Árvores que estiveram no espaço em 1971 vivem atualmente na Terra
Nascidas de centenas de sementes que foram para a Lua na missão Apollo 14, as peculiaridades arbóreas quase se perderam na história.
Desde 1977, um frondoso sicômoro saúda os visitantes do Centro de Voos Espaciais Goddard da Nasa. Ele tem a aparência igual à de qualquer outro sicômoro, uma árvore dentre várias outras no campus arborizado e tranquilo na periferia de Maryland, Estados Unidos.
Mas o que passa despercebido a muitos enquanto aproveitam sua mistura de sombras ou admiram a mudança de sua folhagem é que essa árvore esteve na Lua.
O sicômoro de Goddard é uma das dezenas das árvores conhecidas como “árvores da Lua”, que estão espalhadas pelos Estados Unidos, nascidas de sementes que viajaram com o astronauta Stuart Roosa na missão Apollo 14 em 1971. Roosa foi o piloto do módulo de comando, o que significa que ele permaneceu na órbita lunar enquanto o comandante Alan Shephard e o piloto do módulo lunar Edgar Mitchell visitaram a superfície da Lua. Nesse intervalo, Roosa estava com centenas de sementes guardadas em seu kit pessoal.
Em parte um experimento científico, em parte uma empreitada de relações públicas, as sementes representaram um projeto conjunto entre o Serviço Florestal dos Estados Unidos e a Nasa. Roosa havia atuado como bombeiro florestal do Serviço Florestal antes de se tornar astronauta, e levar as sementes para o espaço ajudou a divulgar o órgão federal, ao mesmo tempo em que também proporcionou aos cientistas da Nasa a oportunidade de investigar uma importante questão: Como a microgravidade afeta as plantas?
Após o retorno à Terra, as sementes ficaram em quarentena junto com a tripulação. Adotada como protocolo padrão na época, a quarentena tinha a intenção de evitar que eventuais micróbios nocivos da Lua se proliferassem na Terra. Houve um breve momento de pânico em que o tubo que guardava as sementes arrebentou dentro de uma câmara de vácuo, mas as sementes sobreviveram ao incidente e a maioria germinou normalmente.
Nos anos seguintes, as mudas foram plantadas por todos os Estados Unidos, muitas delas durante 1976 como parte das comemorações do bicentenário da independência dos Estados Unidos. Talvez por serem ofuscadas pela data histórica, os plantios receberam relativamente pouca atenção nacional e, à exceção de alguns festejos locais, praticamente caíram em esquecimento.
O divisor de águas
Então, cerca de 20 anos depois, Dave Williams recebeu um e-mail. Como cientista planetário de Goddard, Williams foi incumbido de lançar dados lunares e planetários na página da Internet do órgão, que, como muitas outras páginas de Internet na década de 1990, estava nos estágios iniciais.
Enquanto isso, Joan Goble, uma professora da terceira série de Indiana, examinava a página em busca de informações sobre uma curiosa árvore que tinha encontrado. Quando ela leu o nome de Williams relacionado aos dados catalogados online, ela resolveu enviar um e-mail para ele. Goble explicou que ela e seus alunos foram a um acampamento de escotismo de bandeirantes perto de sua escola para um projeto de sala de aula sobre árvores locais. Lá, encontraram uma árvore com uma pequena placa indicativa de madeira com a inscrição “árvore da Lua”, escreveu Goble. Ela perguntou a Williams se ele poderia explicar mais sobre a curiosa designação e informar se existiam outras árvores da Lua.
“Respondi que nunca tinha ouvido falar sobre o assunto”, conta Williams, que ficou tão instigado com a pergunta que tomou para si pessoalmente a tarefa de pesquisar o que significavam árvores da Lua. “Perguntei por toda parte em Goddard — claro que ainda havia muita gente lá que trabalhou na época do programa Apollo”, afirma ele. “Perguntei a todos e ninguém tinha ouvido falar sobre as árvores da Lua.”
Williams fez pesquisas na Internet e pediu ajuda ao escritório de história da Nasa — uma busca que lhe rendeu os locais de aproximadamente meia dúzia de outras árvores da Lua e alguns velhos recortes de jornal que faziam referência às árvores da Lua da Apollo 14. Ele também encontrou um telegrama enviado em 1976 pelo então presidente dos Estados Unidos, Gerald Ford, para várias cerimônias de plantio de árvores da Lua em homenagem ao bicentenário da independência, em parte do qual estava escrito: “Minhas calorosas saudações àqueles que participarem dessa cerimônia única em homenagem a uma arvorezinha levada da Terra à Lua em 31 de janeiro de 1971 a bordo da Apollo 14. Essa árvore, transportada pelos astronautas Stuart Roosa, Alan Shepard e Edgar Mitchell em missão à Lua, é um símbolo vivo das espetaculares realizações da ciência e da humanidade.”
Williams informou Goble sobre sua descoberta e então teve uma ideia.
“Achei a história bastante interessante”, afirma ele, que então desenvolveu uma página no site de arquivos da Nasa onde é possível saber mais sobre as árvores da Lua da Apollo. Ele ainda pediu ajuda para a pesquisa. “Na parte inferior da página, escrevi: ‘se por acaso você souber da existência de uma árvore da Lua perto de você — já que não houve registro dos locais onde foram plantadas — envie um e-mail para mim informando a respeito’”, conta ele. “E, desde então, comecei a receber e-mails!”
A página de árvores da Lua de Williams ainda está bem ativa, com uma contagem atualmente de 80 árvores confirmadas. Algumas entradas, como a de um pinheiro-amarelo plantado na Casa Branca, estão marcadas com um asterisco para indicar que a árvore morreu. Já outras, como um abeto-de-Douglas que brotou no Capitólio do Estado em Salem, Oregon, continha um link com extensas informações sobre a árvore e sua localização.
Semeando os céus
Apesar de demonstrar que tudo indica que muitas das sementes se desenvolvem muito bem quando retornam à Terra, as árvores da Lua nunca foram oficialmente estudadas, portanto, não esclarecem muito os efeitos botânicos de um passeio curto ao redor da Lua. Felizmente, a NASA não se limitou às mudas.
Por exemplo, no Centro Espacial Kennedy na Flórida, os pesquisadores estão conduzindo sistematicamente experimentos com cultivos de culturas na Estação Espacial Internacional.
“Hoje, o maior desafio é a água e como regar as plantas”, afirma Gioia Massa, cientista do projeto de ciências da vida do centro. A solução atualmente empregada requer que os astronautas reguem manualmente com seringa as plantas no substrato de argila onde as sementes germinam. “É tudo manual e dá bastante trabalho”, afirma ela.
Mas a recompensa é adocicada, ou melhor, picante. Desde 2015, os astronautas podem comer tudo que cultivam, afirma Massa, e, no momento, o cardápio na ISS conta com couve-mizuna, uma hortaliça com sabor picante.
“Eles podem comer metade do que foi produzido”, explica Massa, “o restante é destinado à ciência.”
Um dos pontos estudados por Massa e sua equipe é a segurança alimentar. No ambiente fechado de uma estação espacial, o ecossistema é formado pelo homem, por plantas e micro-organismos e o equilíbrio é fundamental. Massa também estuda a composição química e nutricional das plantas e se o futuro cultivo de culturas em Marte poderia aproveitar o próprio solo e minerais do planeta vermelho (Saiba como os cientistas estão conduzindo na Antártica pesquisas sobre o cultivo de plantas no espaço).
Outro possível aspecto a considerar para o cultivo fora da Terra é o aproveitamento de um processo denominado evapotranspiração.
“Nesse processo, a água absorvida evapora das folhas das plantas sob a forma de vapor de água ultrapuro”, explica Massa. “É algo possível de coletar e reaproveitar, então podemos considerar as plantas como um componente imprescindível ao futuro sistema que permite a vida, sobretudo no longo prazo, em uma tentativa de se alcançar independência da Terra.”
Claro que ainda poderá demorar bastante até que o homem — e as árvores — possam se desenvolver em Marte. Contudo, por ora, os aspirantes a astronautas podem visitar as árvores da Lua e talvez se sentir um pouco mais perto dessa grandiosa aventura extraplanetária.