A fascinante história por trás do popular ‘gato da sorte’

Com orelhas eriçadas e a pata erguida em um gesto convidativo, esse amuleto icônico vem atraindo boa sorte há séculos.

Por Rebecca Saunders
Publicado 15 de mai. de 2021, 08:00 BRT
The maneki-neko, also known as the welcoming cat, lucky cat, money cat, happy cat, beckoning cat, ...

O maneki-neko, também conhecido como gato das boas-vindas, gato da sorte, gato do dinheiro, gato feliz e gato que acena, remonta ao século 17 e desde aquela época é umas das características mais populares dos estabelecimentos comerciais asiáticos.

Foto de Richard Milnes, Alamy

O “gato da sorte chinês” é muito conhecido — visualmente, pelo menos. O enfeite peculiar, na maioria das vezes dourado, está presente em bairros chineses e lojas asiáticas em todo o mundo, mas essas estatuetas encantadoras não são chinesas: são japonesas.

Denominado maneki-neko em japonês (literalmente, “o gato que acena”), a estatueta — fiel ao nome, mas contrário à crença popular — na verdade, não está acenando. No Japão, diferentemente das culturas ocidentais, a maneira de chamar alguém com um gesto é com a palma da mão à frente e os dedos apontados para baixo.

Com a pata erguida, orelhas vermelhas eriçadas, moedas e outros acessórios, o maneki-neko é conhecido por trazer sorte e prosperidade há séculos — e embora o objeto icônico tenha histórias diferentes, todas elas começam no Japão.

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    Um visitante tira fotos dos numerosos maneki-neko que decoram o Templo Gōtoku-ji, o local de nascimento da estatueta da sorte.

    Foto de Carl Court, Getty Images

    Felinos favorecidos

    Uma das lendas se inicia com um gato nascido no Templo Gōtoku-ji, na área de Setagaya, em Tóquio , durante o período Edo (de 1603 a 1868). De acordo com historiadores do templo, enquanto caçava falcões, o daimyo (governante regional) Ii Naotaka foi salvo da queda de um raio quando Tama, o gato de estimação do abade, chamou-o para dentro de Gōtoku-ji.

    Grato ao gato por ter salvado sua vida, o governante o transformou em patrono do templo e, desde então, o gato tem sido venerado em seu próprio santuário.

    Hoje, as terras tranquilas de Gōtoku-ji estão lotadas de milhares de estátuas do gato da sorte em tamanhos variados. Visitantes vão até lá observar a gama de gatos brancos — que costumam ter a estrutura de bobtail japoneses, uma raça que sempre aparece no folclore local — e rezam pedindo boa sorte. Pode-se comprar estátuas no templo e algumas são deixadas lá mesmo como oferenda, embora muitos as levem para casa como lembrança.

    Há também a lenda do maru-shime no neko (a grosso modo, “gato da boa sorte”) do Santuário Imado próximo à Asakusa, em Tóquio, uma variação do gato que acena, sentado de lado com a cabeça virada para frente. Em 1852, uma mulher idosa que vivia em Imado era tão pobre que não pôde mais alimentar seu gato de estimação, e foi forçada a abandoná-lo. Na mesma noite, o gato apareceu para a senhora em um sonho e disse: “se você fizer bonecos à minha imagem, eu lhe trarei sorte”. 

    Seguindo as instruções do felino, a senhora fez estatuetas em cerâmica conhecidas em japonês como Imado-yaki e foi até o santuário tentar vendê-las no portão.  O gato cumpriu sua promessa, e as estatuetas de cerâmica logo ficaram populares, salvando a senhora da pobreza. No mesmo ano, o proeminente tipógrafo Hiroshige Utagawa ilustrou a venda dos gatos em uma feira, em sua aclamada xilogravura (a imagem mais antiga já registrada do gato da sorte). 

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      A xilogravura estilo ukiyo-e de Utagawa Hiroshige, datada de 1852, da série “Flourishing Business in Balladtown” (Negócios Prósperos em Balladtown, em tradução livre), retrata o maru-shime no neko, uma variação do maneki-neko, sendo vendido em uma feira.

      Foto de Woodblock Print by Utagawa Hiroshige I, William Sturgis Bigelow Collection, Museum Of Fine Arts Boston

      Qualquer que seja o local específico do surgimento da estátua, uma coisa é certa: os gatos trazem sorte. E o motivo da prevalência dessa crença parece estar conectado a histórias verdadeiras. Em 1602, um decreto imperial libertou todos os gatos do Japão, com o objetivo de tirar vantagem da habilidade natural dos felinos de controlar pestes, especialmente nas comunidades que praticavam sericultura. Após o declínio do comércio de seda, os gatos acabaram permanecendo como talismãs para a prosperidade de um negócio.

      No entanto, não era o simples controle de pestes — era o cuidado com o gato que trazia as recompensas. “A importância do maneki-neko está no poder mitificado de trazer sorte ao cuidador”, explica Yoshiko Okuyama, professor de japonês na Universidade do Hawaii, em Hilo.

      “O provérbio japonês, neko wo koroseba nanadai tataru (se você matar um gato, ele assombrará sua família durante sete gerações) baseia-se em uma crença folclórica de que gatos são vingativos e possuem longevidade maior que a dos humanos”, complementa Okuyama. Há uma crença enraizada quanto ao poder dos gatos: cuide deles, e eles cuidarão de você.

      O predomínio das estátuas de gato no Japão não passou despercebido. No livro datado de 1927 Animal Motifs in Asian Art (Motivos da presença de animais na arte asiática, em tradução livre), Katherine M. Ball descreve o maneki-neko — geralmente feito de argila e às vezes de papel machê — como “uma forma de magia simples e popular”.

      “Essa imagem é utilizada como um amuleto, feito para atrair negócios e promover prosperidade. É encontrado na entrada de restaurantes e lojas onde, com suas qualidades insinuantes de felino e a pata levantada, ele convida os clientes a entrarem”, complementa Ball.

      Agora, quase um século depois, existem inúmeros tipos de estatuetas para objetivos diferentes. Se você está preocupado com a segurança no trânsito, escolha uma estátua azul; a cor rosa é para aqueles que procuram sorte no amor; e a famosa versão dourada atrai prosperidade.

      O significado também se altera de acordo com a pata que está levantada: a pata direita atrai dinheiro e sorte; a pata esquerda, amigos e clientes. Outros complementos incluem um ryō (uma moeda japonesa com formato oval) para representar a riqueza, assim como acessórios historicamente realistas, como um enfeite de pescoço ou um sino, que mostram como os gatos de estimação eram considerados e cuidados na sociedade japonesa.

      “As estatuetas não são apenas amuletos para proteção”, afirma Okuyama. “Elas são intermediárias ou enviadas que conectam nossas vidas com o reino das divindades, e têm o poder de transmitir nossos pedidos de ajuda ao mundo espiritual, em um período de desespero e angústia”. 

      Expansão próspera

      Ainda não está claro como essas estátuas icônicas se espalharam além das ilhas do Japão e se tornaram tão bem conhecidas na Ásia e no resto do mundo.

      De acordo com um projeto de pesquisa universitário conduzido por Bill Maurer, professor de antropologia na Universidade da Califórnia em Irvine, as estatuetas remontam ao Período Meiji (de 1868 a 1912). Em uma tentativa de parecer mais refinado aos olhos dos ocidentais conservadores, o governo Meiji promulgou a Regulamentação de Moral Pública em 1872.  A lei bania talismãs fálicos, que geralmente eram exibidos em locais de prostituição. O maneki-neko foi usado como um enfeite substituto, e o uso dele como amuleto para prosperidade logo se espalhou para outras comunidades e países asiáticos.

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        Uma mulher passa por muro com o desenho de um mankei-neko em Hanói, no Vietnã.

        Foto de Manan Vatsyayana, AFP/Getty Images

        A expansão da cultura pop japonesa durante a era “Cool Japan nas décadas de 1980 e 1990 — que coincidiu com a segunda onda de imigração chinesa para os Estados Unidos — inseriu ainda mais o maneki-neko na cultura convencional. 

        Logo esses ícones passaram a fazer parte de personagens da arte, moda e até mesmo de videogames. “A mitologia do gato se estendeu até a cultura popular atual”, afirma Okuyama, citando o anime de Hayao Miyazaki, O Reino dos Gatos, onde o personagem principal é recompensado por salvar um gato. Outro exemplo é o Meowth, uma imitação de Pokémon com uma moeda na cabeça, e cujo poder especial se chama “dia do pagamento”, onde o jogador consegue ganhar mais dinheiro após uma batalha.

        Onde encontrá-los

        Maneki-neko em seu formato original ainda são vistos chamando clientes em lojas e estabelecimentos comerciais em todo o Japão. Com uma perspectiva mais histórica, o Museu de Arte Manekineko em Okayama exibe uma coleção de mais de 700 estátuas do gato da sorte ao longo do tempo. Os gatos também são celebrados anualmente no mês de setembro, quando acontece o Festival Manekineko em diversas cidades do país.

        Existe também a Manekineko-dori Street (“rua do gato que acena”) na cidade de Tokoname, na prefeitura de Aichi, onde inúmeras estátuas de gato de cerâmica decoram a rua. E em Tóquio é possível ir direto à fonte, o Templo Gōtoku-ji, repleto de gatos, ou visitar o Santuário Imado, que também vende sua própria versão do maneki-neko.

        Nos Estados Unidos, os que estiverem sem sorte podem se aventurar até o Museu do Gato da Sorte em Cincinnati, Ohio, que possuiu mais de duas mil iterações do ícone felino.

        Mas talvez o melhor lugar para procurar um maneki-neko seja em seu local mais comum: em cima de uma caixa registradora, acenando para você da entrada de um restaurante.

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