Cenas da nova Guerra Fria se desenrolam no topo do mundo
Forças militares disputam o controle do Ártico, que derrete a cada dia.
EM UMA CALMA e ensolarada manhã de agosto de 2007, dois submersíveis russos desceram cerca de 4,2 mil metros no Oceano Ártico e fincaram uma bandeira feita de titânio no Polo Norte. Foi uma jogada ousada, realizada de forma teatral. As imagens da bandeira tricolor russa fincada no fundo do mar percorreram o mundo rapidamente, causando reprovação no Ocidente.
"Não estamos no século 15", disse Peter MacKay, então ministro das relações exteriores do Canadá, na emissora de televisão CTV. "Não podemos andar por aí e simplesmente colocar bandeiras e dizer 'Estamos reivindicando este território'".
MacKay estava tecnicamente certo: a façanha russa não tinha nenhum efeito legal. Contudo, a repreensão do ministro tinha um tom petulante, como se ele desejasse que a ideia tivesse sido do Canadá. Dez anos depois, fica mais fácil compreender a reação de MacKay. O ano de 2007 foi, na época, um dos anos mais quentes já registrados, e o bloco de gelo do verão ártico—enorme estrutura de gelo flutuante que cobre o Polo Norte até mesmo durante o verão—havia chegado ao menor nível já computado. O mar polar congelado, obstáculo à ambição humana há séculos, mostrou sinais de derretimento e a Rússia usou uma bandeira para reivindicar, de forma simbólica, o que quer que houvesse sob a lama de neve derretida.
"O verão de 2007 testemunhou o maior degelo ártico na história da humanidade, que não foi previsto nem mesmo pelos modelos climáticos mais agressivos", diz Jonathan Markowitz, professor assistente de relações internacionais na Universidade do Sul da Califórnia. "Esse choque fez com que todos compreendessem que o gelo estava desaparecendo em ritmo acelerado e algumas nações decidiram começar a agir".
Nos dez anos desde esse "evento chocante", o Ártico foi transformado pelo aumento das temperaturas, pelo derretimento do gelo e pela atenção internacional. Países com territórios no Ártico—e algumas nações que não fazem fronteira com a região polar—têm competido por vantagens nos limites do mundo. Empreendedores, garimpeiros e políticos, todos se voltaram para o norte, reconhecendo que menos gelo significa mais acesso às grandes reservas de peixes, gás, petróleo e outros recursos minerais da região.
"As previsões sobre o Oceano Ártico não se concretizaram", diz Michael Sfraga, diretor da Iniciativa Polar do Wilson Center, em Washington, D.C. "E, agora, há um oceano se abrindo diante de nós, em tempo real. Isso nunca aconteceu antes".
Contudo, os investimentos no Ártico têm sido desiguais e alguns países estão à frente de outros. A Rússia e a Noruega têm sido as nações árticas mais proativas, de acordo com Markowitz, fazendo investimentos pesados em infraestrutura para gás natural e petróleo. A frota da Rússia dedicada a operações no gelo é a maior do mundo, somando cerca de 61 navios quebra-gelo e navios adaptados para o gelo, com mais 10 em fase de construção. A frota de navios adaptados para o gelo da Noruega cresceu de 5 para 11 embarcações. Os estaleiros da Coreia do Sul estão sobrecarregados com a construção de navios de carga adaptados para o gelo e a China investiu bilhões na rede de gás natural líquido da Rússia.
Os chineses são conhecidos por serem investidores passivos. Contudo, as manobras que realizam no Ártico tendem a gerar algumas das mais comentadas notícias. Em 2016, uma mineradora chinesa tentou comprar uma base naval abandonada na Groenlândia. Em 2017, o primeiro navio chinês quebra-gelo navegou pela Passagem do Noroeste em uma missão científica. E, em 2018, o governo chinês publicou um artigo descrevendo seus planos para o Ártico—e sua intenção de se tornar mais atuante na região.
Outras nações árticas, incluindo os Estados Unidos, Canadá e Dinamarca, dão bem menos atenção a seus territórios do norte. Sfraga e outros chamaram os EUA de "potência ártica relutante", e Markowitz observa que, embora o Canadá frequentemente mencione que irá subir suas apostas no norte, há poucas ações por trás dessas palavras.
"Os interesses nacionais estão fortemente ligados a renda e receita", diz Markowitz. "Aquilo que os estados produzem influencia aquilo que eles retiram, e estados que produzem coisas—como os EUA—estão muito menos interessados em garantir recursos no Ártico. Por outro lado, os russos não produzem muitas coisas. Eles não possuem o Vale do Silício ou uma cidade como Nova York. Então, eles enxergam o Ártico como uma base estratégica de recursos no futuro".
O desequilíbrio nas abordagens envolvendo o Ártico preocupou alguns observadores e gerou notícias na mídia que frequentemente descrevem o Ártico como uma espécie de Velho Oeste, ou um frígido teatro, no qual os países assumirão uma posição de defesa na próxima Guerra Fria. A invasão da Crimeia pela Rússia em 2014 e as iniciativas constantes de domínio militar da China no Mar da China Meridional aumentaram as tensões.
Markowitz, que acompanha o desenvolvimento militar no Ártico há anos, afirma que a Rússia mantém 27 bases militares em operação acima do Círculo Ártico, mais do que o dobro do que possuía antes do "evento chocante" de 2007. Em contraste, os EUA mantêm apenas uma base no Ártico, uma instalação da força aérea em território emprestado, na Groenlândia. O Canadá, que perde apenas para a Rússia em termos de tamanho do seu território ao norte, possui somente três pequenas bases no Ártico.
Contudo, forças canadenses e norte-americanas operam bases logo ao sul do Círculo Ártico, no Alaska e nos Territórios do Noroeste, e Sfraga afirmou que ambas as nações são capazes de rapidamente enviar aviões, tropas e submarinos ao território ártico. Os dois países também estão gradualmente expandindo suas infraestruturas militares de atuação em climas frios. O Canadá está construindo uma base de reabastecimento naval na Ilha de Baffin, e os EUA anunciaram planos no início deste ano de reativar a Segunda Frota da Marinha, em contraponto às atividades russas no Atlântico Norte.
Enquanto isso, forças canadenses e norte-americanas, em conjunto com outros membros da OTAN, continuam a realizar treinamentos para conflitos em climas frios. Hoje, na Noruega, a OTAN estreou seu maior treinamento militar desde o fim da Guerra Fria—duas semanas de exercícios de guerra envolvendo 50 mil tropas de 31 países. Essa enorme operação, batizada de Trident Juncture (Junção Tridente, em tradução livre), simula um cenário no qual o norte da Noruega é invadido e convoca aliados para lutarem em sua defesa. Esta galeria de fotos revela como são extremas as condições no norte até mesmo durante treinamentos militares.
Ao passo que o inimigo imaginário na Trident Juncture não tenha sido denominado, a Noruega faz fronteira por terra e mar com a Rússia no Ártico, e a tensão entre os dois países tem aumentado nos últimos anos. Alguns observadores se preocupam com o fato de que futuras disputas entre os vizinhos sobre direitos de pesca ou mineração poderiam colocar a OTAN no centro de um conflito para o qual não está preparada.
Apesar de tudo, o Ártico continua sendo uma das regiões mais tranquilas do mundo, onde o contato entre os países é relativamente aberto e estável. A Rússia, a Noruega, os Estados Unidos e outros cinco países do Ártico são membros do Conselho do Ártico, um grupo formado em 1996 para incentivar a comunicação e a cooperação no Polo Norte. Até mesmo enquanto as forças OTAN se reúnem na Noruega, o conselho continua coordenando reuniões sobre a ciência do Ártico, questões ambientais e operações de busca e resgate.
Sfraga e Markowitz concordam que o Conselho do Ártico, que opera fora da estrutura militar da OTAN, seja um dos melhores caminhos para aliviar as tensões. Alguns especialistas também apontam que o Polo Sul—no qual um tratado internacional preserva a Antártida "para fins pacíficos apenas"—é um modelo para o que possivelmente poderia ser o Ártico.
Por enquanto, muitos analistas militares e políticos consideram o Ártico um campo de batalha improvável. O aquecimento global começou a transformar a região, mas os fatores que freiam a ambição e o desejo humanos no norte há centenas de anos continuam poderosos.
"Em caso de guerra no Ártico, você provavelmente estaria combatendo dois inimigos", disse o General de Brigada Mike Nixon no ano passado, na sede da Força-Tarefa Conjunta Norte do Canadá, em Yellowknife. "E o mais perigoso deles seria o frio".
Nixon foi cauteloso em dizer que a atividade militar da Rússia no Ártico permanece bem abaixo dos níveis da Guerra Fria e refutou a ideia de possíveis ocupações ou invasões de terra. O frio é muito intenso, afirmou ele, o bloco de gelo ainda é vasto e espesso, as distâncias no Polo Norte são enormes. Colocar uma bandeira no fundo do mar é uma coisa. Enviar tropas a regiões cobertas de gelo é outra.
"Se alguém realmente decidisse iniciar um ataque no Polo Norte", disse Nixon, "ele rapidamente se tornaria a maior operação de busca e resgate que o mundo já viu".