Parece notícia falsa, mas lavar as mãos já foi uma recomendação médica controversa
Todos sabem que lavar as mãos é uma medida simples que gera um impacto positivo na nossa saúde, mas nem sempre foi assim. Na década de 1840, defender a ideia custou a carreira de um médico.
Para evitar a propagação de doenças, como as causadas pelos vírus influenza e coronavírus, talvez a medida menos controversa — e mais eficaz — seja lavar as mãos. O Centro para o Controle de Doenças recomenda lavar as mãos por 20 segundos com água e sabão, mas essa recomendação nem sempre foi um consenso. No século 19, era algo impensável.
Na Europa, na década de 1840, muitas puérperas estavam morrendo de uma doença conhecida como febre puerperal ou febre do parto. Mesmo sob os melhores cuidados médicos disponíveis, as mulheres adoeciam e morriam logo após o parto. O médico húngaro Ignaz Semmelweis ficou intrigado com o problema e foi em busca das causas.
Semmelweis trabalhava no Hospital Geral de Viena, na Áustria, que dispunha de duas maternidades distintas: uma assistida por médicos do sexo masculino e outra por parteiras. Ele observou que a taxa de mortalidade por febre era muito menor quando as parteiras conduziam os partos. As mulheres que estavam sob os cuidados de médicos e estudantes de medicina estavam morrendo a uma taxa duas vezes maior que a de pacientes assistidas por parteiras.
O médico testou várias hipóteses para o fenômeno. Semmelweis investigou se a posição corporal da mulher durante o parto exercia alguma influência. Ele estudou se o constrangimento de ser examinada por um médico do sexo masculino estava causando a febre. Imaginou que talvez os padres que atendiam as pacientes à beira da morte estavam matando as novas mães de susto. Semmelweis avaliou cada fator e descartou todos.
Partículas e patógenos
Depois de descartar muitas variáveis, Semmelweis encontrou o culpado: cadáveres. Pela manhã, no hospital, os médicos observavam e auxiliavam seus alunos com procedimentos de autópsia como parte das atividades de treinamento médico. Posteriormente, à tarde, os médicos e os alunos trabalhavam na maternidade examinando pacientes e realizando partos. As parteiras não tinham contato com as autópsias: elas trabalhavam somente na maternidade.
Semmelweis levantou a hipótese de que “partículas cadavéricas” estavam sendo transferidas dos cadáveres para as puérperas pelos médicos e seus alunos. Os médicos não lavavam as mãos entre um atendimento e outro, prática comum hoje em dia. Todos os patógenos com os quais entravam em contato durante uma autópsia eram levados para a maternidade.
A teoria dos germes ainda era muito incipiente (os cientistas Louis Pasteur e Joseph Lister estavam a poucas décadas de realizar seus influentes trabalhos), então, em vez de “germes”, Semmelweis chamou os agentes de “matéria orgânica animal em decomposição”. As mulheres eram infectadas com as partículas e morriam de febre após o contato com os médicos.
Mostre as mãos
Em 1847, Semmelweis implementou um procedimento obrigatório de higienização das mãos entre os estudantes e médicos que trabalhavam para ele no Hospital Geral de Viena. Em vez de confiar no sabão comum, Semmelweis usava uma solução de hipoclorito de cálcio porque a substância removia totalmente o odor de decomposição que permanecia nas mãos dos médicos. Os profissionais começaram a higienizar a si mesmos e seus instrumentos. A taxa de mortalidade na maternidade administrada pelos médicos despencou.
Na primavera de 1850, Semmelweis subiu ao palco da prestigiada Sociedade Médica de Viena e exaltou, para um grande público composto por médicos, os benefícios de se higienizar as mãos. Sua teoria não foi bem recebida em vista dos conhecimentos médicos da época e foi rejeitada pela comunidade médica, que criticou sua ciência e sua lógica. Historiadores acreditam que os médicos da época também rejeitaram a teoria porque, de acordo com ela, eles eram os culpados pela morte de suas pacientes. Apesar de ter revertido as taxas de mortalidade nas maternidades, o Hospital de Viena abandonou a lavagem obrigatória das mãos.
Os anos seguintes foram difíceis para Semmelweis. O médico deixou Viena e foi para Peste, na Hungria, onde também trabalhou em uma maternidade. Ele instituiu no local sua prática de lavar as mãos e, como em Viena, reduziu drasticamente a taxa de mortalidade materna. No entanto, seu sucesso em salvar vidas não fez com que suas ideias fossem aceitas.
Semmelweis publicou artigos sobre higienização das mãos em 1858 e 1860, seguido de um livro um ano depois, mas mesmo assim suas teorias não foram adotadas pelo sistema. Seu livro foi amplamente condenado por médicos que tinham outras teorias para explicar a propagação contínua da febre do parto.
Alguns anos depois, a saúde de Semmelweis começou a se deteriorar. Alguns acreditam que ele sofria de sífilis ou doença de Alzheimer. Ele foi internado em uma instituição mental e morreu pouco tempo depois, possivelmente devido a sepse causada por uma ferida infectada na mão.
A redenção de um médico
Em 1867, dois anos após a morte de Semmelweis, o cirurgião escocês Joseph Lister também propôs a higienização das mãos e dos instrumentos cirúrgicos para impedir a transmissão de doenças infecciosas. Suas ideias também foram criticadas, mas na década de 1870, os médicos começaram a adotar o procedimento de higienização regularmente antes das cirurgias.
Pouco tempo depois, outros começaram a reconhecer o trabalho inédito de Semmelweis. Posteriormente, seu trabalho ajudou Louis Pasteur a desenvolver a teoria dos germes, que mudou a maneira como os médicos cuidam de seus pacientes e investigam a causa e a propagação de doenças.
Os cirurgiões começaram a adotar medidas de higienização na década de 1870, mas a importância da lavagem diária das mãos não se tornou universal até mais de um século depois. Somente na década de 1980, a higiene das mãos foi oficialmente incorporada aos cuidados de saúde nos Estados Unidos, com a criação das primeiras diretrizes nacionais de higienização das mãos. Mais de um século depois de as teorias de Semmelweis terem sido ridicularizadas, a Universidade de Medicina de Budapeste mudou seu nome para Universidade Semmelweis, em homenagem à sua persistência não reconhecida em melhorar a saúde por meio da higiene.