Como múltiplas infecções por Covid-19 podem prejudicar o organismo

Com o aumento das reinfecções, cientistas alertam que a cada vez que a doença é contraída, aumenta o risco de desfechos preocupantes, que variam de Covid-19 longa a doença cardíaca.

Por Amy McKeever
Publicado 2 de ago. de 2022, 18:38 BRT

Virologista do Centro de Pesquisa Médica Aplicada do Hospital St Vincent, em Sydney, Austrália, ajusta seu equipamento de proteção individual enquanto pesquisa a variante Ômicron, em 8 de dezembro de 2021. As variantes Ômicron BA.4 e BA.5 continuam sendo uma das principais causas de reinfecções.

Foto de Kate Geraghty The Sydney Morning Herald, Getty Images

Ziyad Al-Aly notou que cada vez mais pacientes chegavam à sua clínica no Missouri, nos Estados Unidos, com o que ele descreve como um ar de invencibilidade. Era março de 2022, e esses pacientes haviam recebido a dose inicial e de reforço contra a Covid-19, e também haviam se recuperado recentemente de uma infecção. Na cabeça deles, a imunidade combinada os protegeria de danos mais graves. 

“Comecei a pensar, ‘Será que isso é realmente verdade?’”, lembra Al-Aly, chefe de pesquisa e desenvolvimento do St. Louis Healthcare System do Departamento de Assuntos para Veteranos (VA) e epidemiologista clínico da Universidade de Washington, em St. Louis, EUA. Intrigado, ele recorreu ao banco de dados de prontuários médicos do VA para obter mais informações. 

Desde então, o tempo deixou evidente que a imunidade natural e a induzida pela vacina não são perfeitas: as taxas de reinfecção estão aumentando com o surgimento da variante Ômicron mais infecciosa, sendo que algumas pessoas relatam estar contraindo a doença pela terceira ou quarta vez. Estudos também demonstraram que as subvariantes da Ômicron conseguem burlar a imunidade prévia com mais facilidade.

Mas, embora esses dados epidemiológicos mostrem que as reinfecções por covid-19 são possíveis, será que contrair a doença mais de uma vez representa algum risco real para os pacientes, como aqueles que Al-Aly trata em sua clínica? “A resposta é certamente sim”, afirma ele.

Em junho, Al-Aly publicou um estudo (ainda não revisado por pares) que analisou os prontuários médicos de mais de 5,6 milhões de veteranos militares. A análise demonstrou que a cada nova infecção, aumentava o risco de morte por qualquer causa. Também aumentavam as chances de outros desfechos de saúde preocupantes, incluindo distúrbios cardíacos, sanguíneos e cerebrais, bem como doenças como diabetes, fadiga crônica e Covid-19 longa.

Mas ele e outros especialistas alertam que ainda há muito a ser esclarecido. Ainda não entendemos por que as reinfecções foram associadas a um aumento do risco desses desfechos de saúde entre os veteranos – uma população que não reflete o público em geral porque é composta de homens brancos e mais velhos. Também não está claro se as variantes mais recentes da Covid-19 são mais propensas a causar doenças graves e não se sabe por quanto tempo a imunidade dura até começar a deixar a pessoa vulnerável à reinfecção.

“Quando tudo isso é somado, há muitas incógnitas, e é isso que torna tudo tão complicado”, afirma Michael Osterholm, diretor do Centro de Pesquisa e Políticas de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, EUA. “Eu chamo isso de um problema de cálculo envolvendo uma doença infecciosa.” 

Veja o que os cientistas realmente sabem até agora e como estão tentando solucionar essa complexa equação. 

Os danos causados pelas reinfecções de Covid-19 

Os riscos de reinfecção variam de acordo com a doença. Para algumas, como o sarampo, a febre amarela e a rubéola, não há muitos motivos para preocupação com relação a uma segunda infecção porque a imunidade duradoura é adquirida após um surto da doença ou vacinação. Isso geralmente impede que você seja infectado novamente ou, caso seja, a infecção é tão leve que nem é constatada. 

Por outro lado, há doenças em que a imunidade diminui com o tempo, deixando a pessoa mais suscetível a reinfecções. A gravidade da reinfecção depende de muitos fatores, incluindo condições subjacentes, alterações na saúde da pessoa que podem ter sobrecarregado seu sistema imunológico, a época da vacinação e as alterações do próprio vírus. 

Obsserve essas imagens sobre as partículas do coronavírus:

Veja a gripe, por exemplo. O vírus sofre mutações com tanta frequência que confunde o sistema imunológico – cada nova infecção é como pegar uma gripe pela primeira vez. “Então, seu organismo não consegue identificar que já contraiu esse vírus antes e que sabe combatê-lo”, explica Al-Aly. 

Como regra, no entanto, as reinfecções são tipicamente mais leves do que uma primeira infecção, explica Laith J. Abu-Raddad, epidemiologista de doenças infecciosas da Weill Cornell Medicine-Qatar. “Faz todo o sentido, pois o sistema imunológico já foi preparado. É possível que haja sintomas, mas a resposta é tão rápida que, no fim, acaba controlando a replicação.” 

A dengue é uma exceção. A doença causa um fenômeno raro em que a imunidade conferida por uma infecção anterior pode funcionar contra o organismo criando anticorpos que inadvertidamente ajudam o vírus a invadir as células hospedeiras. Não há evidências de que esse seja o caso do Sars-CoV-2. Se fosse, o número de hospitalizações provavelmente estaria muito alto no momento. Porém, de acordo com os cientistas, é  importante descartar esse fenômeno como um dos mecanismos que o vírus pode utilizar. 

O que as evidências mostram sobre as reinfecções por Covid-19 

Atualmente, sabe-se que a imunidade natural e a da vacina contra a Covid-19 diminuem com o tempo. Mas a gravidade das reinfecções tem sido amplamente debatida. 

Quando o relatório de Al-Aly foi publicado em junho, houve muita controvérsia nas redes sociais sobre o estudo, que parecia sugerir que as reinfecções eram mais graves do que a infecção primária. Mas Al-Aly conta que tudo não passou de uma má interpretação de suas constatações. Ele explica que mesmo que a maioria das reinfecções seja mais leve, elas ainda devem ser levadas a sério. 

“É importante ressaltar que não há risco zero”, comenta Al-Aly. Ele compara a situação às consequências de um incêndio em uma casa. “Não se pode querer colocar fogo na casa novamente só porque se sabe como apagar o fogo”, comenta. “Talvez o sistema imunológico de uma pessoa seja capaz de lidar com o vírus. Mas sabe o que é melhor? Não chegar a ser infectado nenhuma vez.” 

Abu-Raddad concorda. Sua própria pesquisa, publicada no periódico New England Journal of Medicine, no início de julho, mostra que as pessoas que foram vacinadas e que tiveram uma infecção prévia possuem cerca de 97% menos chance de ter uma reinfecção grave, crítica ou fatal. Em outras palavras, o risco é “bastante pequeno”. Contudo, de acordo com ele, a cada infecção subsequente, aumenta o risco cumulativo de uma pessoa sofrer os danos causados pela covid-19. 

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    Osterholm diz que mais estudos como o de Al-Aly ajudariam a entender como as reinfecções podem agravar os danos causados pela Covid-19. Ele afirma que, por exemplo, uma infecção pode causar inflamação a longo prazo nos vasos sanguíneos, o que acarreta o desenvolvimento de coágulos que podem aumentar o risco de ataques cardíacos ou derrames. 

    “Esse é um exemplo de algo que precisamos realmente compreender melhor”, comenta Al-Aly.

    O que as evidências revelam sobre reinfecções e Covid-19 prolongada 

    Os cientistas também se preocupam, pois não sabem se cada nova infecção aumenta o risco de desenvolver Covid-19 prolongada – uma condição misteriosa associada a uma longa lista de sintomas incomuns que podem durar meses ou até anos após a infecção inicial. Embora a causa da Covid-19 longa permaneça desconhecida, os cientistas esperam descobrir se a imunidade confere alguma proteção contra ela. 

    Até agora, as evidências são mistas. Um estudo de setembro de 2021, publicado na revista científica The Lancet, constatou que as pessoas que haviam recebido duas doses da vacina contra a Covid-19 tinham metade da probabilidade de desenvolver sintomas de Covid-19 longa em comparação com as pessoas não vacinadas, sugerindo que as vacinas oferecem certa proteção a esse respeito. 

    No entanto, um estudo de maio de 2022, também de autoria de Al-Aly e publicado no periódico Nature Medicine, sugere que a vacinação apenas reduz o risco de desenvolver sintomas de Covid-19 prolongada em cerca de 15%. 

    Enquanto isso, o estudo mais recente de Al-Aly sugere que a Covid-19 longa seja mais prevalente em pessoas com múltiplas infecções do que aquelas que contraíram a doença apenas uma vez. Abu-Raddad ressalta que isso não significa necessariamente que a segunda infecção seja mais grave que a primeira – pode significar apenas que cada nova infecção represente outra oportunidade para a Covid-19 longa se manifestar. 

    Entretanto, os cientistas precisam primeiro descobrir as causas da Covid-19 prolongada, para que então possam pensar no papel que as reinfecções exercem nesse caso, afirma Benjamin Krishna, pesquisador de pós-doutorado da Universidade de Cambridge, Reino Unido, especializado em virologia e imunologia. 

    Alguns pesquisadores especulam que a covid-19 longa seja causada por partículas virais que permanecem no organismo por muito tempo após o término da fase aguda da doença. Outros sugerem que seja causada por um distúrbio autoimune pré-existente ou talvez pelo fato de o sistema imunológico não ter se recuperado adequadamente de uma doença anterior. 

    Krishna diz que ficaria surpreso se uma segunda infecção tivesse a capacidade de aumentar as chances de contrair Covid-19 longa. Em vez disso, ele acredita que seja algo aleatório, como jogar um dado. “Cada vez que você joga, há a chance de desenvolver uma doença que envolva fadiga crônica”, diz ele. 

    Perguntas importantes sobre reinfecções de Covid-19

    Os cientistas precisam de mais informações para tirarem conclusões sobre a gravidade das reinfecções por Covid-19. Al-Aly diz que seu próximo passo é investigar se as variantes em alta no momento – a BA.4 e BA.5 – são mais propensas a causar reinfecções graves por Covid-19 do que as demais. 

    Embora o banco de dados do VA não seja perfeito, ele argumenta que seu tamanho robusto oferece uma vantagem para desvendar as diferentes variáveis em jogo: com milhões de prontuários médicos disponíveis, ele conseguirá analisar a reinfecção em subgrupos de pessoas que tinham apenas, digamos, a variante Delta em vez das variantes Ômicron. 

    É possível que a BA.4 e a BA.5 burlem a vacina? Elas podem representar o mesmo risco de desenvolver Covid-19 prolongada? “Essas são perguntas para as quais estamos ansiosos para obter respostas”, comenta Al-Aly. 

    Abu-Raddad também gostaria de ver mais estudos que examinassem as características clínicas das reinfecções. Contudo, esses estudos seriam complexos. Para determinar se as reinfecções causam danos compostos ao organismo, seria necessário realizar uma triagem abrangente de cada pessoa após cada infecção. 

    De todo modo, os cientistas precisarão de mais tempo. Embora a pandemia possa parecer longa demais, com dois anos e meio até agora, Krishna ressalta que ainda é um tempo relativamente curto para estudar como os anticorpos respondem a um vírus. Em mais um ano e meio, poderemos constatar que as reinfecções são muito piores – ou poderemos chegar a um ponto em que tenhamos imunidade para a vida toda. 

    Osterholm observa que uma variante ou subvariante pode surgir e criar uma equação totalmente nova. “Toda vez que tentamos descobrir como esse vírus realmente funciona, continuamos sem respostas para muitas perguntas”, alerta. Ainda assim, ele está otimista de que o conhecimento dos cientistas aumentará cada vez mais.

    E, enquanto isso, os especialistas dizem que muito pode ser feito para se proteger dessa incerteza: vacinar-se com a primeira dose e as doses de reforço, e tomar outras precauções sensatas, como usar máscaras e evitar situações com alto risco de exposição. 

    “É muito perigoso nos expormos à reinfecção”, diz Abu-Raddad. “É possível que uma infecção específica acabe sendo a mais grave.”

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