Três principais teorias sobre a origem da variante Ômicron
Cientistas tentam identificar onde e como a última variante altamente transmissível surgiu para nos preparar melhor para a próxima.
Técnicos de saúde coletam amostras em um centro de testes covid-19 em Cascais, Portugal, em 22 de dezembro de 2021.
A chegada da Ômicron em novembro de 2021 pegou os cientistas de surpresa. Não porque havia uma nova variante no pedaço, mas porque tinha muitas e incomuns mutações – algumas raras e outras que nunca tinham sido vistas antes. Além disso, seus parentes mais próximos não eram variantes recentes, mas versões anteriores do Sars-CoV-2, o vírus causador da covid-19, circulando há mais de um ano.
Isso deixou a comunidade científica se perguntando de onde, exatamente, a Ômicron veio. Algumas pesquisas sugerem que essa variante pode ter evoluído no corpo de alguém imunocomprometido; outras pistas moleculares indicam que o vírus saltou de um humano para um animal, onde evoluiu, antes de saltar de volta para um hospedeiro humano.
É normal um vírus sofrer mutação à medida que se espalha de pessoa para pessoa, inevitavelmente produzindo erros em seu código genético enquanto se multiplica. Embora a maioria das mutações possa ser benigna, se alguma der ao vírus uma vantagem de sobrevivência, tornando-o, digamos, mais transmissível ou ajudando sua capacidade de escapar do sistema imunológico do hospedeiro, ele pode persistir e resultar em novas variantes com traços mais perigosos.
"Não acho que outras variantes de preocupação sejam uma grande surpresa em comparação com a Ômicron, que meio que surgiu do nada", diz Angela Rasmussen, virologista da Universidade de Saskatchewan, no Canadá.
A análise de seu genoma sugere que a Ômicron provavelmente divergiu da linhagem original do Sars-CoV-2 em meados de 2020. O vírus Sars-CoV-2 normalmente adquire duas mutações por mês. Para cada linhagem que está em circulação, "essa [taxa de mutação] tem sido bastante constante", diz François Balloux, biólogo computacional do Instituto de Genética do University College, de Londres, no Reino Unido. Ao longo de 18 meses, essa taxa de mutação sugeriria que a cepa de vírus divergente teria adquirido cerca de 36 mutações.
Mas o sequenciamento do código genético da Ômicron revelou mais de 50 mutações, das quais pelo menos 30 estão em sua proteína spike, extremamente importante e essencial para infectar células humanas. "É um grande salto", diz Balloux. Além disso, muitas dessas mutações estão agrupadas ao redor da região dos spikes do vírus, onde os anticorpos se ligam, bloqueando a capacidade do Sars-CoV-2 de entrar na célula.
"Todas essas mutações em uma combinação como essa", diz Rasmussen, "certamente são muito diferentes de qualquer coisa que temos visto circulando na população humana".
Evolução da covid-19: mutações e infecções prolongadas
Nos últimos dois anos, surgiram relatos de infecções de covid-19 que podem persistir por meses, ou até quase um ano em certas pessoas imunocomprometidas. Na ausência de um sistema imunológico robusto, o vírus pode continuar se multiplicando e acumulando mutações que alteram sua aparência e permitem que ele escape de anticorpos produzidos para bloquear a infecção.
"Sabemos de outros vírus que, quando há uma infecção em uma pessoa imunocomprometida, a linhagem pode acumular mais mutações do que o esperado em comparação com o vírus transmitido de pessoa para pessoa", diz Balloux.
Novas combinações de mutações podem surgir, especialmente quando o sistema imunológico de um indivíduo não erradica novos vírus rapidamente. Então, certas mutações individuais, que de outra forma podem não sobreviver, se fixam no código genético do vírus e se acumulam por conta da baixa imunidade do infectado. Algumas dessas mutações individuais combinadas podem beneficiar o vírus, diz o biólogo.
Na África do Sul, por exemplo, o virologista Tongai Maponga, da Universidade Stellenbosch, e seus colegas registraram mais de 20 mutações em uma variante Beta Sars-CoV-2 que evoluiu ao longo de pelo menos nove meses em um paciente que luta contra a doença avançada do HIV. Cientistas no Reino Unido notaram novas mutações em três outros pacientes com HIV avançado infectados pela variante Sars CoV-2 Alpha por vários meses. Em Portugal, pesquisadores viram um número extraordinariamente alto de mutações Sars-CoV-2 em um paciente imunocomprometido por conta de um câncer, cuja infecção persistiu por pelo menos seis meses e que foi tratada com a droga antiviral remdesivir e corticosteroides anti-inflamatórios. Essas drogas podem ter suprimido o sistema imunológico do paciente e facilitado a adaptação do Sars-CoV-2.
Observando a evolução do Sars-CoV-2 em certos pacientes imunossuprimidos infectados por períodos mais longos, "temos algumas semelhanças à mutações que vimos em variantes de preocupação", diz Richard Lessells, médico de doenças infecciosas da Universidade de KwaZulu-Natal, na África do Sul. Provavelmente foi assim que a Ômicron evoluiu, de acordo com alguns cientistas.
Embora não esteja claro quão comuns essas infecções de covid-19 podem ser em populações humanas, especialmente quando vários desses pacientes são assintomáticos, Lessells diz: "Isso realmente não importa – mesmo que seja um evento extremamente raro, se surgirem variantes que podem se espalhar com sucesso em uma população, então só tem que acontecer uma ou duas vezes para que isso seja significativo".
Isso também poderia explicar por que os esforços de vigilância genômica em muitas partes do mundo podem não ter detectado um raro evento de evolução Sars-CoV-2 até que fosse tarde demais para evitar a transmissão, pois a variante infectou muitas pessoas.
Nova hipótese para o surgimento da Ômicron
Há outra hipótese que ganhou relevância: talvez a Ômicron simplesmente evoluiu em uma região relativamente isolada que tinha capacidade limitada para sequenciar geneticamente as amostras de vírus causador da covid-19. Isso significa que a variante pode ter circulado sem ser detectada em uma população por muito tempo.
Por exemplo, a variante de interesse B.1.620 foi detectada pela primeira vez na Lituânia, em abril de 2021, mas pesquisadores rastrearam sua origem à África Central, onde alguns países têm dificuldades de realizar vigilância genômica. Embora a variante fosse potencialmente prevalente na região, diz a hipótese, sua presença permaneceu indetectada e só se tornou conhecida a partir de casos em pessoas que viajaram entre a Europa, Camarões e Mali.
Rasmussen, no entanto, acha que essa hipótese pode não se aplicar no caso da Ômicron. "Acho que isso é improvável porque não há muitas populações na Terra que são tão isoladas", diz ela. "Teríamos visto ancestrais da Ômicron emergindo em outras populações [ao longo do tempo], e isso teria sido captado em algum momento pela vigilância genômica."
A Ômicron pode ter vindo de um hospedeiro animal?
Wenfeng Qian, geneticista da Academia Chinesa de Ciências, por outro lado, suspeita que o Omicron pode ter surgido em um animal – provavelmente camundongos e ratos. No último ano, o Sars-CoV-2 infectou animais de estimação como gatos, cães e furões, devastou fazendas de vison (animais semelhantes a doninhas), e se espalhou para tigres e hienas em zoológicos e até veados nas florestas da América do Norte.
Embora os camundongos inicialmente servissem apenas como hospedeiros para o Sars-CoV-2 – porque os receptores de proteína na superfície das células dos roedores impediram o vírus de se conectar e infectar –um estudo mostrou que variantes mais novas como a Alpha, Beta e Gamma tinham uma mutação chamada N501Y em sua proteína spike que permitiu que o vírus infectasse células de camundongos em testes laboratoriais. Essa mutação também ocorre na Ômicron. Há também um punhado de outras mutações, associadas à adaptação em roedores, que são vistas na variante.
Qian e seus colegas estudaram 45 mutações no genoma da Ômicron, incluindo a N501Y, e observaram que algumas delas coincidem com as mutações tipicamente vistas em coronavírus que evoluíram em camundongos. Eles também descobriram que as assinaturas mutacionais dos antecessores da Ômicron não eram consistentes com padrões que se poderiam observar se o Sars-CoV-2 evoluísse em um hospedeiro humano. Os vírus de RNA, como o Sars-CoV-2, tendem a acumular mais mutações nas quais o bloco genético guanina é substituído por outro, chamado uracil – a chamada mutação G-to-U –, quando infectam e evoluem em humanos. Mas o número limitado de mutações G-to-U nos antecessores da Ômicron sugeriu que sua evolução tenha ocorrido em um hospedeiro animal. No entanto, "não podemos identificar o animal exato", diz Qian.
É possível que o Sars-CoV-2 tenha pulado de uma pessoa infectada para ratos ou camundongos, se espalhado entre esses animais e evoluído para a Ômicron e depois infectado um humano que tenha entrado em contato com tal animal. Isso seria semelhante ao caso dos agricultores de vison que foram infectados com uma versão mutante do Sars-CoV-2 que circulava entre bichos que pegaram covid-19 de humanos.
Ainda assim, muitos cientistas apoiam a hipótese de que a Ômicron pode ter evoluído em uma pessoa imunocomprometida com uma infecção prolongada de covid-19. "Os tipos de mutações que vemos, em particular, em pacientes com HIV pouco ou não tratados, é muito parecido com a Ômicron", diz Balloux. Rasmussen concorda, mas ela não refuta a hipótese de origem animal ou apaga os riscos potenciais de exposição a animais infectados.
Maponga, Lessells e seus colegas na África do Sul planejam monitorar de perto a trajetória do vírus Sars-CoV-2 em pacientes com HIV severamente imunossuprimidos. Rasmussen e seus colegas, por outro lado, estão planejando pesquisar animais domésticos como cavalos, vacas, ovelhas e cabras, bem como animais selvagens como veados-cariacus, guaxinins e pequenos carnívoros no Canadá para entender quão suscetíveis são ao Sars-CoV-2, e em particular a infecções de Ômicron.
Encontrar a origem da Ômicron pode não nos ajudar a superar a pandemia, diz ela. "Mas pode melhorar a forma como monitoramos novas variantes."