Ossos revelam complexidades sociais “invisíveis” em antigos lares europeus

Análise de DNA e isótopos de moradores da Alemanha há cerca de 4 mil anos revelam ligações inesperadas entre propriedades rurais da Idade do Bronze.

Por Megan Gannon
Publicado 29 de out. de 2019, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Enquanto os arqueólogos começam a notar sinais de desigualdade social em sepulturas “com” e “sem objetos” ...
Enquanto os arqueólogos começam a notar sinais de desigualdade social em sepulturas “com” e “sem objetos” na Idade do Bronze, novas análises científicas ajudam a destacar as diferenças genéticas e geográficas em populações de uma mesma propriedade.
Foto de Schellhorn, ullstein image, Getty

OS PRIMEIROS INDÍCIOS da desigualdade social na Europa surgiram durante a Idade do Bronze, com o aparecimento de túmulos para a elite, alguns repletos de objetos de luxo. É fácil imaginar a existência de ricos e pobres em uma população, mas uma nova análise de antigas sepulturas no sul da Alemanha sugere que disparidades em termos de patrimônio existiam inclusive na mesma residência, com ricos e pobres vivendo sob o mesmo teto.

Uma equipe de pesquisadores recentemente voltou sua atenção aos cemitérios pré-históricos do Vale de Lech, na Baviera. Há 4 mil anos, o vale estava repleto de propriedades da Idade do Bronze, localizadas de forma dispersa, em vez de vilas fortificadas e lotadas. Cada residência ocupava uma aldeia individual, com algumas construções utilizadas como moradias, armazéns e um pequeno cemitério.

A equipe analisou mais de cem sepulturas descobertas por arqueólogos nessas propriedades, datadas do período Neolítico (há cerca de 5 mil anos) até a Idade do Bronze Média (há cerca de 3,3 mil anos).

Utilizando dados de DNA antigo, os pesquisadores reconstruíram as árvores genealógicas das famílias. Com a análise de isótopos dos esqueletos, os cientistas conseguiram entender onde tinham crescido os indivíduos e o quanto viajaram durante sua vida. Os pesquisadores também consideraram como foram sepultados os mortos e a utilização de objetos funerários como símbolo de riqueza da pessoa durante a vida.

Alguns padrões intrigantes se sobressaíram com os resultados, afirmou Alissa Mittnik, geneticista da Escola de Medicina de Harvard e coautora do estudo publicado no periódico Science. Os cemitérios de toda propriedade eram ocupados, em geral, por uma família principal que ali permanecia por quatro ou cinco gerações. Os membros da família normalmente eram sepultados um ao lado do outro e ostentavam mais sinais de riqueza, como ornamentos e armas, em seus túmulos. Ao que parece, o direito à propriedade era passado pela linhagem masculina, pois as únicas relações entre pais e seus descendentes, observadas nas sepulturas, foram entre pais e filhos homens.

Cerca de 60% das mulheres sepultadas nas propriedades do Vale de Lech foram classificadas como “estrangeiras”, pois não possuíam vínculos genéticos com todos os demais indivíduos da amostra, e suas assinaturas isotópicas sugeriram que elas chegavam ao Vale de Lech provindas de várias regiões a centenas de quilômetros de distância. Essas mulheres “estrangeiras”, no entanto, foram sepultadas com o mesmo tipo de objetos funerários que as moradoras de elevadas posições sociais.

“Ainda estamos nos perguntando sobre a identidade e o papel dessas mulheres nessas comunidades”, afirma Mittnik. “Uma das teorias é a de que podem ser mulheres de alta posição social provindas de longe, que podem ter se casado com membros das famílias locais”. Nenhuma filha adulta de homens da família principal foi encontrada nos locais, sugerindo que as mulheres que cresceram nessas propriedades podem ter se mudado para se casar também. Esse padrão condiz com as descobertas anteriores de Mittnik e seus colegas publicadas em 2017.

Por outro lado, os indivíduos sepultados sem objetos funerários de valor geralmente eram moradores sem parentesco genético com as famílias principais das propriedades.

“Acreditamos que esses indivíduos fossem possivelmente servos ou talvez até escravos”, presume Mittnik, em vista da falta de bens para a vida após a morte em comparação com os outros sepultamentos nos cemitérios. “Isso nos fornece um primeiro panorama sobre um tipo de família socialmente complexa na pré-história. Nesse cenário, agora é possível notar certa desigualdade social que antes não estava tão nítida”. Os pesquisadores imaginam que a estrutura social nessas residências poderia ter sido semelhante à das famílias que viveram 1,5 mil anos mais tarde na Grécia e Roma antigas, quando eram comum a existência de empregados domésticos e escravos.

“Essas amostras provêm de uma época em que não havia escrita; então, conseguimos um retrato muito mais aprimorado da dinâmica da comunidade além do que é possível obter com dados arqueológicos isolados”, afirma Krishna Veeramah, geneticista da Universidade Stony Brook, em Nova York, que não participou do estudo, mas que utilizou DNA antigo para estudar populações bávaras de períodos posteriores. “Com essa intrincada abordagem, agora é possível começar a utilizar DNA antigo para entender profundamente o que realmente ocorria nas comunidades dessas culturas antigas.”

Michael Smith, arqueólogo da Universidade Estadual do Arizona que estuda a desigualdade histórica em outras regiões do mundo, afirma que não é uma surpresa ver pessoas além da família imediata vivendo em uma única casa, e fez ressalvas sobre presumir que pessoas de fora da comunidade fossem escravos ou servos. No entanto ele ficou empolgado com os resultados.

“Acredito que seja muito promissora a ideia de poder utilizar evidências de DNA para analisar os parentescos e as desigualdades locais, e seria ótimo encontrar mais casos para conduzir esse tipo de análise”, afirma Smith.

Por ora, os resultados podem ter trazido mais perguntas do que respostas. Os pesquisadores não conseguiram identificar filhos de mulheres estrangeiras, por exemplo. Se essas mulheres eram de fato noivas estrangeiras, o que aconteceu com seus filhos? Esse é um mistério que Mittnik e seus colegas ainda precisam desvendar, embora especulem que os filhos podem ter sido utilizados em algum tipo de troca.

“Esses filhos podem ter sido enviados de volta às comunidades originais das mães, possivelmente como uma forma de reforçar laços comerciais, conjugais ou culturais a longas distâncias”, especula ela.

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