Como lidar com a solidão durante uma pandemia? Idosos gays, trans e lésbicas compartilham sua sabedoria

A probabilidade de idosos da comunidade LGBTQIA+ morarem sozinhos é duas vezes maior, mas muitos deles criaram grupos sólidos para substituir o apoio familiar.

Por Rebecca Renner
Publicado 25 de jun. de 2020, 17:49 BRT, Atualizado 25 de jun. de 2021, 10:55 BRT

Embora as estatísticas indiquem que os idosos gays, lésbicas, bissexuais e trans estejam mais propensos a ficar solitários ou isolados, muitos deles estão envelhecendo com o talento e a alegria persistente que os fortaleceram durante toda a vida. A resiliência deles pode ser uma lição a todos.

Foto de Annabel Clark, Redux

APÓS TODA UMA VIDA com a homossexualidade assumida, Elliot Engelbaum, 73 anos, está vivendo confinado em uma casa de repouso na cidade de Hollywood, Flórida, nos EUA. Devido à pandemia do novo coronavírus, Engelbaum passa a maior parte do tempo sozinho em seu quarto, lembrando da época em que ia ao cinema toda semana com seu falecido marido. De vez em quando ele caminha pelo local mantendo o distanciamento social, onde se diverte observando iguanas invasoras que passam pelo gramado.

Engelbaum, ex-assistente social que presenciou a ampliação da liberdade LGBTQIA+ desde que participou da revolta de Stonewall no verão de 1969, nunca se sentiu tão sozinho. Mesmo com a sexualidade assumida aos seus amigos da casa de repouso, ele é o único homem homossexual do local.

“Aqui não tem ninguém para mim”, diz Engelbaum. A sigla LGBTQIA+ propõe-se o mais inclusiva possível: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexuais e assexuais estão contemplados em suas letras. O sinal de “mais” indica que quaisquer outras pessoas que não se enquadrem no padrão heterossexual cisgênero também são bem-vindas ao grupo, se assim quiserem.

Solidão, psicologicamente falando, é diferente de se sentir só. Esse estado mental pode ser sentido quando se está distante de outras pessoas ou até mesmo em meio a uma multidão, e pode deteriorar a saúde, podendo causar ansiedade, depressão, demência, doença de Alzheimer, pressão alta e doenças cardíacas. Isso pode ser especialmente preocupante para os idosos LGBTQIA+ que vivem nos Estados Unidos, onde a probabilidade de morarem sozinhos e ficarem em isolamento social em comparação aos outros idosos é duas vezes maior, de acordo com o SAGE, grupo de defesa dos direitos de idosos da comunidade queer.

Mesmo antes da pandemia, cerca de 50% dos idosos LGBTQIA+ relatavam sentir-se sozinhos ou isolados conforme envelhecem, segundo pesquisa da AARP (Associação de Aposentados dos Estados Unidos). Além dos fatores típicos que contribuem para a solidão nas populações em envelhecimento, os idosos trans e homossexuais enfrentam riscos adicionais, como a falta de filhos, distanciamento da família, ostracismo de colegas e perda de amigos e parceiros durante o pico da crise de Aids na década de 1980 e no início da década de 1990.

A solidão de Engelbaum se deve, em parte, às medidas de isolamento adotadas pela casa de repouso e pelo estado da Flórida para conter a disseminação do coronavírus. Aproximadamente metade das 2.993 mortes da Flórida foram de residentes ou funcionários de unidades de longa permanência, de acordo com a Secretaria de Saúde da Flórida.

“A solidão já é o principal problema enfrentado pelos residentes em casas de repouso,” diz Steve Blay, cofundador da Friends Across the Ages, organização que conecta residentes de casas de repouso a voluntários — com o objetivo de promover amizades de longa duração e envolvimento da comunidade. “Com a pandemia, o isolamento e a solidão cresceram exponencialmente.” A SAGE estima que cerca de 1,5 milhão de idosos LGBTQ IA+ resida nos Estados Unidos, mas acredita-se que menos de 5% more em casas de repouso. No entanto é difícil obter números precisos, considerando que a maioria dos idosos tem medo de sofrer discriminação por parte da equipe ou de seus colegas da casa de repouso se assumirem sua sexualidade.

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Mas há vantagens em ser um idoso LGBTQIA+. Desde antes das revoltas de Stonewall e da Libertação Gay, muitos transexuais, lésbicas, bissexuais e gays nos Estados Unidos se uniram para cuidar uns dos outros, criando uma comunidade para substituir o apoio familiar perdido por muitos.

Os efeitos da solidão na saúde

A solidão é uma condição que começa no cérebro e posteriormente passa a afetar o restante do corpo. A solidão crônica e a sensação de isolamento podem afetar drasticamente o bem-estar de pessoas de qualquer idade, de acordo com a pesquisa realizada por John e Stephanie Cacioppo, que são casados e formam uma equipe dedicada à neurociência responsável por diversos avanços no estudo da solidão cognitiva nas duas últimas décadas.

A teoria evolutiva da solidão descrita pelos Cacioppo descreve a solidão como uma condição contrária aos comportamentos sociais desenvolvidos pelos humanos para permanecerem seguros o suficiente para transmitirem seus genes. Na ausência dessa socialização, nosso cérebro começa a enfraquecer, afetando tanto a saúde mental quanto o nosso comportamento. Esse estresse pode literalmente transformar a estrutura do cérebro.

Foi demonstrado que a sensação de isolamento social contribui para um declínio cognitivo mais acelerado em idosos, de acordo com um estudo inicial sobre o assunto conduzido por John Cacioppo. A solidão também reduz o funcionamento executivo, as habilidades de pensamento que nos permitem tomar decisões rapidamente e gerenciar nossas atividades diárias com o mínimo de estresse. Além disso, a solidão pode mudar a maneira como pensamos e reagimos, nos deixando mais suscetíveis aos sintomas de depressão, mais sensíveis a ameaças sociais, mais propensos a ter pensamentos autodestrutivos e desencadeando outros processos de pensamentos negativos que podem dificultar o retorno à interação social para as pessoas que já estavam solitárias.

“O cérebro humano trata o isolamento como uma forma de ameaça”, explica Steven Cole, pesquisador de genômica da UCLA que estuda as influências sociais na saúde. “Quando estamos sozinhos ou desconectados de outras pessoas, podemos desencadear respostas de estresse que nos levam a querer lutar ou fugir, ativando sistemas inflamatórios e suprimindo respostas antivirais. Condições nada ideais em meio a uma pandemia de coronavírus.”

Segundo a pesquisa de Cole, a solidão pode enfraquecer o sistema imunológico e causar inflamações, deixando a pessoa suscetível a diversos tipos de doenças crônicas. Por exemplo, a solidão aumenta o risco de ataques cardíacos e derrames na mesma proporção que o tabagismo moderado ou a obesidade.

Em diversos estados, as casas de repouso que dispõem de poucos recursos financeiros e de poucos profissionais estão lutando para equilibrar os efeitos da solidão com a necessidade de proteger seus residentes vulneráveis da covid-19. Em casas como a que Engelbaum vive, os residentes podem sair para caminhar ou fazer compras, desde que fiquem isolados por até duas semanas após contato com pessoas de fora. Em outras casas de repouso, os funcionários relatam medidas de isolamento mais rigorosas que confinam os residentes não ambulatoriais em seus quartos, com concessões ou contato social limitados, desde março.

“Algumas pessoas nem se levantam da cama”, conta Ana Rodriguez, técnica em medicamentos de diversas unidades de tratamento prolongado em Jacksonville, Flórida. “Eles têm contato com apenas uma pessoa por dia. Quando eu vou, essa pessoa sou eu.”

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Cura para a solidão

Embora as estatísticas indiquem que os idosos LGBTQIA+ estejam mais propensos a ficar solitários ou isolados, muitos deles estão envelhecendo com o talento e a alegria persistente que os fortaleceram durante toda a vida. Alguns se valeram disso criando grandes organizações como o SAGE ou desenvolvendo programas em centros para manter os membros da comunidade conectados durante o processo de envelhecimento. A resiliência deles pode ser uma lição a todos.

Lillian Wolf, 86 anos, mudou-se de Maryland para uma casa de repouso em Orlando, na Flórida, no início de março, pouco antes da pandemia ter isolado as unidades do estado. Alegre e sociável, Wolf imediatamente entrou em contato com o Centro LGBTQIA+ de Orlando, onde passou a participar do Programa de Aprendizado Mais Velho e Mais Sábio, que conecta os idosos trans e homossexuais entre si e com a comunidade gays da cidade. Embora eles não possam realizar suas excursões habituais às atrações locais, o grupo OWL continua interagindo em reuniões semanais por videoconferência no Zoom.

Mesmo sentindo falta de sua parceira com a qual viveu por 40 anos, falecida em 2015, Wolf enfrenta cada novo desafio de sua vida com resiliência e sabedoria. Ela ainda gosta de falar ao telefone com seus parentes. Ela continua jogando pôquer toda semana e não tem vergonha de contar uma ou duas piadas. Assim como Engelbaum, Wolf é a única pessoa LGBTQIA+ em sua unidade que ela saiba. Mas depois de toda uma vida aproveitando o que tinha disponível — e encontrando alegria nas pequenas coisas — ela estava preparada para manter sua teimosia e positividade em meio à pandemia.

“É preciso estar ciente de que há coisas que estão além do nosso controle”, diz Wolf, que serviu na Marinha e no Exército. “Minha juventude foi muito difícil. Mas mesmo quando as coisas estão difíceis, você consegue superá-las. Talvez seja por isso que não estou tão preocupada.”

Ao manter-se engajada com a comunidade LGBTQIA+, Wolf cultivou uma rede de pessoas para apoiá-la emocionalmente no processo de envelhecimento. Foi constatado que essas relações sociais de alta qualidade ajudam a impedir o declínio no desempenho cognitivo que geralmente acompanha o envelhecimento e a solidão.

Ser transparente com as dificuldades enfrentadas também pode oferecer certo alívio, mesmo que o contato seja pela Internet — embora o pesquisador Seydi Ahmet Satici alerte que o vício nas redes sociais pode causar efeito psicológico oposto se não houver cautela. Outros idosos esqueceram da solidão ao se envolver em atividades de lazer “sérias” com objetivos específicos, como o concurso da receita perfeita de pão de fermentação natural. Assim como Wolf e Engelbaum, idosos que vivem na China encontram alívio à solidão por meio de telefonemas marcados semanalmente com voluntários, familiares e velhos amigos. E mesmo que você não possa ir a uma parada do Orgulho Gay, dançar sozinho pode melhorar seu humor e as funções cognitivas. O tempo de duração da conexão não importa, conversar com outra pessoa em tempo real com abertura e compreensão pode tirar uma pessoa das profundezas da solidão.

“Quando uma pessoa precisa esconder uma parte integrante de sua essência, a saúde física e mental pode sofrer impactos significativos e profundos”, diz Charles Pitre Hoy-Ellis, ao se recordar de momentos de sua vida como um jovem homossexual que o inspirou a pesquisar e trabalhar em prol da saúde dos idosos LGBTQIA+. Hoy-Ellis agora é professor assistente de assistência social na Universidade de Utah, especializado em igualdade na saúde.

Como nem sempre existe um apoio social positivo, o SAGE criou programas para ajudar os membros idosos da comunidade a permanecerem conectados. Um desses programas é o Programa de Visitantes Amigos do Instituto do Sul da Flórida, que conecta voluntários (Visitantes Amigos) com idosos LGBTQIA+ solitários e isolados.

A pandemia está dificultando a continuidade desses programas e de suas atividades habituais. Mas os adultos que ainda estão persistindo, conseguem manter contato pessoal com outras pessoas, seja por Zoom ou por viverem em grupos que estão isolados juntos, como o de Wolf. Engelbaum tenta falar ao telefone sempre que pode. Eles também estão encontrando maneiras de manter um senso de propósito, um fator importante para o envelhecimento saudável.

Hoy-Ellis dá o exemplo de uma organização chamada ACT UP, Coalizão da Aids para Gerar Poder, que atuou em San Francisco durante a pandemia de aids.

“Para eles, o silêncio era a mesma coisa que a morte. Portanto, se você não se manifestar, estará contribuindo com a morte”, diz Hoy-Ellis. “Tanto na vida dos idosos LGBTQIA+ como no isolamento social e solidão, se manifestar, apenas falar algo, faz a diferença.”

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