Como um hit do reggaeton inspirou os protestos em Cuba

‘Patria y Vida’ vira um slogan contra a família Castro, inspirando milhares de cubanos a exigir reformas no país insular.

O cantor Yotuel Romero discursa aos manifestantes reunidos em frente ao restaurante Versailles, no bairro de Little Havana, em Miami, em uma demonstração de solidariedade aos milhares de cubanos que saíram às ruas da ilha em 11 de julho de 2021 para exigir liberdade, reforma, vacinação contra a covid-19, entre outras pautas. Romero fazia parte de um grupo de artistas que criou a canção “Patria y Vida”, que se tornou um hino para os que exigem mudanças em Cuba.

Foto de Joe Raedle, Getty Images
Por Nancy San Martín, Mimi Whitefield
Publicado 16 de jul. de 2021, 07:00 BRT

A onda de protestos começou com a música Patria y Vida, lançada em fevereiro por um grupo de artistas cubanos de hip-hop e reggaeton. A canção se tornou um grito de guerra aos que desejam mudanças no país. Milhares de pessoas saíram às ruas no dia 11 de julho gritando palavras de ordem, em pequenas e grandes cidades de Cuba. Esses foram os maiores protestos no país em décadas. Em solidariedade aos cidadãos cubanos, outras centenas de pessoas também se reuniram em Miami, nos Estados Unidos.

Patria y Vida” era a canção entoada pelos cubanos nos vídeos, que viralizaram na internet e fizeram com que mais pessoas se juntassem aos protestos ao longo do dia. Os manifestantes protestavam por liberdade, acesso a vacinas contra a covid-19, alimentação digna e pelo fim da miséria no país. Apenas uma parcela da população cubana integrava a multidão, mas muitos dos manifestantes que apareceram em publicações compartilhadas nas redes sociais eram jovens, como os cantores e compositores da canção que se posiciona contra o regime autoritário que está no poder desde 1959, quando o falecido Fidel Castro passou a controlar o país.

O lema do governo promovido à época era Patria o Muerte — “Pátria ou Morte”.  A letra da música de Yotuel Romero, lançada em 2021, é uma enérgica resposta à velha máxima revolucionária.

No más mentiras
Mi pueblo pide libertad, no más doctrinas

“Sem mais mentiras.  Meu povo pede liberdade, chega de doutrinas”.  O videoclipe da música, lançado no YouTube no início deste ano, contém imagens de atos de protestos menores, reprimidos com prisões violentas. “Não vamos mais gritar ‘pátria ou morte’, mas sim ‘pátria e vida’”, apelam os cantores, “e começar a construir o que sonhamos, o que eles destruíram”.

O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, foi rápido em culpar os Estados Unidos pelos protestos, apontando o embargo comercial do país norte-americano como o causador dos problemas econômicos na ilha. Ele chamou os manifestantes de rebeldes financiados por pessoas de fora, determinadas a fraturar “a unidade de nosso país”. Para combater os protestos contra o governo, Díaz-Canel incentivou os cidadãos “revolucionários” a tomarem as ruas em contraprotestos. Ativistas de direitos humanos e publicações nas redes sociais também denunciaram prisões em toda a ilha de Cuba. 

“Devemos deixar claro para o nosso povo que podemos ficar insatisfeitos, isso é legítimo; mas devemos ter a capacidade de reconhecer quando estamos sendo manipulados”, disse Díaz-Canel durante um discurso transmitido pela televisão na segunda-feira (12/07). “Eles querem mudar todo um sistema. Mas que tipo de governo querem impor em Cuba?”

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    À esquerda: No alto:

    Pessoas participam de uma manifestação contra o governo cubano em Havana, em 11 de julho de 2021. Milhares de cubanos se juntaram em protesto contra o governo comunista, realizando passeatas em diversas cidades e gritando “Abaixo a ditadura” e “Queremos liberdade”.

    Foto de Yamil Lage, AFP/Getty Images
    À direita: Acima:

    O espanhol Ramon Espinosa, fotógrafo da Associated Press, é agredido pela polícia enquanto cobre uma manifestação contra o governo cubano em Havana, em 11 de julho de 2021. Milhares de cubanos participaram de protestos contra o governo comunista.

    Foto de Adalberto Roque, AFP/Getty Images

    Em Washington, a Casa Branca emitiu uma declaração a favor das manifestações do povo cubano.

    “Estamos ao lado do povo cubano e apoiamos seu clamor por liberdade, por alívio das terríveis garras da pandemia e das dificuldades impostas por décadas de repressão e sofrimento econômico provocados pelo regime autoritário de Cuba”, disse o comunicado. “O povo cubano está defendendo corajosamente seus direitos fundamentais e universais. Esses direitos devem ser respeitados, como o direito ao protesto pacífico ou de poder determinar seu próprio futuro. Os Estados Unidos apelam ao regime cubano para que ouça seu povo e atenda às suas necessidades nesse momento difícil, em vez de apenas enriquecer a si próprio.”

    A economia de Cuba não está bem nos últimos anos. Há pouco dinheiro nos cofres do governo para importar alimentos ou remédios, problemas com a importação de petróleo levaram a crescentes cortes de energia, alterações relacionadas à moeda também aumentaram a inflação e restrições às remessas de mercadorias vindas do exterior reduziram o fluxo de caixa. A pandemia de covid-19 paralisou os esforços de reabertura do setor de turismo e o número de casos positivos da doença aumentou na ilha nas últimas semanas.

    “Tudo o que poderia dar errado, deu errado”, disse William LeoGrande, professor da American University e especialista em Cuba. “[Díaz-Canel] está em uma situação quase irreversível. Não há nada que ele possa fazer em curto prazo para resolver esses problemas.”

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        Apoiadores entoam lemas a favor do governo enquanto manifestantes contra o regime saem em passeata em Havana, Cuba, em 11 de julho de 2021. Centenas de pessoas saíram às ruas em várias cidades do país para protestar contra a escassez de alimentos, o aumento dos preços de itens básicos, entre outras pautas.

        Foto de Ismael Francisco, Ap

        Em Miami, na Flórida, um homem agita a bandeira cubana na rua, perto de Versailles, um restaurante cubano no bairro de Little Havana, em apoio aos protestos ocorridos em Cuba no dia 11 de julho de 2021. Milhares de pessoas foram às ruas em Cuba para protestar e exigir reformas.

        Foto de Anna Moneymaker, Getty Images

        Esses últimos eventos fazem parte de uma ação da sociedade civil cubana que vem crescendo por meio do uso da tecnologia. O serviço de internet, que era rigidamente controlado pelo governo, agora está mais acessível. Ativistas têm usado as mídias sociais para denunciar abusos, pedir liberdade de expressão e expor outras queixas. Outros protestos menores ocorreram novamente no dia 12 de julho, como se pode ver em publicações nas redes sociais. Com isso, a polícia cubana, com equipamentos antimotim, também foi para as ruas. De acordo com diversos veículos de comunicação, o acesso à internet foi cortado por um curto período.  

        Yotuel Romero, cantor da banda Orishas e um dos líderes do projeto Patria y Vida, disse ao Miami Herald que a canção faz parte de um “despertar da juventude cubana”.

        A música também dá visibilidade aos afro-cubanos. Todos os cantores são negros e eles representam uma população que foi obrigada a ficar na ilha, enquanto outros com mais recursos — muitos deles cubanos brancos ou de pele clara — fugiram do país. Além de Romero, Alexander Delgado e Randy Malcom, da dupla de reggaeton Gente de Zona, o cantor e compositor Descemer Bueno e os rappers Maykel Castillo, conhecido como Maykel Osorbo, e Eliécer “el Funky” Márquez são as outras vozes da música. Alguns estavam em Cuba quando a canção foi produzida, outros estavam exilados.

        Patria y Vida dá voz ao povo”, diz Alejandro de la Fuente, presidente do Programa de Estudos sobre Cuba, da Universidade de Harvard. “É uma voz popular. É uma voz afro-cubana. Vem do barrio”.

        Os protestos do dia 11 também evidenciaram “necessidades e frustrações que tomaram forma”, disse de la Fuente. “Isso tem futuro? Sim, o diálogo muda as coisas. Não há como argumentar que as pessoas que tomaram as ruas de Cuba são financiadas pelos Estados Unidos. Essa é uma questão que exigirá autorreflexão de Cuba. Os movimentos representam uma narrativa diferente, uma narrativa poderosa.”

        A última vez que uma grande multidão tomou as ruas do país em protesto foi em 1994, em um levante conhecido como Maleconazo. O evento contou com centenas de cubanos insatisfeitos com o governo, que lotaram o bulevar à beira-mar de Havana, chamado Malecón. Porém, essa manifestação ficou restrita à cidade de Havana. Fidel Castro conseguiu interromper o protesto popular ao permitir que aqueles que queriam ir embora de Cuba tomassem seu rumo pelo mar, o que ocasionou uma onda de emigração em massa. Mais de 35 mil cubanos deixaram a ilha naquele verão. Esse episódio ficou conhecido como a “crise dos balseros”. Fidel morreu em 2016 e seu irmão, Raúl, assumiu o comando. Ele deixou o cargo de chefe do Partido Comunista em abril de 2018 e Díaz-Canel foi nomeado seu sucessor, atuando como presidente e líder do partido comunista.

        Em Miami, na noite de 11 de julho, Yotuel Romero, cantor de Patria y Vida, compareceu ao protesto em Little Havana em solidariedade aos manifestantes cubanos, demonstrando apoio e se juntando à multidão. De pé sobre o teto de uma van, ele uniu as mãos e pediu às centenas de pessoas ali reunidas que se unissem a ele em oração por Cuba. Muitos se ajoelharam.

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