Bienvenidos a Brasil – A saga venezuelana em busca de uma vida melhor

As estradas em direção a Roraima são apenas a primeira etapa de uma árdua jornada para os imigrantes venezuelanos que procuram novas oportunidades fora de seu país.

Por Gui Christ
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Publicado 24 de abr. de 2018, 15:13 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
No abrigo de Pacaraima, uma mãe do povo Warao segura o seu filho. Apesar de não terem fortes relações com os cidadãos urbanos na Venezuela, os indígenas foram afetados pela crise econômica por viverem de doações e da venda de artesanato.
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Na rodoviária da pequena cidade de Pacaraima, no lado brasileiro da fronteira, a matriarca de um grupo que veio caminhando, por oito dias seguidos, desde a cidade venezuelana de Maturín, tenta descansar como pode. Ela precisa. Yollanda Jimenez, de 51 anos, tem ainda mais quatro dias de viagem a pé até Boa Vista, capital do estado de Roraima e a maior cidade brasileira próxima à Venezuela.

Todos estão exaustos, sujos, famintos. Eles se mobilizam para comprar algo para comer, mas, com a forte desvalorização do bolívar, a moeda venezuelana, o total que têm em mãos não chega a 20 reais – pouco para alimentar a todos. Eu me ofereço para pagar uma refeição decente e me sento perto deles para ouvir as suas histórias.

Nas avenidas de Boa Vista, homens e mulheres buscam por trabalho oferecendo suas aptidões em placas de papelão. Mesmo profissionais graduados enfrentam um mercado de trabalho saturado.
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Em um abrigo para indígenas, as mulheres preferem o vôlei. A ONG Fraternidade – Federação Humanitária Internacional coordena o espaço onde estão 600 pessoas dos povos Warao, Pemon e Panare.
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“Vivemos tempos difíceis. Um país tão bonito e cheio de petróleo como o nosso não deveria passar por isso”, diz Jimenez. Os problemas na Venezuela parecem intermináveis. Com divergências entre grupos políticos que dividiram a sociedade com ódio mortal, e a queda do preço internacional do petróleo, que movimentava 96% da economia nacional, veio uma superinflação de 2.600% ao ano. O desemprego e o sumiço de produtos básicos de consumo, além de medicamentos, fizeram com que o país entrasse em colapso.

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    Mesmo com uma eleição presidencial prevista para maio, muitos preferiram arriscar a vida nos países vizinhos. A Colômbia é o principal destino – já são mais de 1 milhão de imigrantes. No Brasil, conta-se oficialmente 50 mil venezuelanos, mas o número pode ser maior por causa de rotas clandestinas.

    A imigração massiva afeta a rotina de Boa Vista, cidade de 320 mil habitantes que tem, hoje, pelo menos, 12% da sua população composta por imigrantes. Nas avenidas planejadas, homens seguram placas de papelão em que anunciam suas aptidões para conseguir trabalho. Nos semáforos, grupos de jovens falando em espanhol correm em direção aos carros para limpar seus vidros e ganhar alguns trocados.

    Estima-se que, em média, 800 imigrantes cheguem por dia a Boa Vista, muitos deles caminhando durante dias pelos mais de 200 quilômetros que separam a capital da fronteira. No caminho, as temperaturas podem chegar a 40°C.
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    Longa filas se formam na Praça Simón Bolívar para ganhar a comida doada por voluntários e por instituições de caridade. Há prioridade para idosos, crianças e gestantes.
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    A capital de Roraima não é um destino fortuito. A principal praça da cidade homenageia o herói nacional venezuelano, o general Simón Bolívar. Por estar no encontro das estradas que ligam a cidade aos países vizinhos, a praça tem um antigo portal com uma mensagem que saúda os vizinhos latinos, em letras já quase apagadas pelo tempo: “Bienvenidos a Boa Vista”.

    Durante vários meses, imigrantes viveram acampados em barracas na praça – à época da minha visita, em março, eles estimavam ser mais de 2 mil (o acampamento foi desmontado no começo de abril). A crise atual afetou a boa vizinhança. Muitos venezuelanos reclamam de um movimento xenófobo que boicota chances de emprego. Há relatos de violência, e até uma casa que abrigava 31 venezuelanos foi incendiada, ferindo vários deles. A situação também é ruim no “Tancredão”, o ginásio que se tornou o maior abrigo da cidade. São cerca de mil pessoas em condições precárias; a sensação é de um ambiente extremamente insalubre e inseguro. No seu entorno, esgoto a céu aberto mistura-se a lama, com animais circulando e pessoas cozinhando. Para piorar, já foram confirmados 12 casos de menores infectados com sarampo – falta vacina na Venezuela. Com medo de uma epidemia, a Secretaria de Saúde de Roraima começou um programa de vacinação em massa.

    Depois da alfândega brasileira e do controle sanitário na cidade fronteiriça de Pacaraima, imigrantes que não podem pagar por transporte esperam horas ou até dias por algum transporte que as poupe de seguir a pé.
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    Dentro da própria comunidade de imigrantes, muitos venezuelanos fazem serviços como os de cabelereiro, lavadeira e sapateiro – requisitado devido ao alto preço de calçados novos.
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    Em melhores condições sanitárias, há um abrigo exclusivo das populações indígenas venezuelanas, uma parceria do estado, de instituições filantrópicas e do Acnur, a agência das Nações Unidas para imigrantes e refugiados.

    Em busca de medicação, Donaldo Enrique Suaréz, de 50 anos, portador de HIV, viu no Brasil a única forma de conseguir o tratamento que necessita. Seu caso é emblemático em outro aspecto: Suaréz é formado em administração e possui alguns diplomas de pós-graduação em instituições internacionais, mas não encontra vaga em Boa Vista. Além dele, engenheiros, técnicos e professores não conseguem se alocar no mercado de trabalho da menor capital do país. E os empregos informais, que garantiriam o sustento de muitos, estão cada vez mais difíceis frente ao número crescente de pessoas que chegam diariamente à cidade.

    A jornada dos venezuelanos por uma vida melhor parece longe de terminar – seja em seu país, seja no Brasil.

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