O que é o multiverso – e há alguma evidência de sua existência?
Esta imagem mostra o fundo cósmico de micro-ondas – a luz mais antiga do universo, lançada logo após o Big Bang. Essa barreira marca a borda do universo observável, embora os cientistas tenham apresentado algumas teorias sobre o que pode estar além disso.
O que está além das margens do universo observável? É possível que nosso universo seja apenas um de muitos em um multiverso muito maior?
Os filmes não se cansam de explorar essas questões. De blockbusters de super-heróis como Doutor Estranho no Multiverso da Loucura ao queridinho indie Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo – com data de estreia no Brasil prevista para 23 de junho –, as histórias de ficção científica estão cheias de realidades alternativas. E, dependendo de qual cosmólogo você perguntar, o conceito de um multiverso é mais do que pura fantasia.
As ideias da humanidade sobre realidades alternativas são antigas e variadas. Em 1848, Edgar Allan Poe até escreveu um poema em prosa no qual imaginava a existência de “uma sucessão ilimitada de universos”. Mas o conceito de multiverso realmente decolou quando teorias científicas modernas, tentando explicar as propriedades de nosso universo, previram a existência de outros universos, onde eventos ocorrem fora de nossa realidade.
“Nossa compreensão da realidade não está completa, muito pelo contrário”, diz o físico da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Andrei Linde. “A realidade existe independentemente de nós.”
Se eles existem, esses universos estão separados do nosso, inalcançáveis e indetectáveis por qualquer medição direta (pelo menos até agora). E isso faz com que alguns especialistas questionem se a busca por um multiverso pode ser verdadeiramente científica.
Os cientistas um dia terão certeza se o nosso universo é o único? Nós quebramos as diferentes teorias sobre um possível multiverso – incluindo outros universos com suas próprias leis da física – e se muitas versões de você poderiam existir por aí.
O que é um multiverso?
O multiverso é um termo que os cientistas usam para descrever a ideia de que além do universo observável, outros universos também podem existir. Os multiversos são previstos por várias teorias científicas que descrevem diferentes cenários possíveis – desde regiões do espaço em planos diferentes do nosso universo, até universos-bolha separados que estão constantemente surgindo.
A única coisa que todas essas teorias têm em comum é que elas sugerem que o espaço e o tempo que podemos observar não são a única realidade.
Ok… mas por que os cientistas pensam que pode haver mais de um universo?
“Não podemos explicar todas as características do nosso universo se houver apenas uma delas”, diz o jornalista científico Tom Siegfried, cujo livro The Number of the Heavens (O número de céus, em tradução livre) investiga como as concepções do multiverso evoluíram ao longo de milênios.
“Por que as constantes fundamentais da natureza são o que são?”, Siegfried se pergunta. “Por que há tempo suficiente em nosso universo para fazer estrelas e planetas? Por que as estrelas brilham do jeito que brilham, com a quantidade certa de energia? Todas essas coisas são perguntas para as quais não temos respostas em nossas teorias físicas.”
Siegfried diz que existem duas explicações possíveis: primeiro, que precisamos de teorias mais novas e melhores para explicar as propriedades do nosso universo. Ou, diz ele, é possível que “sejamos apenas um dos muitos universos que são diferentes, e vivemos naquele que é agradável e confortável”.
Quais são algumas das teorias mais populares do multiverso?
Talvez a ideia mais aceita cientificamente venha do que é conhecido como cosmologia inflacionária, que é a ideia de que nos momentos após o Big Bang, o universo se expandiu rápida e exponencialmente. A inflação cósmica explica muitas das propriedades observadas do universo, como sua estrutura e a distribuição das galáxias.
“A princípio, essa teoria parecia uma peça de ficção científica, embora muito imaginativa”, diz Linde, um dos arquitetos da teoria inflacionária cósmica. “Mas isso explicava tantas características interessantes do nosso mundo que as pessoas começaram a levá-la a sério.”
Uma das previsões da teoria é que a inflação poderia acontecer repetidamente, talvez infinitamente, criando uma constelação de universos-bolha. Nem todas essas bolhas terão as mesmas propriedades que as nossas – podem ser espaços onde a física se comporta de maneira diferente. Alguns deles podem ser semelhantes ao nosso universo, mas todos existem além do reino que podemos observar diretamente.
Quais são as outras ideias?
Outro tipo atraente de multiverso é chamado de interpretação dos muitos-mundos da mecânica quântica, que é a teoria que descreve matematicamente como a matéria se comporta. Proposta pelo físico Hugh Everett em 1957, a interpretação de muitos-mundos prevê a presença de linhas de tempo ramificadas ou realidades alternativas nas quais nossas decisões se desenrolam de maneira diferente, às vezes produzindo resultados totalmente distintos.
“Hugh Everett diz: veja, na verdade há um número infinito de Terras paralelas, e quando você faz um experimento e obtém as probabilidades, basicamente tudo o que prova é que você vive na Terra onde esse foi o resultado desse experimento”, diz o físico James Kakalios, da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, que escreveu sobre a física (ou não) dos super-heróis. “Mas em outras Terras, há um resultado diferente.”
De acordo com essa interpretação, versões de você poderiam estar vivendo as muitas vidas possíveis que você poderia ter levado se tivesse tomado decisões diferentes. No entanto, a única realidade que é perceptível para você é aquela em que você habita.
Então, onde todas essas outras Terras existem?
Elas estão todas sobrepostas em dimensões que não podemos acessar. Max Tegmark do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) refere-se a esse tipo de multiverso como um multiverso de Nível III , onde vários cenários estão se desenrolando em realidades ramificadas.
“Na interpretação de muitos-mundos, você ainda tem uma bomba atômica, só não sabe exatamente quando ela vai explodir”, diz Linde. E talvez em algumas dessas outras realidades, não.
Por outro lado, os múltiplos universos previstos por algumas teorias da inflação cósmica são o que Tegmark chama de multiverso de Nível II, onde a física fundamental pode ser diferente nos diferentes universos. Em um multiverso inflacionário, diz Linde, “você nem sabe se, em algumas partes do universo, bombas atômicas são possíveis em princípio”.
Então, se eu quiser conhecer uma outra versão minha, como chego lá? Podemos viajar entre multiversos?
Infelizmente não. Os cientistas não acham que seja possível viajar entre universos, pelo menos não ainda.
“A menos que um monte de física que sabemos que está solidamente estabelecida esteja errada, você não pode viajar para esses multiversos”, diz Siegfried. "Mas quem sabe? Daqui a mil anos. Não estou dizendo que alguém não pode descobrir algo que nunca teríamos imaginado.”
Existe alguma evidência direta sugerindo a existência de multiversos?
Embora certas características do universo pareçam exigir a existência de um multiverso, nada foi observado diretamente que sugira que ele realmente exista. Até agora, as evidências que apoiam a ideia de um multiverso são puramente teóricas e, em alguns casos, filosóficas.
Alguns especialistas argumentam que pode ser uma grande coincidência cósmica que o Big Bang forjou um universo perfeitamente equilibrado que é perfeito para a nossa existência. Outros cientistas pensam que é mais provável que existam vários universos físicos e que simplesmente habitemos aquele que tem as características certas para nossa sobrevivência.
Um número infinito de pequenos universos de bolso alternativos, ou universos bolhas, alguns dos quais têm física diferente ou diferentes constantes fundamentais, é uma ideia atraente, diz Kakalios. “É por isso que algumas pessoas levam essas ideias a sério, porque isso ajuda a resolver certas questões filosóficas”, diz ele.
Os cientistas discutem se o multiverso é mesmo uma teoria empiricamente testável; alguns diriam que não, dado que, por definição, um multiverso é independente de nosso próprio universo e impossível de acessar. Mas talvez não tenhamos descoberto o teste certo.
Será que algum dia saberemos se nosso universo é apenas um entre muitos?
Pode ser que não. Mas os multiversos estão entre as previsões de várias teorias que podem ser testadas de outras maneiras, e se essas teorias passarem em todos os testes, talvez o multiverso também se mantenha. Ou talvez alguma nova descoberta ajude os cientistas a descobrir se realmente existe algo além do nosso universo observável.
“O universo não é limitado pelo que algumas gotas de protoplasma em um pequeno planeta podem descobrir ou testar”, diz Siegfried. “Podemos dizer: isso não é testável, portanto, não pode ser real – mas isso significa apenas que não sabemos como testá-lo. E talvez algum dia descobriremos como fazer, e talvez não. Mas o universo pode fazer o que quiser.”