Mulheres indígenas trans encontram refúgio nas fazendas de café na Colômbia

As plantações proporcionam a elas um espaço para expressarem abertamente suas identidades de gênero, livres do assédio que muitas vezes enfrentam em suas próprias comunidades.

Por Heather Brady
fotos de Lena Mucha
Publicado 23 de abr. de 2018, 12:42 BRT, Atualizado 25 de jun. de 2021, 10:58 BRT
Angélica, indígena trans na Colômbia.
"Eu senti que era diferente quando tinha 12 anos. Eu gostava de usar vestidos e brincar com as meninas", diz Angélica, uma das agricultoras. Aos 15 anos, ela deixou sua aldeia natal para trabalhar nas plantações de café em Risaralda.
Foto de Lena Mucha

Nas profundezas das montanhas verdejantes de Eje Cafetero, região colombiana ocidental repleta de fazendas de café, um grupo incomum de indivíduos cuida de algumas plantações.

Quando esses trabalhadores indígenas Emberás terminam seus dias, eles voltam para os dormitórios. Lá, colocam maquiagem, jóias e roupas femininas tradicionais para combinar com sua verdadeira identidade.

Por serem transgênero, essas mulheres não são aceitas em suas próprias comunidades. Elas são frequentemente punidas ou forçadas a deixarem suas aldeias, mesmo que tenham família e crianças. Mas nessas fazendas de café, as mulheres dizem que se sentem reconhecidas pelo que são.

Yuliana e suas colegas de trabalho.
Yuliana e suas colegas de trabalho voltam para seus dormitórios depois de trabalhar nos campos de café.
Foto de Lena Mucha

Lena Mucha, fotógrafa e antropóloga social de Berlim, foi abordada por um jornal colombiano local com uma ideia para uma reportagem sobre as mulheres.

"Já trabalhei com comunidades indígenas antes, mas nunca soube desse assunto e achei muito interessante", diz Mucha.

Quando pesquisou as mulheres indígenas trans na Colômbia, encontrou muito pouca informação: apenas alguns artigos curtos foram escritos sobre o assunto. Além disso, não havia nenhuma organização sem fins lucrativos defendendo-as.

“Até mesmo para organizações que trabalham com comunidades indígenas, é algo totalmente novo”, diz Mucha.

Ela partiu, então, para encontrar essas mulheres e contar suas histórias, dirigindo pela região em uma motocicleta. Foi difícil no começo, por causa da relativa reclusão dessas mulheres e de sua tendência a ir de fazenda em fazenda em busca de trabalho.

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    "Eu sei que na Colômbia ser transexual é muito difícil", diz Mucha. “É um país muito conservador. A conscientização LGBTQ é algo que está acontecendo devagar nas grandes cidades, como Bogotá. Quando se trata de aldeias e comunidades indígenas, eles veem isso como uma doença que vem do homem branco. Não há compreensão do por que isso pode acontecer e que é algo normal ”.

    As fazendas de café são uma fuga para essas mulheres indígenas trans. Elas trabalham nos campos durante o dia e podem se vestir como gostariam durante o tempo livre, sem punição ou assédio. Mucha diz que os agricultores alegam que gostam de contratar as mulheres porque elas não reclamam. Elas são fortes, trabalhadoras e baratas, a maioria faz cerca de 100 mil pesos colombianos, ou cerca de R$ 125, a cada semana.

    Francy, Angélica e Mariana relaxam à noite com suas colegas de trabalho.
    Francy, Angélica e Mariana relaxam à noite com suas colegas de trabalho.
    Foto de Lena Mucha

    A maioria dessas mulheres vem de regiões diretamente ao redor das fazendas ou de locais vizinhos. O trabalho é muitas vezes o único emprego que podem encontrar, e as fazendas fornecem dormitórios e alimentos básicos no local.

    "Em suas comunidades, elas não podem viver suas identidades de gênero, por isso estão realmente procurando uma maneira de sair de lá", diz Mucha.

    Angélica, uma das mulheres que Mucha conheceu enquanto estava na fazenda, diz que não voltará a sua comunidade.

    "Aqui posso finalmente ser quem sou e viver minha identidade", disse Angélica a Mucha.

    Elas são reservadas, mantendo distância dos outros trabalhadores indígenas nas fazendas. Muitas não falam espanhol e são socialmente reservadas por causa do preconceito que enfrentaram, então Mucha diz que era difícil conhecê-las.

    "Passei alguns dias em uma fazenda", diz . “Era uma das maiores fazendas de café. Eu fui no primeiro dia, tirei algumas fotos, imprimi e trouxe para elas. Isso realmente deu início ao relacionamento que tivemos e as fez confiar em mim.”

    Angélica, Francy e outra colega de trabalho passam a tarde de sábado em Santuario
    Angélica, Francy e outra colega de trabalho passam a tarde de sábado em Santuario. As pessoas da aldeia estão acostumadas a vê-las todo final de semana.
    Foto de Lena Mucha

    Em um sábado, Mucha acompanhou algumas das mulheres a Santuario, um vilarejo próximo onde costumam gastar parte de seu dinheiro em coisas como maquiagem e jóias. Lá, ela viu em primeira mão o assédio que as mulheres enfrentam das pessoas em suas próprias comunidades.

    “Houve uma situação em que outros indígenas estavam começando a conversar com elas, provocando-as ou intimidando-as, dizendo: 'O que você está fazendo aqui?'” informa Mucha. "Eu pude ver como elas teriam sido tratadas em suas aldeias."

    Durante o tempo livre, quando os trabalhadores rurais passam a aparecer como mulheres, Mucha diz que se transformam totalmente.

    "Elas eram mulheres fortes", diz ela. “Eu acho que estavam realmente curtindo suas vidas lá. Para elas, é como a liberdade e elas podem se expressar. Ninguém as está incomodando."

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