Possíveis micróbios na Fossa das Marianas sugerem vida na lua de Júpiter

Durante a expedição DEEPSEA CHALLENGE de 2012 com destino à parte mais profunda do oceano, cientistas avistaram tapetes filamentosos que podem ser comunidades de bactérias fixadas às rochas.

Por Nadia Drake
Publicado 26 de ago. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Estruturas filamentosas que se acreditam ser uma comunidade microbiana foram observadas em um afloramento rochoso no ...

Estruturas filamentosas que se acreditam ser uma comunidade microbiana foram observadas em um afloramento rochoso no Sirena Deep, cerca de 10,6 mil metros abaixo do nível do mar, durante a expedição DEEPSEA CHALLENGE de 2012 à Fossa das Marianas.

Foto de Kevin Peter Hand

Sempre que os cientistas procuram por vida nos cantos mais inóspitos da Terra — fontes termais ácidas, câmaras subterrâneas sufocantes e rochas de centenas de milhões de anos sob o fundo do mar —, frequentemente encontram micro-organismos adaptados a ambientes extremos. Pesquisas da expedição DEEPSEA CHALLENGE até o fundo da Fossa das Marianas sugerem que os reinos mais profundos do oceano também podem abrigar diversas estruturas de organismos.

Enquanto exploravam a porção Sirena Deep da fossa com um módulo de aterrissagem robótico, os cientistas descobriram o que acreditam ser evidências de uma próspera comunidade microbiana fixada às rochas do abismo. Micróbios e organismos maiores, como anfípodes semelhantes a camarões, já foram encontrados na lama da Fossa das Marianas.

Mas, ao contrário de outros seres vivos nesse reino aquático profundo, que sobrevivem da “neve marinha” proveniente de organismos mortos e detritos que descem para o leito do oceano, esses micróbios parecem se alimentar de substâncias químicas produzidas quando as rochas do fundo do mar reagem com a água, relatou a equipe na revista científica Deep-Sea Research I.

Por não dependerem de nenhuma vida acima deles, esses tapetes verdes e filamentosos afixados em afloramentos rochosos podem oferecer pistas sobre as formas de vida alienígena capazes de sobreviver nas profundezas do oceano de luas no sistema solar externo, como a lua Europa de Júpiter ou a lua Encélado de Saturno.

“É um vislumbre de como a vida pode existir a bilhões de quilômetros de distância de nós, neste momento”, diz um dos autores do estudo, cineasta e Explorador da National Geographic James Cameron por e-mail. “E também pode ser um vislumbre através do tempo, quatro bilhões de anos, até o início da vida em si.”

Os micróbios provavelmente representam a comunidade quimiossintética mais profunda já descoberta, que se alimenta das moléculas liberadas por processos geológicos a mais de dez quilômetros abaixo do nível do mar. “A descoberta desse suposto ecossistema microbiano que prospera devido à quimiossíntese na região mais profunda, escura e de maior pressão do oceano pode nos ajudar a entender uma possível habitabilidade no oceano de Europa”, diz Kevin Hand, astrobiólogo da Nasa, Explorador da National Geographic e principal autor do novo estudo.

No entanto, Hand e outros especialistas alertam que a descoberta, com base em imagens do fundo do mar e amostras de água e sedimentos, precisa ser confirmada com a coleta de uma amostra do material filamentoso.

“Eles não conseguiram uma amostra do tapete propriamente dito”, diz a geomicrobiologista Jenn Macalady, da Universidade Estadual da Pensilvânia, que já viu comunidades microbianas de aparência semelhante em cavernas subaquáticas, mas que não participou do novo estudo. Ainda assim, afirma ela, as manchas filamentosas provavelmente estão vivas.

“Já vi estruturas semelhantes em diversos lugares escuros e subterrâneos”, conta ela. “Parece um lodo que já vi em cavernas inundadas no Caribe.”

Viagem ao fundo do oceano

Perto de Guam, no oeste do Oceano Pacífico, a Fossa das Marianas é um abismo curvado localizado na junção tectônica, onde a gigantesca placa do Pacífico mergulha sob a placa de Mariana, que é menor. A fossa é tão profunda que se o Monte Everest fosse submerso, seu cume ficaria a mais de um quilômetro e meio da superfície. A forma de vida que sobrevive no local deve ser capaz de suportar a escuridão perpétua, temperaturas quase congelantes e pressões que ultrapassam mil vezes a da superfície da Terra.

Hand e Cameron viajaram para as águas acima da Fossa das Marianas em 2012 como parte de uma expedição financiada pela National Geographic. Durante a viagem, Cameron fez o primeiro mergulho solo na parte mais profunda da fossa, o ponto Challenger Deep. No fundo, cerca de 11 mil metros abaixo do nível do mar, ele encontrou uma paisagem marítima completamente sem graça, dominada por sedimentos beges flutuantes e esparsos sinais de vida.

“Não encontramos muita vida em escala visível no fundo do Challenger Deep”, diz Cameron. Mas posteriormente, durante a mesma expedição, a equipe lançou um módulo de aterrissagem operado remotamente, do tamanho de uma cabine telefônica, no Sirena Deep, uma parte vizinha da fossa que atinge profundidades de 10,6 mil metros. Eles escolheram esse local como destino — o terceiro mais profundo do oceano — porque é sismicamente ativo, possivelmente possui vulcões ativos e provavelmente é mais rico em nutrientes devido às correntes oceânicas do que outras partes da fossa.

Juntas, essas qualidades sugerem que o Sirena Deep pode abrigar “uma presença biológica mais vigorosa do que em qualquer outro lugar ao longo da Fossa das Marianas”, diz Patricia Fryer, da Universidade do Havaí, coautora do novo estudo que estudou de perto essa parte da fossa.

Imagem obtida por um microscópio eletrônico de varredura de uma amostra do Sirena Deep, na qual finos filamentos podem ser vistos em estreita associação com estruturas ricas em carbono, interpretada como uma possível evidência de grupos microbianos.

Foto de Kevin Peter Hand

Reações químicas nas profundezas

Após pousar em um declive, as câmeras a bordo do módulo de aterrissagem revelaram algo diferente de sedimentos escuros perto do fundo da fossa. Um monte de rochas — possivelmente um afloramento que se projetava através dos sedimentos ou uma pilha de tálus que havia caído de um penhasco acima — apareceu no campo de visão do módulo, nas águas profundas. De qualquer forma, as rochas teriam sido formadas no manto da Terra e empurradas para cima pela crosta em movimento.

“Até esse mergulho, não tínhamos sinais de rochas nativas reais — afloramentos ou rochas de tálus — a essa profundidade”, diz Hand. “Isso é importante porque queremos entender o contexto geológico e geoquímico do que pode estar colaborando com a sobrevivência de ecossistemas microbianos lá embaixo.”

Sem acesso à luz solar para fotossíntese, os micróbios encontraram outras estratégias para sobreviver. “Os micro-organismos são recicladores e aproveitam alimentos previamente produzidos” — por exemplo, alimentos que caíram das águas iluminadas pelo sol perto da superfície do mar — “ou vivem de rochas e elementos dissolvidos na água”, diz Macalady.

Micróbios do primeiro tipo já foram encontrados há décadas na Fossa das Marianas. Mas o novo estudo fornece evidências sobre o outro tipo de vida, que sobrevive de reações químicas com as rochas.

Em cavernas e outros cantos escuros do planeta, onde rochas ricas em ferro e magnésio entram em contato com a água do mar, uma reação química chamada serpentinização demonstrou alimentar o metabolismo de micróbios. A reação produz uma pequena porção de calor e gera compostos como o metano e o hidrogênio que podem alimentar o metabolismo microbiano.

“Comunidades bacterianas que vivem da serpentinização são um contexto totalmente diferente e podem existir até mesmo em locais onde vidas que dependem da energia solar não resistiriam”, diz Cameron.

A equipe descobriu sinais claros de serpentinização nas rochas do Sirena Deep, tanto na química da água do mar quanto em alterações visíveis nas próprias rochas. O local, portanto, parece ter o combustível de que os micróbios quimossintetizadores necessitam. E embora as pressões nessa parte do oceano sejam altas o suficiente para esmagar um submarino militar, os micróbios são tão pequenos que “não se abalam” com essas forças extremas, diz Penelope Boston, astrobióloga do Centro de Pesquisa Ames da Nasa, que não participou do estudo.

Imagens da vida

Quando a equipe analisou mais de perto as imagens capturadas pelo módulo, algo peculiar foi observado: filamentos esverdeados, pendentes e semelhantes a dedos, fixados às rochas. A equipe suspeita que esse aglomerado seja um tapete microbiano, uma estrutura complexa de muitas camadas de bactérias.

“Inicialmente, nos referimos a eles como as rochas barbudas do Sirena Deep porque se parecem com uma barba no fundo do oceano”, diz Hand.

A equipe suspeita que, se realmente forem tapetes microbianos, estão se alimentando apenas dos subprodutos químicos da serpentinização e sobrevivem independentemente da existência de matéria proveniente de regiões mais rasas. Dependendo apenas da energia e das substâncias químicas produzidas por processos geológicos no fundo do mar, esses micróbios podem ser semelhantes à primeira forma de vida na Terra — ou a micróbios que podem existir no oceano coberto de gelo da lua Europa de Júpiter. Lá, afirma Hand, as águas se estendem a 160 quilômetros de profundidade, mas a menor gravidade da lua cria quase a mesma pressão encontrada no fundo do mar da Terra.

“A descoberta de Sirena nos diz muito sobre o que podemos encontrar em oceanos fora da Terra, mas é apenas o primeiro vislumbre”, diz Cameron. “Ao estudarmos as enormes profundezas dos nossos próprios oceanos, aprenderemos a construir os veículos e os instrumentos necessários para explorar profundezas em outros planetas.”

Os supostos micróbios da Fossa das Marianas podem até ser a base de uma cadeia alimentar na parte mais profunda e mais escura do oceano, diz Hand, servindo de alimento para outras criaturas, como os anfípodes semelhantes aos camarões. Mas sem uma amostra do material filamentoso, os cientistas não conseguem afirmar com absoluta certeza se as estruturas são micróbios vivos.

“Passei muito tempo olhando o fundo do mar, pensando que um objeto fosse uma coisa ou outra, e muitas vezes me engano através das lentes de uma câmera, da escotilha ou algo assim”, diz Julie Huber, do Instituto Oceanográfico Woods Hole, que não participou do estudo. “Coletar e analisar fisicamente uma amostra é extremamente importante.”

Evidências tentadoras provenientes da água do mar coletada pelo módulo sugerem que existem diversas espécies microbianas perto das rochas filamentosas — espécies comuns em outras partes do oceano profundo, incluindo membros das famílias Rhodobacteraceae e Shewanellaceae.

“A Fossa das Marianas é muito profunda, mas se trata do fundo do oceano”, diz Boston. “Portanto, não é como se fosse um fundo do oceano diferente — é apenas um fundo do oceano mais profundo. Do ponto de vista dos micróbios, é provavelmente um ótimo lugar para morar.”

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