Conheça como o açúcar e a gordura afetam o nosso cérebro

Cada vez mais, grande parte da nossa comida é fabricada para ser irresistível. Os especialistas dizem que essa tendência tem consequências para a saúde a longo prazo.

Por Allie Yang
Publicado 20 de jan. de 2023, 10:09 BRT

Doces, como esses do Mercado La Boqueria, em Barcelona, liberam dopamina em nossos cérebros em níveis semelhantes aos da nicotina e do álcool.

Foto de Getty Images

Quando falamos de vícios, geralmente pensamos em fumar e beber, mas há outra compulsão que afeta até 14% dos adultos e até 12% das crianças: o vício em comida.

Pratos que nos seduzem com gordura e açúcar podem parecer impossíveis de evitar, especialmente durante as férias. Os especialistas confirmam que é mais do que uma sensação: meio século de tendências alimentares criou um ambiente em que mais da metade dos alimentos consumidos pelos adultos americanos são ultraprocessados, muitas vezes otimizados para atingir os sensores de gordura e açúcar do corpo para liberar dopamina.

Esses produtos alimentícios processados capitalizam nossa biologia para nos manter querendo mais. “Não percebemos que eles estão realmente matando pessoas no mesmo nível do álcool e tabaco, que levam a mortes evitáveis”, alerta Ashley Gearhardt, professora associada de psicologia da Universidade de Michigan, Estados Unidos, e membro de uma equipe de pesquisa que avaliou os números mais recentes sobre a prevalência do vício em comida em março de 2022.

Os especialistas estão reescrevendo o que sabemos sobre o vício em comida e fazendo novas perguntas sobre o que podemos fazer para controlá-lo e salvar vidas.

O que faz a comida com nosso cérebro

A comida afeta nosso cérebro de muitas maneiras complexas, e uma resposta particularmente importante é a liberação de dopamina, um neurotransmissor. Como as drogas viciantes, comer libera dopamina. 

Ao contrário da crença popular, a dopamina não aumenta o prazer. Só nos encoraja a repetir comportamentos que nos ajudam a sobreviver (como comer alimentos nutritivos e se reproduzir). Quanto mais dopamina for liberada, maior a probabilidade de repetirmos esse comportamento.

Quando comemos gordura e açúcar, sensores na boca enviam uma mensagem para liberar dopamina no corpo estriado, uma seção do cérebro associada ao movimento e ao comportamento gratificante. Mas esse processo sensorial oral é apenas uma parte da história, diz Alexandra DiFeliceantonio, professora assistente do Instituto de Pesquisa Biomédica Fralin, da Virginia Tech, nos EUA. Há também um sensor secundário no intestino que registra gordura e açúcar, sinalizando ao cérebro para liberar dopamina na mesma região.

Embora os pesquisadores ainda estejam mapeando exatamente como a presença de açúcar é sinalizada do intestino para o cérebro, a maneira como a gordura é comunicada do intestino para o cérebro tem sido bem documentada. Quando a gordura é detectada na parte superior do intestino, a mensagem é transportada pelo nervo vago (que controla várias funções inconscientes, como digestão e respiração) através do rombencéfalo até o corpo estriado.

Alimentos ricos em gordura e açúcar podem aumentar a dopamina no corpo estriado em até 200% acima dos níveis normais – um aumento semelhante ao observado com nicotina e álcoolos dois vícios mais comuns nos EUA. Mais especificamente, um estudo descobriu que o açúcar aumentou os níveis de dopamina em 135% a 140% – em outro estudo, a gordura aumentou esses níveis em 160%, embora demore mais para fazer efeito. Outras drogas funcionam de maneira muito diferente – a cocaína pode triplicar os níveis normais de dopamina, enquanto a metanfetamina pode multiplicá-los em 10 vezes.

Como mudou a comida que ingerimos

À medida que aprendemos mais sobre como a comida afeta nosso cérebro, ela é fabricada para ser cada vez mais irresistível. Nossos corpos são inundados com alimentos que possuem concentrações mais altas de certos nutrientes, como gordura e açúcar, e mais combinações de nutrientes do que nunca. Por sua vez, estes são combinados com propriedades sensoriais (como um sorvete agradavelmente suave e macio) que tornam a refeição mais deliciosa do que nunca.

Tradicionalmente, os humanos faziam comida com alimentos integrais: por exemplo, as crostas de torta eram feitas de farinha e manteiga. Em contraste, os alimentos processados industrialmente são compostos por substâncias extraídas dos alimentos, como amidos e gorduras hidrogenadas. Aditivos como sabores artificiais, emulsificantes (que mantêm o óleo e a água misturados) e estabilizadores (que preservam a estrutura ou a textura dos alimentos) tornam os alimentos mais atraentes – mas, em última análise, em nosso próprio detrimento.

Especialistas como DiFeliceantonio acreditam que devemos fazer a distinção entre alimentos altamente processados e aqueles feitos do zero. Estar cientes dessas diferenças é o primeiro passo para evitar uma longa lista de problemas de saúde relacionados à dieta.

“Há muito tempo comemos versões caseiras de bolos, biscoitos e pizzas. Mas com o aumento da produção de alimentos ultraprocessados na década de 1980, começamos a ver esse aumento na mortalidade e nas doenças relacionadas à dieta”, destaca DiFeliceantonio.

Gearhardt e DiFeliceantonio argumentam que os alimentos altamente processados podem ser considerados clinicamente viciantes. De acordo com o que é conhecido como hipótese da taxa, quanto mais rápido algo afeta seu cérebro, mais viciante será essa substância. Muitos alimentos processados são essencialmente pré-digeridos para maximizar a velocidade de liberação de dopamina.

Por fim, seria impossível extrair forças sociais e psicológicas da equação. Os alimentos processados têm sido de fácil acesso, econômicos e divulgados agressivamente por gerações. Essa perfeita tempestade criou gerações de pessoas que sabem que os alimentos processados não são saudáveis, mas ainda são compulsivamente atraídos por eles.

“As pistas que cercam esses alimentos começam a ganhar vida própria”, diz Gearhardt. “Quando você vê uma placa de fast-food ou uma máquina de venda automática, isso tem tanto poder de atração para nós que, mesmo que você não esteja com fome, ou mesmo que seu médico tenha acabado de lhe diagnosticar diabetes, você pode querer comer esses alimentos processados ainda sabendo que não são bons para você. Eles estão em toda parte; estamos constantemente na defensiva contra as rosquinhas na reunião matinal e o anúncio de pizza à noite.

Corpo e comida: perguntas que continuam sem respostas

Nos últimos anos, os especialistas começaram a fazer novas perguntas sobre o vício em comida, pois algumas de suas primeiras suposições não conseguiram ser demonstradas.

Por exemplo, a tolerância e a abstinência já foram consideradas os principais elementos do vício. Antigamente, acreditava-se que as pessoas com dependência alimentar continuavam a comer compulsivamente para evitar a abstinência, as desagradáveis repercussões físicas e mentais (como ansiedade, náuseas e dores de cabeça) que aparecem quando uma pessoa diminui ou para de consumir uma substância.

“Isso não é verdade”, diz DiFeliceantonio. “A maioria das teorias do vício em drogas tem muito mais a ver com o hábito ou com um desejo intenso. É isso que está sustentando o uso de drogas. ”

A tolerância é quase o oposto da abstinência (as consequências de continuar o consumo de uma substância). À medida que uma pessoa desenvolve maior tolerância de uma substância, ela precisa consumir quantidades cada vez maiores para obter o mesmo efeito. No caso da comida, a hipótese do déficit de dopamina postula que, se comermos algo e não tivermos prazer suficiente com isso, comeremos mais até nos sentirmos bem.

“Tenho algumas discrepâncias com essa hipótese, porque tudo o que fazemos libera dopamina. Então, comer brócolis libera dopamina porque está levando nutrientes para o intestino”, diz DiFeliceantonio. “As pessoas não fazem coisas que apenas gostam, como comer brócolis, só para obter mais dopamina. ” Ela acrescenta que também não há indicação de que exista um limite a ser alcançado para ganhar essa recompensa de dopamina.

À medida que a pesquisa avança, os cientistas ficam com mais perguntas do que respostas sobre como nossos corpos se tornam viciados em comida. Sabemos que a dopamina não é a única resposta, porque ela não torna a alimentação prazerosa.

 Pesquisadores encontraram evidências de uma possível causa diferente: um estudo de 2012 mostrou que o ato de comer estimula nossos receptores opioides, que aumentam a sensação de prazer. Mas os cientistas sabem muito pouco sobre como funciona o processo, porque é difícil medir os níveis de opioides em um organismo vivo.

Alguns especialistas suspeitam que um sensor no intestino superior pode desempenhar um papel em nossos gostos alimentares. Outros se perguntam se pode existir influência do hipotálamo, uma parte crítica do cérebro que regula tudo, desde a temperatura corporal até a sensação de fome.

Os pesquisadores também querem saber quais combinações de nutrientes desencadeiam diferentes níveis de liberação de dopamina. Infelizmente, estudar humanos requer exames caros e uma dose de radiação. “Você não pode escanear a mesma pessoa 20 vezes com todos os gostos, combinações e coisas diferentes, então, estamos muito mais limitados no que podemos fazer”, pondera DiFeliceantonio.

Quanto à solução, Gearhardt diz que a resposta é clara, mas longe de ser fácil. Podemos olhar para as grandes mudanças sociais que foram impostas para limitar o tabagismo (tornando os cigarros menos acessíveis e reduzir sua comercialização) e fazer o mesmo com os alimentos viciantes, diz ela.

Também existem outras maneiras de combater o vício alimentar.

“Não se despreze por não ser capaz de evitar alimentos viciantes porque não é fácil. É usar nossa biologia contra nós”, diz ela. Conheça o que o leva a recorrer a estes alimentos, sejam determinadas emoções, lugares ou até mesmo uma hora do dia. “Apenas tente estar ciente disso para que você possa se preparar para ter formas alternativas de lidar ou criar estratégias nesses momentos de tentação. ”

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