Deserto do Saara encobriu antiga cidade romana, preservando-a por séculos

Antigo e próspero posto militar no norte da África, Tamugadi ficou esquecida sob as areias, até um explorador escocês resolver procurá-la séculos depois.

Por Rubén Montoya
Publicado 12 de ago. de 2019, 20:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O Arco de Trajano, construído para homenagear o imperador romano, domina as ruínas de Tamugadi, localizada na Argélia moderna.
Foto de Ivan Vdovin, AGE Fotostock

Não é sempre que cidades inteiras somem sem deixar vestígios, mas foi exatamente o que aconteceu com o posto romano de Tamugadi. Fundada pelo imperador Trajano por volta de 100 d.C., a cidade, também conhecida como Timgad ou Tamugas, estava localizada na província norte-africana de Numídia.

Lar de veteranos da Terceira Legião de Augusto, Tamugadi prosperou durante centenas de anos e tornou-se, assim, um alvo atrativo para invasores. Após uma invasão dos vândalos em 430 d.C., sucessivos ataques enfraqueceram a cidade, que nunca se recuperou totalmente e foi abandonada durante os anos 700.

As areias do deserto entraram em ação e encobriram Tamugadi. Mil anos se passaram antes de a cidade receber a visita de uma equipe de exploradores liderada por um escocês aventureiro, por volta de 1700.

O teatro de Tamugadi foi construído no século 2 d.C. Retratado nesta foto de 1893, uma década após o início das escavações, ele ainda estava incrivelmente bem preservado. Biblioteca do Instituto Francês, Paris.
Foto de Gérard Blot, TMN-Grand Palais

Representante do governo e intelectual

Hoje em dia mais conhecido por sua controversa descoberta da nascente do Nilo Azul, na Etiópia, o nobre escocês James Bruce ocupava o cargo de cônsul britânico na cidade costeira de Argel (atual capital da Argélia), em 1763.

Imponentemente alto e encorpado, Bruce era um intelectual voraz, de mente curiosa. Antes de sua chegada a Argel para assumir o cargo, ele passou alguns meses na Itália pesquisando sobre a história da região africana e seu papel na antiguidade.

O pavio curto e as opiniões fortes de Bruce logo causaram conflitos com seus superiores em Londres. Em 1765, ele foi exonerado e, em vez de voltar para a Grã-Bretanha, ele e um artista de Florença chamado Luigi Balugani embarcaram em uma aventura pela África. Durante a jornada, suas anotações e ilustrações retrataram as pessoas e os lugares extraordinários que conheceram.

Um tempo no deserto

Nos estágios iniciais dessa odisseia, eles haviam viajado ao sul do deserto argelino para procurar vestígios de civilizações antigas. Bruce e Balugani já haviam visto várias ruínas romanas, pois exploraram as mais remotas áreas da região.

Em 12 de dezembro de 1765, eles chegaram ao local que identificaram como sendo Tamugadi. Muitos acreditam que eles foram os primeiros europeus, após séculos, a visitar o local, próximo à encosta norte das montanhas Aurés. “Era uma cidade pequena, mas repleta de construções elegantes”, escreveu Bruce em seus diários. Ele estava convencido de que essas ruínas eram o que havia sobrado da cidade fundada por Trajano mais de um milênio atrás.

Este mosaico do século 4, que retrata o deus romano dos mares, Netuno, em uma carruagem puxada por hipocampos (seres mitológicos metade cavalo e metade peixe), foi encontrado em uma casa de banho no leste de Tamugadi. Museu Arqueológico, Tamugadi.
Foto de Dea, Album

No primeiro dia, Bruce descreveu e Balugani desenhou “o arco triunfal” de Trajano. Eles voltaram no dia seguinte para continuar a exploração e identificaram um anfiteatro. Bruce removeu a areia e revelou esculturas do imperador romano que sucedeu a Adriano em 138 d.C., Antonino Pio, e sua esposa, Faustina, a Maior, trabalhos que ele descreveu como de uma “beleza refinada”.

Bruce enterrou novamente as esculturas na areia e continuou viajando. Ele documentou outros locais por todo o norte da África e Etiópia, alegando ter encontrado a nascente do Nilo Azul. Balugani faleceu em 1770 e Bruce voltou a Londres em 1774. Quando ele relatou suas descobertas, elas foram recebidas com ceticismo e descrença. Incrédulo com tal reação, Bruce permaneceu recluso na Escócia. Em 1780, começou a escrever memórias da época em que passou na África, uma obra de cinco volumes intitulada Travels to Discover the Source of the Nile (Viagens para descobrir a nascente do Nilo, em tradução livre). O livro foi publicado em 1790. Quando Bruce faleceu, quatro anos depois, a maior parte dos britânicos ainda se recusava a reconhecer suas proezas.

Esplendor romano

Tamugadi permaneceu completamente esquecida nas areias do deserto até 1875, quando foi visitada por Robert Lambert Playfair, cônsul britânico em Argel. Em seu livro de 1877, Travels in the Footsteps of Bruce in Algeria and Tunis (Viajando pelos caminhos de Bruce na Argélia e Tunísia, em tradução livre), Playfair fez uma homenagem a seu antecessor consular, visitando alguns dos locais que Bruce havia registrado.

A descrição de Tamugadi feita por Playfair apresenta mais detalhes do que a de Bruce. Suas observações revelaram a importância regional da cidade, indicando que foi construída na interseção de seis estradas romanas. Na opinião de Playfair, a arquitetura superava a da cidade romana vizinha Lambésis, capital militar da Núbia. Playfair concluiu que Tamugadi foi um “centro de atividade comercial e agrícola”.

Ele também admirou a magnificência do Arco de Trajano na cidade. No chão debaixo do portal de mais de seis metros de altura ainda se pode ver o desgaste causado pelo tráfego das movimentadas estradas imperiais que cruzavam a cidade.

Os franceses assumiram o controle da área em 1881, alguns anos após a visita de Playfair, e mantiveram sua presença até 1960. Durante esse período, o local foi sistematicamente escavado. Por ter ficado encoberta durante séculos sob a areia e sem que nada fosse construído sobre ela, Tamugadi é uma das poucas cidades romanas escavadas em sua totalidade.

De grão em grão

A pesquisa realizada por Playfair e por acadêmicos franceses permitiu que os historiadores reconstituíssem a história da cidade. Originalmente chamada de Colonia Marciana Trajana Thamurga, em homenagem à irmã do Imperador Trajano, Tamugadi foi construída para que suas ruas tivessem uma disposição ortogonal.

Na metade do século 3 d.C., a população da cidade atingiu o auge de 15 mil habitantes. Eles desfrutavam de belas instalações públicas, incluindo uma biblioteca impressionante e um total de 14 casas de banho. O conforto das construções de Tamugadi e a presença de mosaicos muitas vezes levam a comparações com Pompeia.

A localização da cidade era estratégica para proteger as fronteiras do sul do Império Romano. O norte da África era um centro de produção de grãos e a Terceira Legião de Augusto de Roma ficou posicionada em Tamugadi para proteger os grãos e seu transporte a Roma. Diversas centenas de homens eram dispensados da legião a cada dois anos e se instalavam em Tamugadi como uma forma de pagamento pelos seus serviços. A presença deles também servia como um empecilho aos invasores.

A cidade era uma manifestação do poder romano na fronteira sul do império. Em sua população marcada pela diversidade, pessoas que veneravam deuses antigos conviviam com cristãos. Por um tempo, foi um reduto da seita de cristãos hereges, os Donatistas.

A crise geral que se acumulava nas fronteiras do Império Romano acabou atingindo Tamugadi. Após ser saqueada pelos vândalos durante o século 5, a cidade começou a entrar em ruínas. Depois da queda do Império Romano ocidental, Tamugadi vivenciou um breve ressurgimento como centro do cristianismo e um forte foi construído nos arredores da cidade, em 539. Porém, a cidade foi abandonada antes ou durante as invasões árabes dos anos 700.

A partir de então, o Saara foi encobrindo Tamugadi pouco a pouco, que permaneceu oculta por mil anos até James Bruce e outros exploradores redescobrirem sua glória enterrada. Em 1982, Tamugadi foi considerada patrimônio mundial pela Unesco.

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