Qual é o papel da genética na obesidade?

Existem centenas de genes que influenciam o armazenamento de gordura e o metabolismo. Então, será que temos algum controle sobre nosso peso? Os especialistas opinam.

Por Sanjay Mishra
Publicado 12 de mai. de 2023, 09:42 BRT

Um técnico exibe uma célula de fluxo usada, que contém DNA para sequenciamento. Para melhorar nossa compreensão do papel complexo que os genes desempenham no desenvolvimento da obesidade, os cientistas estão comparando os códigos genéticos das pessoas que têm a doença com os das que não têm.

Foto de Cristina Fletes-Boutte St. Louis Post-Dispatch, Tribune News Service, Getty Images

Às vezes, são os genes ruins, e não apenas a dieta ruim, que levam um indivíduo a ganhar peso mais facilmente do que os outros.

Os cientistas descobriram que as mutações genéticas que fazem com que uma pessoa se sinta menos satisfeita após uma refeição podem ser mais comuns do que se pensava, levando os portadores dessas variantes genéticas a comer com mais frequência ou a consumir mais alimentos ricos em calorias.

"A obesidade não é uma escolha", diz Giles Yeo, geneticista que estuda a obesidade na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. "A genética do peso corporal é, por definição, a genética de como nosso cérebro controla os alimentos."

Quase um terço da população adulta dos Estados Unidos e quase uma em cada seis crianças e adolescentes com idade entre dois e 19 anos estão atualmente acima do peso, de acordo com a Pesquisa Nacional de Exames de Saúde e Nutrição. Para dois em cada cinco adultos norte-americanos obesos, esse excesso de peso aumenta o risco de desenvolver muitas doenças evitáveis, incluindo diabetes tipo 2, pressão alta, derrame, doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer. Mas o que está causando essa epidemia? É o estilo de vida ou nosso peso é ditado pelos genes que herdamos?

Embora o tipo de alimento ingerido e o nível de atividade física desempenhem um papel importante no aumento da população de pessoas obesas, a ciência está revelando que, assim como a altura, entre 50% e 80% da variação entre os pesos corporais podem ser devidos a mudanças sutis em alguns genes. Embora as mutações genéticas únicas que tornam a obesidade inevitável sejam muito raras, as centenas de variações genéticas que exercem um pequeno efeito cada uma, tornando alguns de nós ligeiramente mais vulneráveis ao ganho de peso, são mais comuns. Quando alguém herda várias dessas variações, o risco de obesidade aumenta significativamente, principalmente quando combinado com outros fatores de estilo de vida.

"Precisamos que o público entenda que, até agora, e de forma muito incorreta, temos visto a obesidade como uma falha de caráter", diz Naji Abumrad, cirurgião endócrino do Vanderbilt University Medical Center, nos EUA, que trata pacientes com obesidade mórbida e estuda os efeitos da cirurgia para perda de peso.

A obesidade tem origem no cérebro

O fato de a natureza influenciar a obesidade foi descoberto por acaso em 1949, quando os pesquisadores do The Jackson Laboratory em Bar Harbor, Maine (EUA), notaram que uma linhagem de seus ratos de laboratório crescia anormalmente "rechonchuda" porque comia muita comida e parecia estar sempre com fome. Foram necessários 45 anos para identificar uma mutação em um gene – denominado obesidade – que fazia com que os camundongos comessem demais e ganhassem peso. 

Uma série de estudos logo mostrou que o gene da obesidade produzia um hormônio chamado leptina, cujo nome vem da palavra grega leptós, que significa "magro", que se liga a um receptor no cérebro para sinalizar a saciedade. Sem a proteína leptina suficiente, os camundongos sentiam fome, comiam e engordavam.

Estudos posteriores revelaram que o gene da leptina era apenas um membro de uma complexa rede de genes ligados entre si na chamada via da melanocortina – que também inclui a insulina – para controlar o apetite.

"A leptina é o hormônio produzido em proporção à gordura que informa ao cérebro a quantidade de energia que você tem", diz Roger Cone, pesquisador de obesidade do Instituto de Ciências da Vida da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

As células de gordura liberam leptina na corrente sanguínea, o que indica ao cérebro a sensação de saciedade e ajuda a queimar gordura. "Assim como um termostato na parede que controla a temperatura em uma sala, o sistema leptina-melanocortina controla a quantidade de energia que você armazena como gordura", diz Cone. "Há outras vias que também desempenham papéis essenciais na detecção da leptina e na conversão dessas informações em quanta energia queimamos e quanta energia adquirimos."

De poucas mutações a muitas variantes

Estima-se que as formas de obesidade causadas por mutações em apenas um gene, como a que afetou os camundongos do Jackson Labs, sejam responsáveis por menos de 7% da obesidade mórbida em todo o mundo. Apenas cerca de 6% das crianças com obesidade grave são portadoras de defeitos em genes únicos que causam a condição.

Essas mutações em um único gene, que se tornam aparentes no início da vida, são muito raras, diz Manfred James Müller, nutricionista da Universidade Christian-Albrecht de Kiel, na Alemanha. Por exemplo, apenas cerca de uma dúzia de casos de deficiência genética de leptina e apenas 88 casos de deficiência do receptor de leptina foram diagnosticados em todo o mundo.

Mais comuns são as sequências alternativas de DNA, chamadas polimorfismos, que levam a diferentes versões de um gene que afetam ligeiramente sua função.

Para saber mais sobre as raízes de características complexas, como a obesidade, os cientistas usam os Estudos de Associação de Todo o Genoma (GWAS, na sigla em inglês) para identificar variantes de genes ligados a uma determinada doença.

"Extraímos o DNA de milhares, ou até mesmo de cem mil indivíduos", diz Ruth Loos, diretora do Programa de Genética da Obesidade e Traços Metabólicos Relacionados da Icahn School of Medicine at Mount Sinai, EUA. Loos e seus colegas compararam o conjunto completo de DNA, ou genoma, de pessoas que têm obesidade com as que não têm. Em seguida, os cientistas procuraram alterações em uma única "letra" e estimaram a probabilidade de essas variantes estarem associadas à obesidade.

Intrigado com o fato de apenas algumas pessoas desenvolverem obesidade, Christian Dina, epidemiologista genético da Universidade de Nantes, na França, comparou as sequências de 2900 pacientes obesos com 5100 pessoas com peso saudável. Dina descobriu que as pessoas com variações específicas em um gene chamado FTO tinham um risco 22% maior de se tornarem obesas. Mas descobrir por que elas aumentam o risco ou como essas variantes genéticas funcionam pode levar muitos anos de pesquisa.

Por exemplo, estudos demonstraram que uma variante diferente do gene FTO, que afeta um em cada seis homens europeus adultos, pode aumentar em 70% o risco de obesidade. As pessoas com essa variante FTO de risco de obesidade têm níveis mais altos do hormônio da fome, a grelina, circulando no sangue, o que faz com que sintam fome logo após uma refeição. Estudos de imagens cerebrais de pessoas portadoras dessa variante do gene também revelam que esses indivíduos respondem de forma diferente à grelina e a imagens de alimentos.

Proteção contra a obesidade

Mas nem todas as variantes genéticas ligadas à obesidade são ruins. Também foi encontrada uma variante genética rara que pode proteger contra a obesidade. Um estudo com mais de 640 mil pessoas do México, dos EUA e do Reino Unido descobriu que as pessoas que carregavam uma cópia inativa de um gene ativo no hipotálamo – que regula a fome e o metabolismo – pesavam cerca de 5,3 kg a menos e tinham metade da probabilidade de serem obesas em comparação a outras pessoas sem o gene.

"Mas a maioria dos estudos que relacionam o risco de obesidade com as variações genéticas, até o momento, foi feita na população europeia e branca", pondera Abumrad. Isso significa que as descobertas podem não ser relevantes para pessoas com ascendência diferente. O ambicioso "All of Us Research Program" (Programa de Pesquisa Todos Nós, em tradução livre), lançado em 2018 pelos Institutos Nacionais de Saúde – instituição dos EUA que planeja recrutar pelo menos um milhão de pessoas de várias etnias – pode ajudar a avaliar com precisão a extensão da predisposição genética à obesidade.

Dieta e estilo de vida são os principais fatores da epidemia de obesidade, diz Dina. "Mas há uma forte base genética na diferença de reação ao ambiente obesogênico."

O trabalho de Dina, Yeo e outros está revelando que variações em muitos genes envolvidos em nosso comportamento alimentar podem ser frequentemente associadas a uma série de características de obesidade, como IMC, porcentagem de gordura corporal, níveis de leptina no sangue, etc. Até o momento, os cientistas identificaram mais de mil variantes de genes que explicam, cada uma, uma parte muito pequena da diferença de peso corporal entre as pessoas. Sua associação com o aumento do risco de ganho de peso geralmente se manifesta mais tarde na vida, como resultado de uma interação entre os genes de risco presumidos e as variáveis de estilo de vida, explica Müller.

Entretanto, as tendências de aumento da obesidade em todo o mundo têm mais a ver com as escolhas de estilo de vida, pois não há indícios de mudanças drásticas na ocorrência de variações genéticas entre as gerações. De fato, estudos demonstraram que o consumo de alimentos fritos em conjunto com o histórico genético subjacente desempenha um papel importante no desenvolvimento da obesidade.

Embora o consumo frequente de alimentos altamente calóricos possa fazer com que as pessoas com genes associados à obesidade ganhem peso mais rapidamente, a conscientização, a prevenção e os exercícios são muito eficazes para evitar a obesidade.

"Ter o mesmo alelo FTO que o meu pai não significa que isso me levará à obesidade", diz Dina. "Tenho uma chance um pouco maior, mas posso evitá-la."

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