Líderes e ativistas muçulmanos enfrentam oposição às vacinas contra a covid-19

Programas de conscientização para combater a desinformação sobre a vacina contra a covid-19 produzem efeitos nas taxas de vacinação em algumas comunidades muçulmanas nos EUA.

Caminhão de tacos oferece refeições durante campanha de vacinação contra a covid-19 no Centro Islâmico de Santa Ana, em 1o de maio de 2021, na Califórnia, Estados Unidos.

Foto de Francine Orr, Los Angeles/Getty Images
Por Tasmiha Khan
Publicado 24 de jul. de 2021, 07:00 BRT

Shaikh Rahman, analista de sistemas de negócios em Chicago, nos Estados Unidos, não era um defensor das vacinas contra a covid-19 porque não considerava que havia uma divulgação eficaz de informações confiáveis e a distribuição de vacinas parecia precipitada.

“Nossa fé prega que um assunto deve ser investigado antes de ser repassado como verdade”, afirma ele.

Mas o sentimento de Rahman mudou depois que seu imã local, Shaykh Jamal Said, da Fundação Mesquita em Bridgeview, Illinois, sugeriu que aqueles que não fossem vacinados poderiam ser proibidos de entrar na mesquita.

Rahman ficou preocupado com essa possível restrição aos serviços de oração e cogitou se vacinar. Ele havia testado positivo para o novo coronavírus antes dessa possível restrição. Então decidiu tomar a vacina para aumentar sua imunidade depois que a Fundação Mesquita realizou uma campanha de vacinação da Pfizer.

“Com a reabertura do país, não quero que minha família ou meus entes queridos corram o risco de ficarem expostos por minha causa”, disse Rahman.

Apesar da continuidade da tendência de alta com relação à hesitação em tomar a vacina em todos os Estados Unidos, uma mudança também está em curso em algumas comunidades muçulmanas. As taxas de vacinação entre muçulmanos estavam entre as mais baixas do país nos primeiros meses da pandemia. Mas os programas de conscientização em mesquitas, organizações comunitárias e centros culturais que trabalham com comunidades de imigrantes estão ajudando a combater a desinformação e promover a vacinação.

Após ouvir personalidades consideradas confiáveis, como imãs, alguns muçulmanos optaram por se vacinar.

Encontros virtuais

Entre as organizações que estão produzindo impactos está a Somali Family Service of San Diego (SFS). A Iniciativa de Saúde Ihsan, programa da organização que inclui uma equipe de agentes comunitários de saúde, promove a comunicação direta por meio de eventos como encontros virtuais de divulgação.

“Os encontros virtuais de divulgação ajudaram a combater parte do ceticismo, permitindo-nos convidar líderes respeitados na comunidade, como médicos, enfermeiras e imãs de mesquitas”, afirma Balqiso Hussein, agente comunitário de saúde da SFS, que atua principalmente com a população somali. “Quando as evidências científicas são apresentadas de maneira eficaz de uma perspectiva cultural, são observadas mudanças ideológicas em relação à vacinação. Muitos membros da comunidade até mesmo fizeram o cadastro de vacinação no mesmo dia.”

A SFS contratou profissionais de saúde comunitários fluentes em árabe, suaíli e somali. Existem planos para fazer campanhas voltadas à comunidade afegã.

“Usar a mesma língua (nativa) para falar com meus clientes, além de oferecer khutbahs (sermões) às sextas-feiras feitos por imãs da região, produziu impacto expressivo na tentativa de modificar a mentalidade das pessoas em sua disposição para se vacinarem”, conta Aous Alhabbar, profissional de saúde que atua com a comunidade iraquiana. “Embora houvesse muito receio no início da pandemia, as atitudes estão mudando lentamente com a conscientização”.

Parte da hesitação se deve ao racismo observado durante atendimentos médicos.

A woman receives the vaccine

Sara Ahmed, 29 anos, de Anaheim, é vacinada em campanha de vacinação contra a covid-19 no Centro Islâmico de Santa Ana, na Califórnia.

Foto de Francine Orr, Los Angeles/Getty Images

“Muitos acreditam que o sistema de saúde não funciona para promover seu bem-estar”, revela Hussein. “Muitos membros da comunidade, sobretudo os grupos mais idosos, ficaram muito receosos quando as vacinas foram distribuídas amplamente em todo o país. Grande parte da hesitação decorre de experiências pessoais com profissionais de saúde que não conseguiram atender membros da comunidade devido a barreiras culturais e idiomáticas.”

Crenças religiosas também têm sido citadas por alguns como motivo da hesitação em se vacinar. Entre a comunidade muçulmana, foi questionado sucessivas vezes se a vacinação é halal, ou seja, permitida pela lei islâmica.

“Fiquei apreensivo inicialmente porque desconhecia os dados científicos e não sabia se os ingredientes contidos na vacina eram permitidos”, conta Shaykh Amin Kholwadia, estudioso muçulmano e fundador do Darul Qasim, instituto de ensinamentos islâmicos tradicionais com sede em Glendale Heights, Illinois.

Após rumores de que ao menos uma das vacinas utilizava linhagens de células derivadas de tecidos de fetos humanos, muitos muçulmanos questionaram se a vacinação seria halal. Kholwadia assinou uma declaração emitida por sua organização que informava: “o uso de linhagens de células desenvolvidas originalmente a partir de fetos abortados para desenvolver vacinas é contra a bioética islâmica. Os muçulmanos não podem tomar vacinas desenvolvidas dessa forma, considerando as alternativas permitidas”.

Kholwadia explicou que, segundo a lei islâmica, “nenhuma parte do corpo humano (incluindo fetos) pode ser usada para experimentação”.

Embora a determinação emitida pela organização Darul Qasim tenha legitimado a hesitação entre alguns muçulmanos, especificamente em relação às primeiras vacinas desenvolvidas pela Johnson & Johnson, também serviu como estímulo a vacinas desenvolvidas por outras empresas.

“Por que eu evitaria vacinas de RNAm, sobretudo se minha akhira (vida após a morte) não for colocada em risco?”, indaga Akber Ali, médico assistente de um hospital de Illinois, que trabalha com o Darul Qasim.

Dúvidas remanescentes

Mas nem todos estão convencidos.

Bint Aden, bacharel recém-formada em psicologia no sul da Califórnia, afirma que ela e sua família ainda têm receio sobre os ingredientes da vacina e se são permitidos.

“Com minhas raízes na Somália, não está claro o que é permitido, embora as mesquitas tenham permitido a vacinação”, observa ela. “Acreditamos em qadr (destino), o que tiver de acontecer está predestinado a acontecer pela obra de Alá (Deus), o que inclui a doença e a saúde.

“Prefiro aguardar por mais informações”, prossegue Aden. “Ainda não me sinto confortável em tomar a vacina.”

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