Terra primitiva sofreu com pico de impactos de meteoros
Crateras lunares, tubos de diamante e persistência dos cientistas ajudaram a revelar a mudança drástica no número de rochas espaciais que vêm bombardeando o nosso planeta.
Desde o nascimento do Sol, há cerca de 4,6 bilhões de anos, o sistema solar tornou-se um lugar violento. Feito um fliperama lotado até as bordas, nosso bairro cósmico se encheu de meteoros, cometas e até mesmo planetas-bebês batendo uns nos outros, deixando cicatrizes na forma de crateras de impacto.
Hoje, sabemos que rochas espaciais de todos os formatos e tamanhos continuam essa valsa de empurra-empurra. Mas o que ainda não está claro é a mudança ocorrida no número de impactos com o tempo.
Agora, utilizando-se de dados do relatório de uma sonda lunar da Nasa, pesquisadores relatam algo surpreendente na revista Science: 290 milhões de anos atrás, a média de impactos na lua—e, consequentemente, na Terra—aumentou drasticamente, e é possível que esse súbito acesso de fúria não tenha desaparecido por completo.
A importância disso se dá principalmente pela possibilidade de asteroides grandes o suficiente para atravessar a atmosfera baterem na Terra e darem início a extinções em massa. Um desses impactos foi o golpe de misericórdia na era dos dinossauros há 66 milhões de anos.
A Coordenação de Defesa Planetária da Nasa vigia os detritos espaciais que podem ser perigosos e em rota de colisão com a Terra, sendo certamente uma ajuda na tentativa de descobrir quais são as taxas de impacto do sistema solar interno. Quanto mais pudermos entender tudo o que acontece, melhor poderemos compreender o que coloca em risco a nossa sobrevivência.
Mais um que come poeira lunar
Inconvenientemente para os analistas de impactos, a Terra conta com placas tectônicas ativas, meteorização e erosão, e esses processos acabam afetando o registro de crateras primitivas do nosso planeta. Isso significa que o nosso registro de impactos está altamente enviesado pelos acontecimentos recentes.
Mas a lua é um corpo sem ar que carece de capacidades erosivas e da tectônica de placas, o que faz dela, em comparação conosco, um arquivo geológico virgem. E, como é uma companheira constante da Terra na maior parte de sua existência, é possível usar a lua para preencher as lacunas da história dos impactos no nosso planeta.
Na verdade, a lua "é uma cápsula do tempo dos acontecimentos no nosso lado do sistema solar. E é muito legal ter todos esses dados”, diz a líder do estudo Sara Mazrouei, cientista planetária da Universidade de Toronto.
Mas acessar esses dados nem sempre é fácil. No caso dos astrônomos que não possam fazer um trabalho em campo na lua, são necessários outros métodos para determinar as idades das crateras. Assim, Mazrouei e sua equipe descobriram uma forma de mapear e datar as crateras lunares desde um bilhão de anos atrás até o presente, utilizando o Orbitador de Reconhecimento Lunar (LRO), da Nasa.
Para começar, a equipe sabia que as grandes crateras formadas nos últimos bilhões de anos contêm abundância de detritos rochosos, mas o mesmo não ocorre nos buracos mais antigos. O motivo disso é que, ao longo de milhões de anos, ocorre a quebra das rochas maiores por meio de impactos de micrometeoritos, pequenas explosões gasosas na superfície e a troca entre temperaturas quentes e frias extremas durante o dia lunar e o ciclo noturno.
Essa mudança gradual de rocha para poeira lunar afeta a maneira como o calor escapa das crateras e do entorno. A coautora do estudo Rebecca Ghent, professora-adjunta de ciências planetárias da Universidade de Toronto, tirou vantagem desse fato.
Ela analisou o radiômetro térmico do LRO, chamado Diviner, que mede o calor emitido a partir da superfície da lua. Utilizando crateras já datadas, ela descobriu uma "linda correlação" entre a cobertura rochosa, a capacidade dela de transmitir calor e a idade da cratera.
Com o Diviner capaz de datar crateras maiores 10 km de extensão, Mazrouei iniciou seu trabalho. Mapeando à mão um bilhão de anos de crateras lunares ao longo dos cinco anos seguintes, ela confessa, com humor, ter questionado a sanidade dela algumas vezes. No entanto, ao mostrar os resultados preliminares a Bill Bottke, cientista planetário e especialista em asteroides do Southwest Research Institute, em Boulder, Colorado, ela sabia que estava diante de algo relevante.
“Algumas pessoas estão sentadas em cima de um pote de ouro e não sabem”, disse-lhe Bottke, outro dos coautores do estudo. “E você está sentada bem em cima de um pote de ouro”.
A equipe descobriu que o dobro ou o triplo de objetos vêm batendo na lua há 290 milhões de anos, em comparação com as taxas de impacto no período dos 710 milhões de anos anteriores.
Vasculhando os canhões de diamante
Os cientistas tinham a forte suspeita de que a mesma mudança na taxa de impactos devia valer para a Terra, embora soubessem que seria difícil achar provas disso. Foi então que o coautor do estudo Thomas Gernon, professor-adjunto de ciências da Terra na Universidade de Southampton, mencionou os kimberlitos. De repente, tudo se encaixou.
Os kimberlitos são tubos vulcânicos, com formato de cenouras, encontrados normalmente nos corações de massas continentais muito antigas e extremamente estáveis. Esses tubos, no passado, lançaram diamantes das profundezas extremas até a crosta da superfície; hoje em dia, estão bem mapeados, e suas riquezas são objeto de mineração.
“Os continentes são tipo almofadas alfineteiras furadas por milhares de kimberlitos. Eles são arquivos das erosões primitivas", explica Gernon. Anteriormente aos últimos 650 milhões de anos, uma série colossal de glaciações planetárias produziu o que se chama de Terra Bola-de-Neve, raspando cerca de um terço da crosta terrestre, inclusive esses kimberlitos. Por enquanto, estão perdidos no tempo os registros dos impactos anteriores a essa data.
Dos últimos 650 milhões de anos para cá, contudo, está claro que eles passaram por poucas erosões. Isso significa que eles contêm um registro não enviesado das crateras, que revela que o pico de impactos lunares ocorrido há 290 milhões de anos também ocorreu na Terra.
O modelo mais simples sugere que "a taxa de impactos aumentou há 290 milhões de anos e continuou alta durante aquele período", diz Bottke. "Isso, podemos dizer com certeza".
Essa correspondência entre os registros terrestres e os lunares "compõe um argumento muito forte a favor da veracidade desse achado", afirma Paul Byrne, professor-adjunto na Universidade Estadual da Carolina do Norte, que não participou do estudo.
Pode ser que o planeta Mercúrio também possa ajudar. Quando a nave espacial BepiColombo, da Agência Espacial Europeia, chegar lá em 2025, ela poderá usar instrumentação similar à do LRO para mapear e datar as crateras daquele mundo que, igualmente, quase não tem ar nem erosões.
“Poderemos analisar se também há alguma assinatura parecida em Mercúrio", diz Mazrouei. “Isso seria incrível”.
Maré alta no cinturão de asteroides
A pergunta, é claro, é: mas por que ocorre esse pico? De acordo com Bottke, quase todos os impactos que sofremos na Terra vêm de objetos que escaparam do cinturão de asteroides. Um corpo celeste se quebra, talvez em função de uma colisão, e cria muitos fragmentos.
Com o tempo, esses fragmentos são bombardeados pela luz solar. Devido a um truque da física chamado efeito de Yarkovsky, a radiação absorvida e reemitida dá ao detrito um empurrãozinho. No caso dos asteroides menores, esse efeito pode colocá-los ao alcance das redes gravitacionais dos planetas, com o potencial de entrarem em rota de colisão.
“É tipo uma maré subindo”, explica Bottke. “Tem muito material que vem do cinturão de asteroides, e vez ou outra ocorre um pico no fluxo de impactos de asteroides na Terra, que diminui gradualmente com o tempo”.
É possível que múltiplas rupturas no cinturão de asteroides tenham contribuído com o aumento geral, ou então que ele tenha sido causado por um único acontecimento catastrófico. Isso é algo que as modelagens futuras podem ajudar a revelar.
Independente da causa, esse pico no fluxo de impactos continuará sem dúvidas a intrigar os cientistas que não só tentam compreender o passado da Terra, como também evitar o destino que tiveram os dinossauros.