Qual é a temperatura média do corpo humano? Ela está mudando?
A crença comum de que os corpos humanos funcionam a 37°C parece estar errada, e algumas evidências sugerem que nossas temperaturas diminuíram com o tempo.
Uma visão infravermelha mostra o calor corporal das pessoas em comparação com a área ao redor de Jubilee Gardens, em Londres.
Por 150 anos, 37°C foi tido como a temperatura média do corpo para um ser humano saudável. Mas esse número está errado.
Pelo menos nas últimas duas décadas, os pesquisadores sabem que a temperatura média do corpo é realmente mais fria, cerca de 36ºC, e que qualquer número entre 35ºC e 37ºC está dentro de uma faixa normal para o corpo humano. No entanto, 37ºC permaneceu como o número mágico entre pais e médicos preocupados, exibido em tudo, desde termômetros de farmácias a páginas da web de centros médicos.
“Os médicos não são diferentes de ninguém”, pondera Julie Parsonnet, médica de doenças infecciosas da Universidade de Stanford. “Fomos criados com esse valor normal desde que éramos pequenos.”
Cada pessoa é diferente e muitos fatores podem afetar a temperatura corporal, incluindo idade, tipo de corpo, atividade, dieta, doença, hora do dia e como a temperatura é medida. A temperatura é comumente medida dentro do ouvido, sob a língua, na axila, retal ou na testa. Existe até uma pílula de termômetro ingerível, e cada um desses diferentes tipos de termômetros apresenta temperaturas médias ligeiramente diferentes.
Ao estudar as temperaturas de pessoas saudáveis e quais fatores podem empurrar o corpo para fora de um intervalo seguro, os pesquisadores podem desenvolver uma melhor compreensão do funcionamento do corpo como um todo. Para funcionar corretamente, o corpo humano precisa ficar dentro de uma faixa estreita de temperatura que abrange cerca de três graus Celsius.
Fora dessa faixa, os neurônios desaceleram e os músculos e órgãos funcionam com menos eficiência. Até as proteínas nas células podem ser afetadas. Assim, o corpo trabalha duro para manter uma temperatura segura, fazendo coisas como suar quando está quente ou contrair os vasos sanguíneos no tempo frio.
“ Tudo isso é feito pela sinalização do hipotálamo [do cérebro] que lhe diz: seu sangue está na temperatura errada”, explica Parsonnet.
A temperatura corporal também pode mudar em resposta à doença. A febre acontece quando o corpo aumenta sua temperatura alguns graus acima do normal, o que se acredita matar alguns tipos de micróbios e ajudar o sistema imunológico a trabalhar mais rápido.
Como a temperatura corporal é tão comumente medida e fornece uma ferramenta importante para estudar a saúde, os pesquisadores dizem que já passou da hora de reavaliar o calor interno do corpo humano.
O corpo humano está esfriando?
Parsonnet acha que 37ºC pode não ter sido sempre errado, mas que mudou. As pessoas estão esfriando, ela sugere.
Inicialmente interessado em estudar por que o cidadão norte-americano médio ficou mais pesado ao longo do tempo, Parsonnet começou a analisar as maneiras pelas quais a temperatura corporal poderia estar relacionada ao metabolismo. “Há anos venho pensando em tentar encontrar uma coorte que pudesse nos mostrar qual era a temperatura [média do corpo] décadas atrás”, ressalta.
Essa coorte veio da Civil War Veterans Series, um conjunto de dados de informações de saúde sobre veteranos do Exército da União que o economista ganhador do Prêmio Nobel Robert Fogel começou a compilar em 1978. O relatório contém informações sobre as ocupações, doenças e deficiências dos veteranos, incluindo as estatísticas de temperatura que Parsonnet estava procurando.
Em 2019, Parsonnet e seus colegas de Stanford combinaram os dados da Guerra Civil com uma pesquisa de saúde da década de 1970 e dados modernos do Stanford University Medical Center para um conjunto completo de dados de quase 200 000 medições de termômetro nos últimos 160 anos. Depois de analisar os dados, eles descobriram que a temperatura corporal do americano médio diminuiu cerca de um grau Celsius desde a Revolução Industrial.
É uma mudança que segue a teoria de Parsonnet de que o metabolismo humano pode estar diminuindo ao longo do tempo, juntamente com outras mudanças no corpo humano causadas por um melhor acesso a alimentos e saúde nos países industrializados.
As pessoas “ficaram mais altas, mais gordas, mais frias e vivem mais”, diz Parsonnet. “Todas essas quatro coisas meio que andam juntas.”
Um termômetro com defeito?
Philip Mackowiak, professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, tem uma teoria diferente sobre por que 37ºC não corresponde às medições modernas de temperatura. Ele acha que o número nunca foi correto, para começar.
A temperatura padrão de 37ºC pode ser rastreada até um livro publicado em 1870 pelo médico alemão Carl Rinhold August Wunderlich. “Ele estava em uma clínica na Alemanha e, de acordo com seu livro, acumulou um milhão de temperaturas”, diz Mackowiak. “Quando ele fez a média dessas temperaturas, ele chegou a 37ºC”.
Mackowiak diz que há uma série de razões pelas quais a estimativa original da temperatura média pode estar errada. Por exemplo, não está claro exatamente como Wunderlich chegou à sua média, e Mackowiak lembra que o conjunto total de dados era tão grande que Wunderlich provavelmente apenas fez a média de um pequeno número de suas medições.
“As estatísticas não eram de uso comum na época, muito menos computadores”, aponta Macowiack. “Então, como ele poderia ter processado um milhão de pontos de dados e chegar aos resultados que ele fez, é simplesmente impossível imaginar.”
Os termômetros de Wunderlich, que mediam a temperatura da axila e precisavam ser lidos enquanto mantidos no lugar por 15 a 20 minutos, também podem ter sido uma fonte de erro. Um desses termômetros de mercúrio originais é mantido no Museu Mütter da Filadélfia, e Mackowiak pegou emprestado o instrumento para inspeção.
“Fizemos alguns estudos cuidadosos para verificar seu alcance”, conta Macowaick, “e [ele] foi calibrado um grau e meio acima dos termômetros modernos ou contemporâneos”.
A imprecisão de longa data incomoda Mackowiak há décadas. Em um artigo de 1992 para o Journal of the American Medical Association, ele e seus colegas escreveram: “Acreditamos que 37°C deve ser abandonado como um conceito que tem algum significado particular para a temperatura normal do corpo”.
Quando perguntado sobre o estudo sugerindo que a temperatura média do corpo nos EUA está diminuindo, Macowiak diz ter dúvidas. Ele acha que o conjunto de dados no artigo estava faltando fatores-chave, como que tipos de termômetros foram usados e que hora do dia as temperaturas foram registradas.
“Não tenho como saber ao certo de uma forma ou de outra”, pondera Macowiak. “Mas minha intuição é que não, não vem diminuindo ao longo do tempo.”
Temperaturas do povo tsimane
Michael Gurven, um antropólogo da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, também não tinha certeza sobre as temperaturas decrescentes relatadas no estudo de Stanford. “Estávamos céticos”, diz ele. “Então, nós reanalisamos seus dados.”
Quando Gurven e sua equipe analisaram os números, encontraram a mesma tendência de resfriamento. “Nós não temos um grande entendimento sobre exatamente o porquê, mas parece real que houve um declínio”, conclui.
Gurven se interessou pela pesquisa da temperatura corporal por causa de seu próprio trabalho com o povo tsimane, agricultores de subsistência e caçadores que vivem na Bolívia, relativamente isolados do mundo exterior.
“Algumas das aldeias ficam a uma hora de caminhada da cidade mais próxima”, conta Gurven. “Outras aldeias estão a vários dias de distância em uma canoa.”
Depois de ler o artigo sobre a diminuição da temperatura corporal nos EUA, Gurven ficou curioso para observar a temperatura corporal média do povo tsimane. Se a mudança de estilo de vida nos países industrializados é a razão pela qual a temperatura corporal está diminuindo, então as pessoas que vivem sem as conveniências modernas teriam, em teoria, temperaturas mais altas.
Para sua surpresa, Gurven e seus colegas descobriram que a temperatura corporal dos tsimane também diminuiu ao longo do tempo. “Estávamos vendo um nível semelhante de declínio, mas em cerca de um décimo do período de tempo”, explica.
Desde que Gurven começou a trabalhar com os tsimane em 2002, ele descobriu que sua temperatura média diminuiu de cerca de 37ºC para 36,5ºC.
A pesquisa fornece outro conjunto de dados independente que sugere que as pessoas estão esfriando. Mas se isso for verdade, não há uma razão óbvia para isso. “Todo mundo teve uma ideia diferente”, aponta Gurven.
Algumas das possíveis causas incluem ar condicionado, dieta, doenças crônicas, atividade do sistema imunológico, doenças dentárias, parasitas, padrões de sono e medicamentos antiinflamatórios.
Para os tsimane, é possível descartar alguns fatores, como fast food e termostatos, mas muitas pequenas coisas mudaram para esses povos nas últimas duas décadas que podem ter contribuído para a mudança. Eles têm melhor acesso aos cuidados de saúde, levando a taxas mais baixas de doenças que podem afetar a temperatura corporal, bem como mais bens de consumo, como cobertores, que podem ajudar as pessoas a manter uma temperatura mais confortável durante todo o ano.
Todas essas mudanças podem resultar em uma diminuição geral da temperatura média, aponta Gurven.
Alterando a imagem
Então, como toda essa pesquisa se relaciona com a saúde cotidiana? Se sua temperatura é de 37ºC, você deve se preocupar?
“37ºC é uma temperatura normal, mas não A temperatura normal”, diz Mackowiak. “Não existe A temperatura normal.”
Se você precisar de um número, pode ser útil saber a temperatura que Mackowiak chama de “febre acionável”, que é uma temperatura tão alta que uma pessoa deve receber tratamento médico mesmo que não apresente outros sintomas. Ele diz que para os hospitais, esse número é geralmente de 38ºC ou acima.
Mas a temperatura nem sempre é uma medida clara de doença. Mesmo com uma temperatura corporal na faixa normal, outros sintomas podem indicar que algo está errado.
A temperatura corporal “é apenas uma indicação de doença”, explica Parsonnet. “Nós gostamos porque é um número, e todo mundo gosta de números…”