Indonésia é o novo epicentro da covid-19 e ainda nem atingiu o pico de casos

“Depois da pandemia, provavelmente teremos uma geração perdida.”

No momento, a Indonésia é o principal epicentro da pandemia de covid-19, com mais de 49 mil casos confirmados por dia. Na imagem, parentes derramam água de rosas e deixam flores no túmulo de uma vítima da covid-19 no cemitério público Rorotan, em Cilincing, no norte de Jacarta, em 21 de julho de 2021. De acordo com a contagem federal, mais de 84 mil pessoas morreram devido ao novo coronavírus.

Foto de Muhammad Fadli, National Geographic
Por Sydney Combs
Publicado 30 de jul. de 2021, 12:16 BRT

Alguns dias atrás, na estação rodoviária principal Pulo Gebang, em Jacarta, milhares de pessoas aguardavam em filas desorganizadas para receber uma das 10 mil doses da vacina contra a covid-19 oferecidas na última campanha de vacinação de emergência do país.

Enquanto isso, por toda a região, outros seguiam tristemente a caminho do novo cemitério da cidade, criado para enterro em massa das vítimas da covid-19. No cemitério, famílias colocavam flores e sussurravam as despedidas finais sobre túmulos enquanto escavadeiras abriam novas sepulturas a poucos metros de distância. Inaugurado em março deste ano, o cemitério foi originalmente projetado para enterrar 7,2 mil corpos, contudo a cidade planeja adicionar cerca de 10 hectares para aumentar a capacidade enquanto o país enfrenta um recorde de mortes pelo novo coronavírus.

Ao passo que a segunda onda da pandemia de covid-19 atinge o quarto país mais populoso do mundo, o governo da Indonésia e seus cidadãos enfrentam dificuldades para combater o cenário. Muitas prioridades, atrasos nas campanhas de vacinação, isolamentos forçados, entre outras questões, criaram uma situação terrível. Segundo especialistas, é provável que as condições de muitas pessoas fiquem ainda piores antes que possam melhorar.

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    Vista aérea do Cemitério Público de Rorotan para vítimas de covid-19, no bairro de Cilincing, na cidade de Jacarta do Norte, na Indonésia, em 21 de julho de 2021. Esse cemitério foi inaugurado em março e tem capacidade para 7,2 mil corpos, mas está ficando sem vagas rapidamente. O governo de Jacarta planeja uma ampliação do espaço, já que a Indonésia está se tornando o novo epicentro da pandemia.

    Foto de Muhammad Fadli, National Geographic

    Milhares de moradores de Jacarta aguardam para receber uma das 10 mil doses da vacina contra a covid-19 oferecidas durante campanha de vacinação em massa realizada na estação rodoviária principal Pulo Gebang, no leste de Jacarta.

    Foto de Muhammad Fadli, National Geographic

    Com mais de 49 mil casos confirmados por dia, a Indonésia é atualmente o principal epicentro da pandemia de covid-19, ao lado do Brasil e do Reino Unido, que notificam cerca de 54,5 mil e 39,3 mil casos por dia, respectivamente.

    A Indonésia também é o último país do Sudeste Asiático a enfrentar um grande surto devido à variante Delta do Sars-CoV-2, e muitos acreditam que exista uma grave subnotificação de casos. Mais de 27% das pessoas que fazem os testes de covid-19 estão infectadas, o que indica que muito mais casos estão circulando pela população sem serem detectados. Uma pesquisa recente de anticorpos em Jacarta, capital do país, sugere que quase metade dos 10,5 milhões de habitantes da cidade já pode ter sido infectada.

    Entretanto o sistema de saúde em todo o país está sobrecarregado. Na semana passada, em Java, os hospitais estavam quase sem disponibilidade de quartos e cilindros de oxigênio e, nesta semana, Bali enfrenta uma situação semelhante. Os hospitais de Jacarta estão com ocupação de 73% da capacidade, de acordo com o vice-governador. Apenas na primeira quinzena de julho, 114 médicos faleceram devido ao novo coronavírus. Mais de 1,5 mil profissionais de saúde faleceram desde o início da pandemia.

    Por enquanto, a taxa de mortalidade da covid-19 é de cerca de 2,6% — em comparação com 1,8% nos Estados Unidos e 2,8% no Brasil — mas esse número deve aumentar à medida que o vírus se espalha para as ilhas mais rurais da Indonésia que possuem uma infraestrutura de saúde mais precária.

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        Zahwa Falisha, de 16 anos, recebe sua primeira dose da vacina Sinovac contra a covid-19 durante campanha de vacinação em massa no Centro Esportivo Otista, em Bidara Cina, no leste de Jacarta. Até agora, apenas cerca de 15% dos indonésios receberam uma dose do imunizante.

        Foto de Muhammad Fadli, National Geographic

        Número de casos ainda atingirá o pico

        Em uma iniciativa emergencial no início deste mês, o governo promulgou medidas de distanciamento social que restringiram viagens, refeições em ambientes fechados, além de proibir a abertura de alguns escritórios. Esta semana, o governo ajustou as restrições para permitir a reabertura de mercados tradicionais e alguns restaurantes, mesquitas e shoppings. Campanhas de vacinação em massa também estão em andamento.

        Dos cerca de 270 milhões de habitantes na Indonésia, apenas aproximadamente 6% foram totalmente vacinados. A iniciativa mais recente resultou na distribuição de quase 874 mil doses. O governo pretende administrar dois milhões de doses por dia a partir de agosto. Mas, sem uma vacina própria, o país precisa contar com suprimentos internacionais.

        “Precisamos de uma ação global imediata para que países como a Indonésia tenham acesso às vacinas necessárias visando evitar milhares de mortes”, declarou Sudirman Said, secretário-geral da Cruz Vermelha da Indonésia, em um comunicado no fim de junho.

        Além da demora para aplicação das primeiras doses da vacina, os testes para covid-19 não são acessíveis à maior parte dos mais vulneráveis. O governo oferece testes gratuitos para aqueles que apresentam sintomas ou que tiveram contato com alguém que testou positivo. Caso contrário, o teste de PCR, que pode detectar o vírus antes que uma pessoa possa transmiti-lo, pode custar mais de US$ 60, enquanto a média salarial é inferior a US$ 200 por mês. Um resultado positivo também pode representar uma dificuldade econômica para aqueles com renda limitada.

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          À esquerda: No alto:

          Fauzi, que é trabalhador informal, vende café instantâneo perto da rotatória Hotel Indonesia, uma popular área de pedestres em Jacarta, em dezembro de 2020. A maioria de seus clientes também são trabalhadores informais, população duramente atingida pela pandemia. Antes da covid-19, ele conseguia ganhar US$ 25 por dia. Em dezembro de 2020, teve dificuldades para ganhar US$ 10 por dia.

          À direita: Acima:

          Yono, à esquerda, e Faizin posam em uma horta na cobertura situada no quarto andar da Grande Mesquita Baitussalam, em Taman Sari, oeste de Jacarta, em dezembro de 2020. Alguns habitantes iniciaram o projeto de cultivo com uma doação de US$ 3,5 mil recebida logo depois que o governo de Jacarta impôs um isolamento parcial. Quinze trabalhadores cuidam da horta e todos os lucros vão para os agricultores e para o fundo social da mesquita.

          fotos de Muhammad Fadli, National Geographic
          À esquerda: No alto:

          Profissional de saúde prepara uma dose da vacina Sinovac contra a covid-19 durante campanha de vacinação em massa realizada no centro de emergência da Cruz Vermelha da Indonésia em Mampang, no sul de Jacarta, em 16 de julho de 2021. O programa teve duração de 10 dias com o objetivo de vacinar 10 mil pessoas. O governo espera aplicar duas milhões de doses por dia a partir de agosto.

          À direita: Acima:

          Os funcionários do serviço de correios da Indonésia, Mustofa, à esquerda, e Alfian posam para foto durante o trabalho, eles entregam o subsídio do governo federal para residentes qualificados do subdistrito de Kenari, no centro de Jacarta. Quase 10 milhões de pessoas receberam cerca de US$ 21 por mês enquanto a medida esteve em vigor de janeiro a abril de 2021.

          fotos de Muhammad Fadli, National Geographic

          “Muitas pessoas fazem fila para realizar o teste nos laboratórios, mas assim que descobrem o preço, muitos optam por não o fazer”, contou Eusebius Pantja, economista do Instituto MINDSET na Indonésia.

          “Eles querem fazer o exame, mas se testarem positivo, precisam parar de trabalhar. Como eles poderão se sustentar? Isso limita o incentivo para realizar o teste”, acrescenta Aloysius Gunadi Brata, economista da Universidade Atma Jaya Yogyakarta, na Indonésia.

          O governo federal afirma que mais de 84,7 mil pessoas morreram de covid-19 na Indonésia desde o início da pandemia. Mas Irma Hidayana, cofundadora da Lapor Covid, um coletivo que reúne e compartilha informações sobre a pandemia na Indonésia, acredita que existe uma grave subnotificação de casos. Ela e outros 150 voluntários compilam regularmente dados municipais com relação à covid-19 de 180 cidades e 34 províncias. Eles argumentam que o governo federal “ocultou” mais de 20 mil mortes na contagem nacional, número muito abaixo do que a soma dos relatados pelos governos municipais.

          “Agora, os casos estão disparando porque as pessoas não recebem as informações reais”, lamenta Hidayana. “Elas não entendem o que está acontecendo em termos de disseminação do vírus e como ele é perigoso. Dessa forma, não seguem as medidas sociais de saúde pública.” 

          “Talvez eles também tenham falido”

          Desde o início da pandemia, mais de 1,12 milhão de indonésios passaram a viver abaixo da linha de pobreza enquanto trabalhavam mais horas e corriam o risco de contrair a infecção. Mais de dois milhões de pessoas saíram de cidades superlotadas para trabalhar na agricultura.

          “O desemprego não caiu drasticamente — apenas de 6% para 7%. Mas as pessoas estão mudando de empregos de alta produtividade para outros de baixa produtividade”, explica Faisal Basri, economista da Universidade da Indonésia.

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            Moradores de Kampung Starling, em Senen, no centro de Jacarta, esperam por mantimentos distribuídos pela organização sem fins lucrativos Foodbank of Indonesia, em dezembro de 2020. Em todo o país, 31% das famílias sofreram com escassez de alimentos no ano passado.

            Foto de Muhammad Fadli, National Geographic

            Muitos que permaneceram nas cidades durante a pandemia passam por dificuldades econômicas.

            “Quero que tudo volte ao normal, como era antes da pandemia. Existem muitas restrições agora, como vou conseguir ganhar dinheiro? Muitos de meus clientes habituais nunca mais apareceram, talvez eles também tenham falido”, observa Yani, que trabalha vendendo brotos de feijão no mercado Kebayoran Lama, em Jacarta. Mesmo trabalhando mais horas, atualmente ela ganha metade do que ganhava antes da pandemia.

            Os negócios também estão fracos para Ahmad Afwan, entregador de comida que às vezes aguarda horas entre os pedidos. “Só espero que minha esposa entenda se eu não ganhar dinheiro suficiente para comprar alimento”, diz ele.

            Em todo o país, 31% das famílias sofreram com escassez de alimentos no ano passado, de acordo com um relatório recente da ONU. Mesmo antes da pandemia, mais de sete milhões de crianças na Indonésia sofriam atrofia devido à desnutrição.

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              Roozmalinie, à esquerda, segura a filha Aquilla, de 3 anos, no centro, enquanto a altura da criança é medida por Kris Wati, à direita, em sua casa em Pondok Melati, Bekasi, uma área suburbana a leste de Jacarta. Wati é voluntária do Posyandu, um serviço de saúde comunitário voltado para gestantes e crianças. Mesmo antes da pandemia, mais de sete milhões de crianças na Indonésia sofriam atrofia devido à desnutrição.

              Foto de Muhammad Fadli, National Geographic
              À esquerda: No alto:

              Voluntários da Foodbank of Indonesia descarregam e armazenam 20 toneladas de sacos de arroz na sala de aula de uma escola em Cipulir, no sul de Jacarta, em dezembro de 2020. Atualmente, a organização sem fins lucrativos enfrenta dificuldades para obter doações de alimentos de empresas que estão com poucos recursos e para proteger seus voluntários do recente surto do novo coronavírus. Somente no último mês, quatro membros da equipe faleceram em decorrência de covid-19.

              À direita: Acima:

              Pescadores e trabalhadores no porto de Muara Angke, uma área densamente povoada no norte de Jacarta, recebem refeições gratuitas da Wonder Food Indonesia, em dezembro de 2020. A organização sem fins lucrativos, fundada em março de 2019, fornece até 3,5 mil refeições por semana, principalmente em comunidades de baixa renda. Devido às recentes restrições ocasionadas pela pandemia de covid-19, a Wonder Food Indonesia interrompeu o fornecimento de alimentos por três semanas neste mês.

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              “Depois da pandemia, provavelmente teremos uma geração perdida — as crianças nessa situação não recebem comida boa o suficiente”, relatou Hendro Utomo, fundador do Foodbank of Indonesia, organização sem fins lucrativos que administra programas de equidade alimentar e bancos de alimentos por todo o país. Atualmente, a organização enfrenta dificuldades para obter doações de alimentos e para proteger seus voluntários do recente surto do novo coronavírus. Somente no último mês, quatro membros da equipe faleceram em decorrência de covid-19.

              Outras organizações de combate à fome, como a Wonderfood Indonesia, que redistribui mantimentos não vendidos e realiza doações de alimentos em Jacarta, interromperam as entregas de 3,5 mil refeições gratuitas para comunidades de baixa renda por quase um mês devido às recentes restrições de distanciamento social.

              O que o PIB não revela

              Apesar das tensões econômicas, a economia da Indonésia — a maior do Sudeste Asiático — diminuiu apenas 2,1% no ano passado. Em comparação, o PIB dos EUA reduziu 3,5% em 2020.

              Os 10% mais ricos da Indonésia enriqueceram ainda mais durante a pandemia, ressalta o economista Basri. Ele só observou um impacto econômico sobre os ricos de Bali, devido à ausência de turismo.

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                Trabalhadores enterram uma vítima da covid-19 no cemitério público Rorotan, em 21 de julho de 2021. Durante o pico da última onda, funcionários trabalhavam 24 horas por dia, lidando com uma fila interminável de ambulâncias e carros funerários — alguns com até quatro cadáveres.

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                Basri afirma que o governo tem relutado em impor isolamentos severos como os de Wuhan e do norte da Itália porque o fundo de subsídio nacional não pode apoiar financeiramente os mais necessitados caso o isolamento ocorra. Em contrapartida, o governo concedeu uma grande redução de impostos à indústria automobilística ao eliminar temporariamente o imposto sobre itens de luxo. “Como se pode observar, existem políticas que favorecem os ricos”, alega Basri.

                Enquanto isso, outras medidas com relação à pandemia ameaçam aumentar de forma permanente a desigualdade entre ricos e pobres. Filhos de trabalhadores de baixa renda têm mais dificuldade com o aprendizado à distância, o que pode levar a uma sucessão de desvantagens em longo prazo, alerta a economista Susan Olivia, da Universidade de Waikato, na Nova Zelândia. No atual cenário de saúde, pessoas com doenças não relacionadas à covid-19 não buscam atendimento imediato e crianças podem não receber outras vacinas e realizar exames no tempo devido. O estresse e a escassez de alimentos também podem ter efeitos sobre a saúde em longo prazo, em especial entre os jovens.

                “O governo deveria usar esta crise como uma boa oportunidade para implementar reformas”, opina Olivia.

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                  Desti Firdamayanti descansa em sua casa no subdistrito de Kenari, no centro de Jacarta, em janeiro de 2021. Seu marido trabalha como entregador de jornais e seu salário foi reduzido de US$ 100 por mês para apenas US$ 30 durante a pandemia. Com o nascimento do primeiro filho em apenas algumas semanas, o casal se preocupa com a situação financeira, apesar de receber os benefícios de assistência social do governo.

                  Foto de Muhammad Fadli, National Geographic

                  Muhammad Fadli é fotógrafo documentarista e retratista fotográfico indonésio que mora em Jacarta. Seu primeiro livro, Rebel Riders (Pilotos rebeldes, em tradução livre), destaca a subcultura extrema de scooters na Indonésia. Para ver mais trabalhos do autor, acesse o site ou siga-o no Instagram.

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