Primeira missão dos Emirados Árabes a Marte visa inspirar nova geração de cientistas espaciais

A sonda Hope chegará em fevereiro de 2021 e dará início a um estudo de dois anos sobre o clima do Planeta Vermelho.

Por Kareem Shaheen
Publicado 24 de jul. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Um foguete japonês H-IIA decola com a espaçonave Hope, um orbitador de Marte desenvolvido pelo Centro ...

Um foguete japonês H-IIA decola com a espaçonave Hope, um orbitador de Marte desenvolvido pelo Centro Espacial Mohammed Bin Rashid (MBRSC) nos Emirados Árabes Unidos.

Foto de The Yomiuri Shimbun, via AP Images

NAS PRIMEIRAS HORAS do dia 20 de julho em Tanegashima, uma pequena ilha no litoral sul de Kyushu, no Japão, um foguete com cerca de 53 metros ressoou e ergueu uma espaçonave na primeira etapa de uma viagem de mais de 492 milhões de quilômetros a Marte.

A espaçonave, no entanto, não é japonesa. Chamada de al-Amal, ou Hope em inglês (palavra que significa esperança), foi projetada e desenvolvida pelo Centro Espacial Mohammed Bin Rashid (MBRSC), nos Emirados Árabes Unidos. Agora separada com segurança do foguete japonês, a sonda acionará os próprios propulsores para sair da órbita terrestre a Marte em cerca de 28 dias, chegando em fevereiro de 2021 para cumprir a primeira viagem interplanetária empreendida por um país árabe.

“Foi um sentimento indescritível,” declarou Sarah al-Amiri, ministra de Ciências Avançadas no gabinete dos Emirados Árabes e diretora científica da missão Hope, após o lançamento. “Esse é o futuro dos Emirados Árabes.”

Duas outras nações exploradoras do espaço também estão aproveitando a janela do lançamento, que será realizado no verão, quando a Terra e Marte estão favoravelmente alinhadas, o que só acontece a cada 26 meses. A próxima iniciativa espacial da Nasa, o Perseverance, e o aterrissador e pequeno veículo chinês Tianwen-1 estão programados para serem lançados a Marte nos próximos dias, também chegando no início de 2021.

Duas imagens de Marte captadas com um mês de intervalo em 2001 pela sonda espacial Mars Global Surveyor da Nasa, antes e depois de uma tempestade de poeira que cobriu o planeta. O orbitador Hope, uma nova espaçonave dos Emirados Árabes, chegará a Marte em fevereiro de 2021 com o objetivo de estudar as tempestades de poeira e outros fenômenos atmosféricos.

Images by NASA, JPL, Msss

O orbitador Hope foi o primeiro a partir, decolando às 6h58 da manhã, hora local no Japão (17h58 do horário de verão oriental), no dia 19 de julho. A missão principal durará 687 dias — um ano em Marte — e estudará a atmosfera e os padrões climáticos do planeta.

Mas a missão também reflete uma ambição maior dos Emirados Árabes em impulsionar a inovação em ciência e tecnologia, além da diversificação da economia dessa pequena nação, porém rica em petróleo. Para os cientistas e líderes políticos dos Emirados Árabes, a missão representa um novo capítulo para esse pedaço do mundo historicamente forte em descobertas científicas.

“Nós, árabes, adoramos conectar as coisas à nossa herança e ao nosso passado, mas a Hope, de fato, representa o futuro,” afirma Nidhal Guessoum, astrofísico e professor da Universidade Americana de Sharjah, nos Emirados Árabes. “A Hope significa que estamos nos afastando dos conflitos e focando no desenvolvimento humano e econômico.”

Chegando a Marte no Jubileu de Ouro

A Missão a Marte dos Emirados (EMM) foi iniciada em 2014 pelo primeiro-ministro Sheik Mohammed bin Rashid Al Maktoum, de Dubai. Ele foi responsável pelo programa espacial do país, que lançou seu primeiro satélite em 2009 e enviou uma espaçonave a Marte antes do aniversário de 50 anos da fundação dos Emirados Árabes Unidos em 2 de dezembro de 2021.

“A maioria das pessoas supõe que é pelo prestígio, mas na verdade não é,” diz Guessoum. Ao focar na exploração do espaço, ele acrescenta, os líderes dos Emirados desejam inspirar uma nova geração de jovens árabes a seguir carreiras nas ciências, estimulando a concorrência em uma região assolada por inúmeros desafios. “A área das Ciências, Matemática, Engenharia e Tecnologia passa a ser a prioridade máxima.”

Os Emirados Árabes consistem em uma federação de sete territórios, ou emirados, no Golfo Pérsico. Nos últimos anos, o país tem buscado diversificar sua economia, à medida que as crises de mercado e as tendências globais evidenciaram a vulnerabilidade das nações do Golfo dependentes do petróleo — mesmo antes da pandemia do coronavírus provocar a queda nos preços do barril. Os líderes dos Emirados pretendem que a sonda Hope atue como um evento revolucionário, acelerando o país em direção a uma economia fundamentada em conhecimento e que retenha pesquisadores de nível internacional para trabalhar nas áreas científicas e tecnológicas.

A missão também carrega um grande simbolismo como a primeira viagem interplanetária empreendida por um país árabe. O legado da Idade de ouro islâmica — que começou no século 8 e presenciou grandes avanços por parte de cientistas árabes e muçulmanos em disciplinas como matemática, astronomia, medicina e filosofia — ainda detém grande poder emocional nessa região do mundo atualmente assolada pelo desemprego, extremismo, desalojamento, guerras civis e miséria.

O primeiro-ministro dos Emirados Árabes, Sheik Mohammed bin Rashid Al Maktoum, de Dubai, à esquerda no palco, discorre sobre a missão dos Emirados Árabes a Marte denominada Hope — ou al-Amal em árabe — durante uma cerimônia em Dubai em maio de 2015.

Foto de Mohammed Bin Rashid Space Centre

 “A nossa região costumava produzir conhecimento,” declara Omar Sharaf, diretor do projeto Hope. “Grande parte das tecnologias que usamos hoje em dia e a ciência atual se baseia nos resultados obtidos pelos cientistas da região, de diferentes origens e grupos étnicos.”

O voo interplanetário a Marte poderia estimular a competição entre países do Oriente Médio e do Norte da África para impulsionar o desenvolvimento de suas próprias indústrias do setor de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, afirma Sharaf. E, na tentativa de atrair um grande número de profissionais de toda a região, os Emirados lançaram recentemente um novo programa de recrutamento de pesquisadores árabes para treinamento em astronomia e ciência planetária. Os líderes da missão torcem para que essa iniciativa inspire os jovens dos países árabes a praticar a ciência, combatendo o apelo dos grupos extremistas e limitando a fuga de mentes brilhantes devido à emigração de cientistas para outras partes do mundo.

“Como criar, portanto, oportunidades por meio do conhecimento, que atua como o combustível da maioria das economias mundiais?” questiona al-Amiri. “Os heróis que devemos exaltar são aqueles que promovem a estabilidade ao desenvolveram trabalhos de impacto econômico na criação de empregos e oportunidades para os jovens.”

A Hope é a mais recente de diversos grandes avanços feitos pelo programa espacial dos Emirados Árabes Unidos. Em 2018, Hazza al-Mansouri tornou-se o primeiro emiradense a entrar em órbita, passando um pouco mais de uma semana na Estação Espacial Internacional. Ao retornar, ele participou de dezenas de palestras pelo país, e o programa de astronautas do país, criado em 2017, anunciou o ambicioso objetivo de estabelecer uma base formada por humanos em Marte até 2117.

Esses rápidos avanços no espaço, incluindo o lançamento em 2018 do primeiro satélite de observação da Terra construído inteiramente por engenheiros emiradenses, ocorrem, em grande parte, graças a uma postura excepcional de colaboração internacional.

Mentoria interplanetária

A missão Hope foi projetada para otimizar a transmissão de conhecimento aos jovens engenheiros e cientistas dos Emirados — uma equipe com uma média de idade de 27 anos. Para tanto, o programa espacial do país recorreu ao Laboratório de Física Atmosférica e Pesquisas Espaciais (LASP) da Universidade do Colorado em Boulder, que tem um longo histórico de construção de espaçonaves e instrumentos científicos, bem como à Universidade Estadual do Arizona e à Universidade da Califórnia em Berkeley.

O acordo, inspirado no trabalho anterior dos Emirados Árabes com a Coreia do Sul em seu primeiro satélite, ajudou os cientistas e técnicos dos Emirados a desenvolverem rapidamente as competências necessárias para a exploração de Marte.

Membros da equipe da Missão a Marte dos Emirados (EMM) posam para uma foto em frente à espaçonave Hope.

Foto de Mohammed Bin Rashid Space Centre

 “Os emiradenses decidiram seguir o caminho mais difícil,” declara Pete Withnell, coordenador do programa no LASP. “Eles queriam estar profundamente envolvidos em todos os níveis, desde a administração até a engenharia e em todas as outras áreas abrangidas.”

O período de seis anos que antecedeu o lançamento também envolveu o trabalho com a comunidade científica global para o desenvolvimento de um programa científico de Marte “completamente do zero,” conta al-Amiri. “Tivemos que desenvolver uma seção totalmente nova que era completamente desconhecida por nós, a ciência espacial.” A equipe científica da Hope é composta por 80% de mulheres, acrescenta ela, um número que reflete a alta porcentagem de mulheres que estudam ciências, tecnologia, engenharia e matemática entre os jovens emiradenses e nas universidades.

“Para nós, isso não é diferente nem está fora do padrão,” explica al-Amiri. “Se baseia no mérito.”

Mas a rápida corrida para o lançamento a tempo do aniversário de 50 anos dos Emirados Árabes Unidos quase foi em vão quando a pandemia da covid-19 fechou os aeroportos e desacelerou drasticamente as indústrias globais. “A missão estava em risco,” revela Sharaf.

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Ele e seus colegas decidiram agilizar a missão, enviando equipes avançadas para o local de lançamento no Japão com tempo suficiente para passar duas semanas em quarentena. A espaçonave foi enviada do Colorado para Dubai para os testes finais, depois para o aeroporto de Nagoya no Japão, e finalmente chegou de barcaça ao Centro Espacial Tanegashima.

Um verdadeiro satélite meteorológico marciano

O orbitador Hope está programado para chegar a Marte em fevereiro, iniciando uma órbita elíptica ao redor do equador a uma altura da superfície do planeta que varia entre 20 mil e 40 mil quilômetros. Voando mais alto que os satélites marcianos anteriores, a missão proporcionará uma visão única dos padrões climáticos globais do planeta.

“O sistema climático marciano é bastante complexo,” comenta François Forget, astrofísico francês e especialista em Marte que trabalhou com a equipe científica da Hope. Tem tempestades de poeira, por exemplo, que podem ser grandes o suficiente a ponto de engolir o planeta e bloquear o sol. A maior parte da fina atmosfera do planeta é composta de dióxido de carbono e uma porção substancial dela congela a cada inverno, formando nuvens de gelo de CO2 e calotas polares temporárias.

A maioria dos orbitadores de Marte voa ao redor dos polos, circulando suficientemente baixo para estudar a superfície de forma detalhada, mas limitando a visão dos padrões meteorológicos do globo. A órbita distante da Hope ao redor do equador permitirá que a nave monitore a dinâmica do planeta em larga escala ao longo das quatro estações do ano marciano.

“Conseguiremos visualizar tudo,” conta Forget.

Ao estudar as interações entre as atmosferas inferior e superior e medir a fuga de hidrogênio e oxigênio para o espaço, a missão vai esclarecer o antigo mistério de como Marte perdeu grande parte de sua atmosfera inicial e de sua água líquida, transformando-se de um planeta potencialmente habitável para o mundo estéril que conhecemos hoje. Sua órbita lhe permitirá observar o mesmo local continuamente por até 12 horas, oferecendo um vislumbre de fenômenos meteorológicos em tempo real, tais como o surgimento de tempestades de poeira.

Modelos atmosféricos detalhados também poderiam desempenhar um papel crucial em futuras missões tripuladas a Marte, fornecendo informações sobre a definição de locais de pouso, estratégias de sobrevivência na superfície e perspectivas sobre o ciclo hídrico do planeta. A capacidade de prever tempestades de poeira pode ser particularmente importante para os humanos interessados em decolar da superfície marciana e retornar para casa.

Para além das descobertas sobre Marte, a entrada no espaço interplanetário marca um salto científico para o mundo árabe — e um regresso à antiga condição.

“Todos conviviam e as pessoas aceitavam as diferenças,” conta Sharaf sobre o período de florescimento cultural e científico no Oriente Médio entre os séculos 8 e 14. “No momento em que deixamos de aceitar as diferenças, começamos a regredir.”

Sharaf tem esperanças de que o voo para Marte possa ser a faísca que acenderá os sonhos de uma nova geração. “A missão consiste em criar futuros heróis,” ele explica.

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