Nomes dos estados do Norte e do Centro-Oeste revelam histórias de um Brasil profundo

Fatos históricos, acidentes geográficos e expressões indígenas ajudam a explicar como chegamos às nomenclaturas singulares dessas regiões brasileiras.

Por João Paulo Vicente
Publicado 28 de ago. de 2018, 11:57 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
amazonas gregas
O Amazonas tem esse nome porque um português que navegou o rio homônimo no século 16 contou ter se deparado com um batalhão de mulheres guerreiras exímias no arco e flecha – assim como as amazonas gregas.
Foto de Maynard Owen Williams

O Amazonas é o único estado brasileiro cujo nome vem do grego. Pode parecer um contrassenso, afinal, a Floresta Amazônica é um dos grandes símbolos do Brasil, cheia de mistérios e sabedoria indígena, o estereótipo do país para estrangeiros que nunca colocaram os pés por aqui. Mas é verdade: durante uma expedição no século 16, o espanhol Francisco de Orellana encasquetou em ter visto uma tribo de guerreiras índias mulheres que lutavam bravamente, igualzinho o mito das amazonas gregas. Logo, rio das Amazonas.

A história está longe de ser desconhecida – o jornalista Eduardo Bueno, por exemplo, a resgatou em abril em seu canal no YouTube. Mas a realidade é que usamos tanto o nome dos estados brasileiros que nem nos atentamos mais para que existe uma história por trás de cada um deles. Fatos históricos, personagens, acidentes geográficos, expressões em tupi-guarani, questões religiosas e políticas são alguns dos fatores que ajudam a explicar como chegamos do Acre ao Tocantins.

(Relacionado: Marañón, Fernãoburgo e cyri-gi-pe: a origem dos nomes dos estados do Nordeste brasileiro)

Decidimos, então, contar essas histórias. Quer dizer, tentar. Em muitos casos, não há consenso sobre a origem dos nomes. “É preciso levar em conta o contexto histórico, econômico, social, palavras descritivas da região, enfim, não é possível partir de um só ponto”, diz Patricia Carvalhinhos, professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e especialista em onomástica, a ciência dos nomes.

Para desvendar as histórias por trás dos nomes dos estados brasileiros, a National Geographic publica uma série especial de reportagens dividida em três partes: Norte e Centro-Oeste, Nordeste, e Sul e Sudeste. Nesta, exploramos o Norte e Centro-Oeste do Brasil - regiões vizinhas, mas bastante diferentes. Enquanto a primeira tem nomes cuja origem remonta ainda ao século 16, o batismo dos estados do segundo demorou um pouco mais. Para começar de onde paramos, voltemos ao Amazonas.

(Relacionado: Religiosidade e geografia explicam nomes dos estados do Sul e do Sudeste do Brasil)

A história do Amazonas ficou conhecida a partir de um livro escrito pelo frei dominicano Gaspar de Carbajal, que viajou com Francisco de Orellana pela região das amazônias entre os anos de 1541 e 1542. “Quando Orellana e seus companheiros chegaram à ilha espanhola de Santo Domingo, relataram a batalha que tiveram na região correspondente ao médio Amazonas, perto do rio Nhamundá”, conta Auxiliomar Silva Ugarte, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Uma nova espécie é descoberta por dia na região da Amazônia
Estudo feito pela WWF e o Instituto Mamirauá, relatou que 381 novas espécies foram encontradas entre 2014 e 2015.

Mesmo no século 16, no entanto, outros exploradores já duvidavam do causo. Auxiliomar explica que Orellana convenceu os companheiros de viagem de que era capaz de conversar com qualquer índio. “O que temos de registro foi o que Carbajal acreditou da pretensa tradução que Orellana fez do que esse índio falava, ninguém sabe em que língua”, diz.

Antes de se tornar Amazonas, no entanto, o rio foi chamado de Marañón e depois de Orellano. Ainda durante o Império, em 1850, surgiu a Província do Amazonas. O nome do Pará, por sua vez, tem uma raiz tão velha quanto a do vizinho de cima, mas se tornou oficial bem antes.

O nome vem do tupi pa’ra, que significa algo como um corpo de água tão largo quanto o mar. “É um rio grande”, diz Patricia Carvalhinhos. “Há mapas, por exemplo, em que o rio São Francisco é chamado de pará”. O mesmo vocábulo por trás dos nomes do Paraná, Paraíba e Pernambuco.

No caso do estado do Pará, o rio não é um só, mas vários. “Na região de Belém, existe um encontro de muitas águas, o rio Pará, o Guamá, o próprio Tocantins, toda região ao sul da Ilha de Marajó”, afirma Auxiliomar. A água era tanta que, durante séculos, a área foi conhecida como Grão-Pará.

Estados novos, origem antiga

Mesmo no caso da unidade federativa mais nova do país, o Tocantins, a região Norte guarda nomes seculares. O estado, criado em 1988, traz no título uma referência ao rio que o cruza, por sua vez batizado em função da tribo que vivia em suas margens, os Tocantins. A expressão pode ser traduzida do tupi como ‘bico de tucano’.

Outras famílias linguísticas indígenas que não o tupi-guarani também foram o ponto de partida para a nomenclatura de estados do Norte. O Acre, por exemplo, segundo a narrativa oficial, é uma corruptela de Aquiri, versão aportuguesada de um rio chamado Uwákuru (ou Uakiry, o rio dos jacarés), pelos índios Ipuriná.

Reza a lenda que um comerciante chamado João Gabriel de Carvalho Melo, que morava na região no final do século 19, fez um pedido de mercadorias com a orientação para serem entregues na boca do rio Aquiri. Como sua letra era um garrancho, o interlocutor leu Acre. A versão é contestada, mas fato é que o Acre virou estado em 1962.

Roraima, por sua vez, veio dos índios Ianomâmi. É uma junção das palavras roro ou rora, que significa verde, e ímã, serra ou monte. Serras verdes refletem a geografia da região – não à toa, o maior marco geográfico da região, o Monte Roraima, tem o mesmo nome. Assim como Tocantins, também virou estado em 1988, mas alguns meses antes.

Já a origem do nome Amapá é bastante controversa. Há uma linha segundo a qual ele vem dos índios Aruaques, que assim chamavam uma árvore de seiva grossa até hoje comum na região. Outra corrente põe a raiz do termo no tupi, com significado de ‘lugar da chuva’. Uma terceira, ainda, traça o surgimento do nome ao nheengatu - dialeto falado por índios, escravos e europeus na Amazônia - com tradução para ‘terra que acaba’ ou ‘ilha’.

O professor Auxiliomar, da UFAM, levanta outras possibilidades. “O registro mais antigo é o relato de um inglês chamado Sir Walter Raleigh, do fim do século 16, em que ele chama essa área de confluência entre o Amapá e a Guiana Francesa de ‘Amapaia’. Com o tempo, o nome foi se simplificando, inclusive para designar essa espécie botânica”, diz.

O Amapá é outro que tornou-se estado em 1988, sete anos depois de Rondônia. Da mesma forma que o Amazonas, o nome não tem nada de indígena por trás de sua história. É uma homenagem ao Marechal Cândido Rondon, que explorou a região entre o final do século 19 e começo do século 20.

Matas, índios e capital

Segundo a historiografia oficial, em 1734, os irmãos Fernando e Artur Paes de Barros saíram à caça dos índios Parecis e acabaram encontrando um veio de ouro. Como o local ficava numa região de mata fechada, batizaram de Mina do Mato Grosso.

Paulo Cezar Vargas Freire, autor do livro História dos Antigos Domínios dos Ervais do Paraguai, ressalta que, na época, os nomes acompanhavam os exploradores e não eram totalmente originais. “Houve o transporte dos nomes, há um caminho. Se você olhar os mapas percebe isso, mas não identifica quem nomeou os lugares”, diz Paulo.

“Mato Grosso tinha em São Paulo, Campinas era Mato Grosso, aparece em outras cidades de São Paulo, aparece em Goiás, e só depois aparece por aqui em Mato Grosso mesmo”, conta. “Tem muito folclore em toponímias: fulano chegou, viu um monte de vaca e chamou de vacaria. Aí você vê no mapa e o nome já estava lá muito antes”.

Mato Grosso do Sul, como é fácil prever, foi uma adaptação da nomenclatura do estado ao qual a região fazia parte, até que foi desmembrada e virou unidade federativa em 1971. Paulo, morador de Campo Grande, conta que, na época, cogitou-se usar o nome da capital, mas a população não queria deixar de ser mato-grossense. Por pouco o Mato Grosso também não virou Mato Grosso do Norte.

Goiás, por sua vez, se refere aos índios Goyazes, de quem se sabe muito pouco. O curioso é que, ao que tudo indica, eles nunca puseram os pés por lá. “Os índios Goyazes estavam pouco acima de São Paulo, então existia a estrada dos Goyazes, passava por eles entre São Paulo e Mogi. Como se partia dessa estrada para chegar em Goiás, ficou assim”, explica Paulo.

Por fim, o Distrito Federal tem o nome mais burocrático entre os estados brasileiros, mas nem por isso é menos interessante. Brasília foi inaugurada em 1960, mas a discussão sobre mudar a sede do governo federal para o interior do país data do século 18, quando o Marquês de Pombal sugeriu ao rei de Portugal Dom João I levar a capital para Minas Gerais.

Outro fato histórico é a Comissão Cruls. No final do século 19, o astrônomo Luiz Cruls liderou um grupo cujo objetivo já era demarcar os limites de Brasília e do Distrito Federal.

Desse nome, pelo menos, ninguém tem dúvida.

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