na Austrália.

    A KoBold utiliza todas essas informações para desenvolver e treinar um conjunto de ferramentas analíticas denominado pela empresa como “prospector de máquinas”. Embora não explore metais diretamente, pode oferecer a geólogos uma noção melhor de onde procurar — ou de onde não procurar. Uma ferramenta importante para o trabalho da KoBold na Zâmbia ajuda a identificar rochas máficas — que podem induzir erroneamente exploradores a pensar que encontraram cobre — e, com isso, evita perfurações dispendiosas e malsucedidas.

    Outra ferramenta, em uso no norte de Quebec, no Canadá, onde a KoBold espera encontrar níquel, cobre e cobalto, direciona sua equipe de pesquisa a afloramentos rochosos mais promissores para amostragem, acelerando a busca. “É possível analisar uma área de algumas centenas de quilômetros quadrados em uma temporada”, afirma David Freedman, geólogo da KoBold que passou a metade do ano atravessando a tundra.

    O aprendizado de máquina será eficaz?

    Ferramentas de aprendizado de máquina desenvolvidas pela KoBold e outros já facilitaram o trabalho de geólogos; como Freedman observa, não há vento, chuva ou mosquitos ao planejar uma rota de prospecção atrás de um computador. No entanto essas técnicas ainda estão em seus primórdios e sua capacidade de gerar descobertas importantes permanece desconhecida.

    Antoine Caté, geólogo e cientista de dados da SRK, empresa de consultoria internacional, acredita que os modelos de aprendizado de máquina têm potencial de “melhorar drasticamente” as taxas de sucesso na exploração — em parte devido à sua capacidade de detectar padrões entre conjuntos de dados com mais variáveis do que o cérebro humano consegue processar. Ainda assim, ele adverte que essas ferramentas são tão boas quanto as informações lançadas nelas: se um algoritmo for baseado em dados precários, ele será, na melhor das hipóteses, ineficaz e, na pior, fornecerá falsos indicativos às mineradoras.

    A inteligência artificial também não elimina a necessidade de engenhosidade humana. “Essas ferramentas são incríveis para diagnósticos”, observa Caté. “Mas, no fim, ainda é necessário alguém capacitado para reunir as informações e tirar conclusões a partir delas.”

    Goldman, da KoBold, concorda. A necessidade de dados sólidos, explica ele, é o motivo pelo qual a investigação da KoBold é tão apurada. Ainda assim, ele admite que a tecnologia da empresa pode demorar a produzir resultados, e não se sabe ao certo o quanto poderá contribuir para descobertas de jazidas.

    Chan, cuja empresa ajudou a financiar gigantes da tecnologia como o Airbnb e o Instagram, acredita que a espera valerá a pena. As dificuldades de exploração da indústria de mineração e a demanda urgente por mais metais para baterias, ressalta ela, demonstram que uma abordagem baseada em software já chega atrasada. “Se algo puder indicar o que é mais eficaz na escolha dos locais certos, seria incrivelmente valioso.”

    Ainda que as técnicas de aprendizado de máquina tenham êxito, podem não ser suficientes para evitar escassez futura. Uma exploração melhor é apenas um dos elementos necessários: para cumprir o objetivo de dois graus Celsius do Acordo de Paris, a Wood Mackenzie estima que a indústria de mineração precisará investir mais de US$ 2 trilhões no desenvolvimento da mineração nos próximos 15 anos — um aumento colossal em relação aos cerca de US$ 500 bilhões despendidos nos 15 anos anteriores. A expansão também exigirá ação dos governos. É bastante comum, afirma Kettle, que legisladores estimulem a demanda por tecnologias verdes e, ao mesmo tempo, promulguem regulamentações que dificultem a extração dos materiais necessários para sua energização.

    Na Zâmbia, a adesão à revolução da energia verde é assunto nacional. O governo recém-eleito em agosto tenta reverter uma economia devastada por dívidas, e os minerais, que representam três quartos das exportações, são essenciais nessa situação. Paul Chanda Kabuswe, ministro de minas do país, declarou que a “explosão iminente” na demanda por metais para baterias tem o potencial de trazer “imensos benefícios” para a Zâmbia. Ainda assim, nenhuma jazida importante foi encontrada em décadas. Para garantir o abastecimento em longo prazo, a indústria de mineração precisará de avanços.

    Humphrey Mbasela, geólogo da Zâmbia que auxilia a KoBold a descrever o solo no distrito de Mushindamo, acredita que a abordagem de big data será benéfica. Ele destaca que, por muito tempo, exploradores vêm apenas “ciscando o solo” — absortos demais em pesquisar perto da superfície, enquanto os grandes tesouros estão mais no fundo.

    “Os recursos estão nas profundidades, ocultos”, prossegue ele depois de um dia de caminhadas por bosques e campos coletando amostras. “Simplesmente não foram revelados.”

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