O que acontece se a influenza e o VSR se tornarem um único vírus?

Pela primeira vez, cientistas criaram um híbrido dos dois vírus sazonais. Essa descoberta rendeu informações surpreendentes.

Imagem obtida em microscópio mostra células pulmonares humanas infectadas com o vírus da influenza A e o VSR produzindo partículas virais híbridas. Partículas do vírus influenza (rosa) e filamentos do VSR (verde) brotam da superfície celular (amarelo), e partículas virais híbridas contêm regiões correspondentes a ambos os vírus.

Foto de Joanne Haney and Margaret Mullin University of Glasgow Centre for Virus Research
Por Sanjay Mishra
Publicado 14 de dez. de 2022, 10:09 BRT

Cientistas demonstraram pela primeira vez que dois vírus respiratórios sazonais que atualmente circulam nos Estados Unidos – e sobrecarregam os hospitais com pacientes pediátricos – podem formar um vírus híbrido se encontrarem as condições ideais. Porém, de acordo com os pesquisadores, a descoberta não é motivo de preocupação, mas fornece informações intrigantes sobre como os vírus aprendem novas maneiras para evoluir.

O vírus influenza A, que causa a gripe mais comum, e o vírus sincicial respiratório (VSR) são as principais causas de infecções em crianças. Tanto o VSR quanto o vírus influenza circulam todos os anos no outono e no inverno e as pessoas são frequentemente infectadas com ambos os vírus. Os cientistas já sabiam que um híbrido poderia ser formado durante uma infecção dupla contendo material genético de dois tipos de vírus diferentes, mas nenhum jamais foi detectado.

Um vírus híbrido pode ser mais infeccioso ou pode infectar novas partes do corpo. Ele também pode ser mais fraco que os vírus originais devido a uma incompatibilidade evolutiva. Mas as características do possível híbrido influenza-VSR eram desconhecidas até os cientistas conseguirem criar um em laboratório.

“Trata-se de uma demonstração interessante de como os vírus podem se comunicar e interagir entre si”, afirma Olivier Schwartz, virologista do Instituto Pasteur, em Paris, França.

Compartilhando genes dos vírus

Muitos vírus têm como alvo o sistema respiratório, e mais de um tipo de vírus pode estar presente no organismo ao mesmo tempo. Um em cada cinco bebês hospitalizados devido a uma infecção do trato respiratório, por exemplo, está infectado com dois vírus diferentes, oferecendo a esses patógenos a oportunidade de compartilharem genes.

Os vírus híbridos que possuem combinações de diferentes porções de genes virais, resultantes de infecções conjuntas por dois ou mais vírus relacionados, há muito são considerados um passo importante na evolução do vírus. Por exemplo, partes dos coronavírus bovinos podem ter se originado de um ancestral do vírus influenza C por meio de tal combinação.

“Os vírus captam genes das células hospedeiras e uns dos outros”, explica Jeremy Kamil, virologista da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Louisiana, em Shreveport. “Também adquirimos genes dos vírus.” Por exemplo, acredita-se que um gene que codifica uma proteína chamada sincitina, produzida na placenta, seja um resíduo de um vírus que infectou nossos ancestrais mamíferos há milhões de anos. Mas essas trocas de genes são raras e acontecem lentamente na escala de tempo evolutiva.

É difícil observar a formação de um vírus híbrido, como o composto pelo vírus influenza e VSR, porque os dois vírus devem estar presentes na mesma célula para formar um híbrido. Embora mais de um vírus respiratório possa infectar o organismo, os vírus competem pelo domínio da célula por meio de um fenômeno chamado interferência viral. 

Isso significa que, geralmente, apenas um tipo de vírus consegue infectar uma célula, e estudos em camundongos confirmaram que o VSR e o vírus influenza competem entre si para infectar uma célula e se multiplicar. Essa competição torna ainda mais improvável a chance de um híbrido se formar na natureza, mas não impossível.

Procurando vírus compatíveis para formar um vírus híbrido

Para criar as condições ideais para dois vírus não relacionados se unirem, cientistas do Reino Unido infectaram células pulmonares humanas em laboratório com os vírus influenza A e o VSR. “Observamos algumas células que foram infectadas com ambos os vírus ao mesmo tempo”, conta Pablo Murcia, virologista da Universidade de Glasgow, na Escócia, que liderou o estudo.

Nessas células, os vírus influenza e VSR se fundiram para formar um novo vírus híbrido em forma de garrafa, no qual uma parte do VSR formou a base e uma parte do vírus influenza formou o gargalo.

“É muito interessante ver que é possível inserir esses dois vírus na mesma célula ao mesmo tempo e produzir partículas quiméricas”, comenta Kamil.

O vírus híbrido conseguiu infectar células do trato respiratório inferior, normalmente não visadas pelo vírus influenza. O vírus híbrido também conseguiu evadir os anticorpos contra o vírus influenza, mas os anticorpos contra o VSR impediram a propagação do híbrido.

“O vírus influenza utiliza essas partículas híbridas como uma espécie de cavalo de Troia”, explica Murcia, o que permite infectar células em condições que não seriam normais para o vírus.

Este híbrido representa uma ameaça?

Murcia e Kamil são enfáticos ao afirmar que a formação do híbrido VSR-influenza não produz um vírus novo e mais perigoso. “Não é assustador, é interessante e não é necessariamente surpreendente”, afirma Kamil.

A maioria das pessoas já possui anticorpos contra os vírus VSR e influenza devido a infecções durante a infância. Portanto, é improvável que um vírus híbrido formado pelo VSR e o vírus influenza represente uma ameaça ao criar um vírus capaz de burlar o sistema imunológico. Em vez disso, é como se fosse dois vírus acoplados, diz Murcia.

Além disso, o vírus híbrido somente ocorreu em um tubo de ensaio, em uma situação artificial. “Isso demonstra uma importante prova de conceito virológica de que os vírus respiratórios podem se recombinar”, diz Dan Barouch, virologista da Faculdade de Medicina de Harvard. Mas não se sabe com que frequência isso pode acontecer.

“Só porque estamos descobrindo isso agora não significa que já não esteja acontecendo”, diz Sarah Meskill, pediatra do Hospital Infantil do Texas, especializada no tratamento de doenças respiratórias virais. O trabalho de Meskill revelou que a infecção dupla por VSR e influenza não requer atenção clínica extra. “É possível que o VSR e o vírus influenza estejam produzindo híbridos, mas, clinicamente, não parece ser relevante a ponto de precisarmos fazer algo a respeito.”

Além disso, com relação a outras doenças virais, as infecções conjuntas não aumentam a gravidade da doença, embora em alguns casos possam aumentar as chances de pneumonia viral.

“Pesquisas futuras são necessárias para determinar a importância e relevância desse processo em humanos infectados”, pondera Schwartz. Se o vírus híbrido não for estável ou não fornecer uma vantagem imunológica distinta, ele não irá evoluir, acrescenta.

No entanto, mesmo com uma baixa possibilidade de um vírus híbrido se formar em um paciente com uma infecção dupla, o novo estudo traz informações sobre como os vírus podem aprender a infectar células diferentes. Por exemplo, um híbrido influenza-VSR pode ampliar a variedade de células que o vírus influenza sozinho é capaz de infectar (nariz, garganta e traqueia) para incluir também células pulmonares, que normalmente são o alvo do VSR.

“Com que frequência isso acontece na natureza? Provavelmente não com a frequência que tememos”, conta Kamil. “Mas com bilhões de pessoas e animais no planeta, há oportunidades suficientes para que isso aconteça.”

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