Encontrada a primeira zona sísmica ativa em Marte

A origem dos tremores estrondosos no Planeta Vermelho foi identificada como Cerberus Fossae, o que sugere que essa região geologicamente jovem ainda esteja ativa e formando rachaduras.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 8 de jan. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Várias fraturas profundas cortam a superfície repleta de crateras de Marte nesta imagem, tirada em janeiro ...
Várias fraturas profundas cortam a superfície repleta de crateras de Marte nesta imagem, tirada em janeiro de 2018, pela sonda Mars Express da Agência Espacial Europeia. Essas fendas fazem parte do sistema de Cerberus Fossae perto do equador marciano.
Image by Esa

A MILHÕES DE QUILÔMETROS de distância, um solitário robô geólogo permanece na superfície poeirenta de Marte, captando os tênues ecos sísmicos do subsolo. Seus sensores são sensíveis o suficiente para detectar o sopro do vento, o zumbido dos redemoinhos de terra, o rangido das rachaduras tectônicas e muitos outros estrondos que ricocheteiam através do interior do planeta.

Embora a maioria desses sinais seja formada por murmúrios indistintos, dois se destacaram em alto e bom som, permitindo que os cientistas localizassem sua origem: a primeira zona de falhas geológicas ativas já encontrada no Planeta Vermelho.

Conhecidos como martemotos, os fenômenos registraram magnitudes entre 3 e 4, segundo dados da sonda InSight da Nasa apresentados em uma conferência recente da União Geofísica dos Estados Unidos. Embora os dois terremotos tenham sido pequenos para os padrões da Terra, eles estão entre os maiores já detectados em Marte. Os cientistas conseguiram identificar a origem de ambos os terremotos como uma região conhecida como Cerberus Fossae, uma série de fendas profundas que se estendem por cerca de 1,6 mil quilômetros a leste da área de pouso da InSight.

Os resultados desse estudo aguardam publicação em um periódico com avaliação de especialistas e os cientistas associados à equipe da InSight se recusaram a comentar antes da publicação. Mas o anúncio dessa zona de falhas ativas a milhões de quilômetros de distância já causou alvoroço entre os cientistas da Terra.

“Todas as nossas expectativas e todos os nossos modelos para tentar explicar o grau de atividade de Marte agora podem ser comparados com essas medidas”, afirma Paul Byrne, geólogo planetário da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que não faz parte da equipe da InSight. “Marte ficou um pouco mais vivo para nós com esses dados.”

Não se sabe ao certo se, ou como, essa descoberta pode influenciar decisões sobre futuros assentamentos humanos no planeta vermelho. A atividade pode indicar uma possível fonte de exploração de energia geotérmica em Marte, embora o abalo sísmico — semelhante ao tremor causado pela passagem de um grande caminhão — possa representar um problema para a delicada instrumentação científica, afirma Tanya Harrison, cientista planetária especializada em Marte e a atual gerente de programas científicos da Planet Federal, empresa de satélites. Em geral, contudo, outros perigos provavelmente representam um risco maior para futuros aventureiros em Marte, observa Byrne.

No momento, os martemotos são um sinal promissor do que ainda está por vir na missão InSight, que busca entender a atual atividade tectônica de Marte, além de utilizar os pequenos tremores para mapear o interior do planeta, assim como um aparelho de ultrassom observa o interior de nosso corpo.

“É muito importante para o conhecimento científico sobre Marte”, afirma Harrison. “É totalmente incrível.”

Essa fratura de Cerberus Fossae atravessa colinas e crateras preexistentes, o que sugere que o sistema ...
Essa fratura de Cerberus Fossae atravessa colinas e crateras preexistentes, o que sugere que o sistema seja relativamente jovem. Os cientistas acreditam que tenha se formado há no máximo 10 milhões de anos. A inclinação na imagem foi gerada utilizando dados de canais estéreos em uma das câmeras da sonda Mars Express.
Image by Esa, Dlr, F.U. Berlin

Fendas geológicas

O emissário robótico conhecido como InSight pousou em Marte em novembro de 2018 carregando “o sismômetro mais sensível já colocado por nós em um planeta, pelo que sei”, afirma Christine Houser, sismóloga global do Earth-Life Science Institute do Instituto de Tecnologia de Tóquio. A sonda não detecta apenas “todos os rangidos e suspiros da crosta”, conta ela, mas também diversas mudanças nas condições atmosféricas. Um conjunto de detectores associados pode medir a pressão atmosférica, a velocidade do vento, a temperatura e muito mais, ajudando a distinguir martemotos de outros eventos.

Embora boa parte dos sons captados pelo sismômetro da InSight até agora seja do sopro do vento, algumas horas após o pôr do sol, a ventania cessa e aparecem outros sinais. Em 6 de abril de 2019, a InSight detectou seu primeiro abalo sísmico no interior do planeta e não em sua superfície barulhenta.

Desde então, a frequência dos abalos tem se intensificado cada vez mais — sendo detectados mais de 300. Mas é necessário mais monitoramento para descobrir a razão.

Os cientistas também não sabem ao certo qual mecanismo está provocando os diversos tremores internos em Marte. Na Terra, os terremotos geralmente decorrem do movimento interminável de placas tectônicas, em uma disputa por posição. Essa dança geológica cria tensão na crosta de nosso planeta que, ocasionalmente, atinge um ponto de ruptura. Alcançado esse ponto, a superfície pode se movimentar bruscamente, provocando um choque na forma de um terremoto.

Marte, no entanto, não possui placas tectônicas. Após sua formação, o planeta era uma massa de rocha derretida em brasa que acabou esfriando e formando uma crosta estável ao redor de um manto rochoso, ainda não se sabe a temperatura atual do interior do planeta. Embora vulcões tenham expelido lava em sua superfície, estão adormecidos há muito tempo. Mas os cientistas suspeitam que ainda existam bolsões de magma no subsolo, já que sua crosta estacionária pode agir como uma tampa sobre uma xícara fumegante de café, conservando o calor da formação do planeta, explica Houser.

Nessa hipótese, alguns martemotos podem ocorrer devido ao contínuo esfriamento e contração do planeta rochoso. Essa compressão pode romper a superfície nas chamadas falhas de cavalgamento, em que um bloco de terra é empurrado sobre o outro. Outros ainda podem ser provenientes das pressões sobre o magma ou a água através do subsolo marciano.

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    Borbulhas sob a superfície

    Não é possível saber o que exatamente está provocando a atividade mais recente da Cerberus Fossae sem mais dados da equipe da InSight, afirma Byrne, mas a história da região fornece algumas pistas.

    Acredita-se que Cerberus Fossae esteja entre as zonas de falhas mais jovens do planeta vermelho e sua abertura data de no máximo 10 milhões de anos. A pouca idade geológica é comprovada por vales profundos que cortam completamente as crateras mais antigas, apresentando paredes pontiagudas e quase verticais ainda não desgastadas pelo tempo. Também restam indícios de atividades recentes em termos geológicos: vários pedregulhos ao redor da região parecem ter sido removidos de sua posição original, deixando rastros no solo marciano.

    Essas fendas profundas podem ter se formado devido a uma borbulha de magma (talvez ligada aos vulcões imponentes, apesar de adormecidos, a noroeste), o que forçou o estiramento e rachadura do terreno. Algumas dessas fissuras parecem ter lançado suas próprias amplas camadas de rocha derretida.

    “Os fenômenos sísmicos detectados podem sugerir que a formação de rachaduras ainda esteja em andamento”, escreve por e-mail Misha Kreslavsky, cientista planetária da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, que não faz parte da equipe da InSight.

    Outros trechos da superfície rachada seguem até paisagens aparentemente esculpidas pela força de inundações, portanto, é possível que alguma borbulha de água no subsolo dessa região tenha provocado os terremotos, especula Byrne, embora ele também acredite que o magma seja o responsável mais plausível.

    Qualquer que seja sua origem, ainda assim os tremores oferecem indícios empolgantes de que a atividade em Cerberus Fossae não tenha necessariamente terminado: “a história dessa região continua a ser escrita”, afirma Byrne. “É simplesmente incrível.”

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