A ciência por trás do mundo quântico de Homem-Formiga

Você já se perguntou como o Universo funciona no nível molecular? É isso que a física quântica tenta desvendar – e o pano de fundo de Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, o mais novo filme da Marvel.

Por Redação National Geographic Brasil
Publicado 8 de fev. de 2023, 10:33 BRT, Atualizado 8 de fev. de 2023, 11:39 BRT

Cena do filme Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Apesar de fictício, o enredo do novo filme da Marvel se inspira em conceitos reais da física quântica.

Arte de Disney+

O filme Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania estreia em 16 de fevereiro nos cinemas.

Imagine um lugar de infinitas possibilidades. Um universo alternativo onde as leis da física e forças da natureza como nós conhecemos não se cristalizaram. É assim que o físico Spyridon Michalakis, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, descreve o reino subatômico, estudado pela física quântica e cenário principal do novo filme da Marvel, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, que estreia nos cinemas em 16 de fevereiro. 

Segundo o físico, que atuou como consultor científico do filme, o Homem-Formiga, ao compreender o mundo quântico, consegue reescrever as leis da física. “Ele poderia se mover no espaço e no tempo de uma maneira que nenhum outro super-herói pode fazer", disse ele em à rede de notícias norte-americana NBC. "Não é apenas uma questão de poder. Ele mudaria até o que é a noção de massa e levantaria as coisas com muito mais facilidade.”

Claro que muitas das capacidades do herói não passam de ficção, mas certas explicações científicas para justificar os poderes e acontecimentos do novo filme têm como base alguns dos conceitos mais atuais da física quântica. Uma delas, a teoria do emaranhamento quântico, foi premiada com o Nobel de Física de 2022. 

National Geographic conversou com especialistas para entender o que é a física quântica e o que é real na ciência de o Homem-Formiga

O que é física quântica?

A física quântica é uma área da ciência que estuda o comportamento de objetos extremamente pequenos e tem implicações profundas em muitas áreas, desde a tecnologia, com os computadores quânticos, até a cosmologia, que estuda a formação do Universo. 

No geral, a física quântica estuda átomos e partículas subatômicas, mas também pode ser considerada a base de toda a física. 

“Ela é o estudo da natureza, dos materiais, tudo o que compõe nosso universo na menor escala que conseguimos identificar, que é a atômica molecular”, explica o físico Marcelo Knobel, professor do Departamento de Física da Matéria Condensada e do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas, em entrevista à reportagem. “Nessa escala, acontecem fenômenos diferentes quando comparados com o funcionamento do nosso mundo, chamado de macroscópico (grande o suficiente para ser observado a olho nu)."

Segundo Paulo Nussenzveig, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e pró-reitor de pesquisa na mesma instituição, a física quântica tem a dualidade como uma de suas características base. 

Como exemplo, ele menciona que a natureza da luz é dual, ou seja, ela pode se comportar tanto como onda quanto como partícula. “Ao mesmo tempo que quase tudo que a gente entende sobre luz é descrito por equações ondulatórias (refração, difração, cores, etc.), existe o efeito fotoelétrico que depende que a luz se comporte como partícula”, disse Nussenzveig à reportagem. O efeito fotoelétrico é o que permite a geração de energia elétrica pela luz solar. 

Além da luz, átomos, elétrons e nêutrons (as menores partes de uma molécula) também podem apresentar comportamentos tanto de partículas quanto de ondas. 

No novo filme do Homem-Formiga, essa dualidade aparece diluída em outros conceitos mais elaborados da física quântica, como a decoerência quântica e o emaranhamento quântico, que só pôde ser demonstrado por meio de experimentos muito recentemente.

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    Conceitos como decoerência e emaranhamento quânticos estão presentes no filme Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, da Marvel.

    Arte de Disney+

    O que é o emaranhamento quântico?

    No mundo quântico do Homem-Formiga, o emaranhamento ou entrelaçamento quântico tem um papel importante para justificar como o personagem principal usa seus poderes. Já no mundo real, segundo Nussenzveig, o fenômeno demonstra potencial para uso em áreas como transferência segura de informações, computação quântica e tecnologia de detecção.

    A base teórica do fenômeno foi desenvolvida na década de 1960 pelo físico norte-irlandês John Stewart Bell. Basicamente, o emaranhamento quântico é um tipo de conexão entre duas ou mais partículas subatômicas na qual o comportamento ou estado de uma dessas partículas afetam instantaneamente as outras, mesmo que estas estejam separadas por grandes distâncias. 

    Para explicar o fenômeno, Bell teria usado uma peculiaridade de seu colega, o físico austríaco Reinhold Bertlmann, que sempre usava meias diferentes. Se uma das meias de Bertlmann fosse rosa, por exemplo, imediatamente era possível saber que a outra seria de outra cor, independentemente da distância entre elas. 

    (Você pode se interessar por: Três teorias sobre o multiverso)

    “O fato de uma das meias ser de uma cor não muda a cor da outra. A correlação está no fato de que, se uma é de uma cor, automaticamente a outra será de outra cor, que já era definida. O mesmo ocorre no caso de partículas, mas o que se analisa pode ser o movimento, o estado, a energia ou outras grandezas físicas”, explica Nussenzveig. 

    Em 2022, três cientistas da Universidade de Viena (Áustria) receberam o Nobel de Física por terem realizado um experimento que provou que o fenômeno é real e que pode ter usos práticos. Segundo Nussenzveig, o trabalho desses cientistas pode abrir caminho para uma nova geração de computadores e sistemas de telecomunicações poderosos que são impossíveis de invadir.

    “O tipo de correlação associada ao emaranhamento quântico é um tipo de correlação que é mais forte do que qualquer uma que compreendemos atualmente em termos de probabilidades clássicas. E isso abre muitas possibilidades no campo da segurança da informação”, afirma. 

    Decoerência quântica: o entrave para os computadores quânticos

    Outro fenômeno quântico que será importante no reino subatômico de Homem-Formiga Quantumania é a decoerência quântica. 

    Para se entender esse fenômeno, segundo Nussenzveig, é preciso retomar as explicações da dualidade na física quântica e o emaranhamento quântico. “O que diferencia a física quântica da clássica é exatamente esse comportamento ondulatório da matéria, que ela pode estar em mais de um estado físico ao mesmo tempo. Mas esse sistema é frágil e, por estar interligado, perde facilmente sua ‘coerência’”, explica. 

    A teoria da decoerência quântica busca explicar a transição da mecânica quântica, ou seja, como os elementos subatômicos interagem entre si, para o comportamento físicos clássicos dos objetos macroscópicos. De acordo com o professor da USP, a teoria afirma que, devido à interação com o ambiente, as propriedades quânticas de um sistema podem "decair" ou perder a coerência, resultando em comportamentos que são descritos pela física clássica.

    Um exemplo de decoerência pode ser visto na experimentação com partículas quânticas. Por exemplo, quando uma partícula – que pode ser um elétron ou um átomo – é medida, ou seja, sofre interação com o ambiente macroscópico, sua propriedade quântica (de estar em mais de um estado ao mesmo tempo) é destruída, e ela assume uma posição definida. 

    “A decoerência quântica é uma espécie de ruído, ou interferência, que atrapalha as sutis inter-relações entre as partículas quânticas”, diz Nussenzveig. Por exemplo, quando há a decoerência, a partícula que estava no ponto A e no ponto B ao mesmo tempo, subitamente passa a estar ou no ponto A ou no ponto B. O mesmo serve para estados físicos: se algo era uma partícula e uma onda ao mesmo tempo, ao perder a coerência ela passa a se comportar apenas como partícula ou apenas como onda. 

    Esse fenômeno é o que dificulta o desenvolvimento de computadores quânticos. Isso porque um bit quântico, que seria a unidade de armazenamento de informação nesses computadores, tem a capacidade de guardar, ao mesmo tempo, um 0 e um 1 (linguagem entendida pelo computador) – como se ele carregasse dois tipos de informação em um mesmo lugar. E é isto que lhes permitiria fazer cálculos a uma velocidade muito superior aos supercomputadores atuais. 

    Entretanto, por serem elementos quânticos, “os computadores quânticos também passam por essa decoerência e, por isso, é muito difícil manter a informação por muito tempo”, afirma Nussenzveig. “Para que eles sejam viáveis e eficientes, é preciso desenvolver formas de manter a coerência quântica em grandes sistemas.” 

    Menores animais do mundo

    Durante o novo filme da Marvel, o espectador é transportado para o mundo subatômico, onde prevalecem as leis quânticas e as menores coisas conhecidas pelo ser humano coexistem. 

    No segundo filme da Marvel dedicado ao Homem-Formiga – Homem-Formiga e a Vespa, de 2018 –, uma dessas coisas curiosas é real e um dos animais mais interessantes do ponto de vista científico: o tardígrado.

    Os tardígrados são animais invertebrados de cerca de 0,5 milímetros que foram descobertos em 1773 por um zoólogo alemão, de acordo com a Enciclopédia Britannica.

    Também chamados de ursos d'água, os tardígrados são conhecidos por sua aparência e capacidade de sobreviver em ambientes extremos. Por exemplo, esses animais podem sobreviver a temperaturas de 150ºC e -200ºC, além de também aguentarem condições intensas de pressão

    Com relação à física quântica, esses diminutos animais podem ter se tornado os primeiros "quanticamente emaranhados" da história. Pelo menos é o que afirma um novo estudo que ainda está em fase de aprovação pela comunidade científica. O artigo descreve um experimento com um tardígrado da espécie Ramazzottius varieornatus

    O animal foi resfriado para perto do zero absoluto e colocado sob pressão extremamente baixa para entrar em sua forma indestrutível. Então, ele foi inserido no circuito de computador quântico, onde teria sido temporariamente emaranhado com dois qubits. Após cerca de 420 horas de experimentos, o bicho foi aquecido e teria voltado à forma normal, "ressuscitando" como se nada tivesse ocorrido. 

    Para o professor Nussenzveig, apesar dos animais serem extraordinários por si só, o experimento não demonstra nada de revolucionário do ponto de vista da física quântica. 

    Ainda assim, esse experimento explora as possibilidades que o mundo quântico guarda, que já estão sendo responsáveis por revolucionar nossa compreensão sobre o universo e seus processos subatômicos. Ainda há muitos mistérios e desafios a serem desvendados e, quem sabe, animais microscópicos e conceitos complicados da física quântica podem ter um papel fundamental nos futuros avanços tecnológicos.

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