Restos mortais de vikings revelam que suas raízes genéticas são inesperadamente diversificadas

Em nossa visão moderna, esses antigos navegantes integravam um grupo bastante homogêneo, mas, na realidade, sua composição era bem mais complexa.

Por Erin Blakemore
Publicado 17 de set. de 2020, 16:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Pessoas em armaduras reencenam preparação para um combate iminente durante o Festival de Eslavos e Vikings ...

Pessoas em armaduras reencenam preparação para um combate iminente durante o Festival de Eslavos e Vikings em Wolin, na Polônia. Os vikings instigam a imaginação popular e sua história é mais complexa do que muitos supõem.

Foto de David Guttenfelder, Nat Geo Image Collection

No imaginário popular, os vikings eram guerreiros escandinavos fortes e loiros que saqueavam as costas do norte da Europa em elegantes navios de guerra feitos de madeira. Contudo, apesar das antigas sagas sobre célebres marinheiros aventureiros com linhagens complexas, ainda persiste um mito preconceituoso e difícil de ser abandonado de que os vikings eram um grupo étnico ou regional inconfundível, formado por pessoas de uma linhagem genética “pura”. O icônico capacete “viking” é uma ficção criada durante os movimentos nacionalistas da Europa no fim do século 19. No entanto permanece um símbolo usado entre vários grupos supremacistas brancos atuais que exploram a suposta superioridade dos vikings como um artifício para justificar o ódio, perpetuando o estereótipo.

Agora, amplo estudo sobre DNA antigo publicado na revista científica Nature está revelando a verdadeira diversidade genética daqueles que chamamos de vikings, confirmando e enriquecendo o que as evidências históricas e arqueológicas já indicavam sobre esse grupo cosmopolita e politicamente poderoso de comerciantes e exploradores.

O DNA extraído do esqueleto de uma mulher chamada Kata, encontrado em um cemitério viking em Varnhem, na Suécia, foi sequenciado como parte do estudo publicado na revista científica Nature.

Foto de Västergötlands Museum

Origens obscuras

Quem eram os vikings? A resposta nunca foi simples. O próprio termo viking é contestado: em inglês, tem origem na palavra víking em nórdico antigo, que possui diferentes significados, como invasão, exploração e pirataria. Geralmente empregado por aqueles que sofriam os ataques violentos, o termo descreve grupos de marinheiros escandinavos entre 750 d.C. e 1050 d.C. — período atualmente conhecido como a Era Viking.

O estudo publicado na Nature reúne dados genéticos de 442 pessoas com restos mortais datados entre 2400 a.C. e 1600 d.C. — todos enterrados em regiões conhecidas pela presença de vikings. Alguns locais de sepultamento eram simplesmente locais de passagem, como a Groenlândia; já outros sepultamentos continham artefatos em estilo escandinavo como moedas, armas e até barcos inteiros.

Foi um grande desafio logístico reunir as centenas de amostras de relíquias provenientes de mais de 80 sítios arqueológicos no norte da Europa, Itália e Groenlândia. Após essa empreitada, foi analisado o extenso volume de informações extraídas de restos humanos. “Não imaginava o tamanho do desafio computacional representado por esse conjunto de dados”, afirma Eske Willerslev, geneticista evolucionário, professor de ecologia e evolução da Universidade de Copenhague e diretor de seu Centro de Excelência em Genética, que liderou o projeto do genoma viking.

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    Artefatos vikings, como essas espadas encontradas em sítios arqueológicos na região atual da Noruega, são utilizados por arqueólogos para estudar antigas expedições vikings.

    Foto de Museum of Cultural History, University of Oslo, Norway, Eirik Irgens Johnsen

    Conexões remotas

    A análise de DNA revelou que os vikings eram um grupo diversificado, descendente de caçadores-coletores, de agricultores e de populações das estepes eurasianas. A pesquisa também aponta três locais principais com diversidade genética onde havia miscigenação entre pessoas de diferentes regiões nessa época: o primeiro local fica na atual região da Dinamarca e os dois restantes, nas ilhas de Gotland e Ötland, na atual região da Suécia. Acredita-se que os três locais foram importantes centros de comércio na época.

    Entretanto, embora os vikings tenham partido originalmente da Escandinávia (e, em alguns casos, retornado à região), a análise genética revela uma maior interação fora do centro escandinavo do que nessa região, mostrando que eles se misturavam com diversos povos ao longo de suas expedições remotas.

    “Ficou bastante evidente pela análise genética que os vikings não são um grupo homogêneo”, afirma Willerslev. “Muitos vikings são indivíduos miscigenados”, com ancestrais tanto do sul da Europa quanto da Escandinávia, por exemplo, ou até mesmo mestiços entre samis (indígenas escandinavos) e ancestrais europeus.

    “Foram encontradas até mesmo pessoas enterradas na Escócia com objetos e espadas vikings sem nenhuma origem genética escandinava”, acrescenta.

    Willerslev afirma que os resultados provam que o fenômeno viking não foi puramente escandinavo. “Tem origem na Escandinávia, mas se dispersou e se associou com outros grupos em todo o mundo.”

    Vala comum com cerca de 50 vikings decepados em um sítio arqueológico em Dorset, no Reino Unido. Alguns desses restos mortais foram utilizados para a análise de DNA publicada recentemente na Nature.

    Foto de Dorset County Council, Oxford Archaeology

    Sem vínculo com etnia

    Os indivíduos analisados também não possuem tantas semelhanças com os escandinavos atuais como seria de imaginar. Apenas entre 15 e 30% dos suecos atuais compartilham antepassados com os indivíduos estudados que viveram na mesma região há 1,3 mil anos, sugerindo uma migração e miscigenação ainda maiores após a Era Viking. Nem mesmo os moradores da região durante a Era Viking se encaixavam no estereótipo escandinavo: os indivíduos antigos, por exemplo, tinham, em geral, cabelos e olhos mais escuros do que qualquer grupo aleatório de dinamarqueses modernos.

    Os dados genéticos confirmam antigas suspeitas dos pesquisadores formuladas a partir de evidências históricas e arqueológicas, que retratam os vikings como um grupo diversificado sem vínculo com uma nação ou etnia única. “É um estudo incrível”, afirma Jesse Byock, arqueólogo, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles e líder do Projeto Arqueológico de Mosfell na Islândia, que não participou da pesquisa genética. “O estudo fornece novas informações, mas reitera quase tudo o que já sabíamos sobre a Era Viking.”

    Davide Zori, professor assistente de história e arqueologia da Universidade Baylor, que não participou do estudo, concorda. “Estamos começando a constatar que os vikings não eram um grupo de homens, todos parecidos, loiros, barbudos e com o tórax amplo”, afirma ele. “De certa forma, essa informação já estava disponível a partir de algumas fontes.”

    Para Miguel Vilar,  que já trabalhou como gestor de programas na National Geographic Society, não é surpreendente o fato de as descobertas revelarem tamanha complexidade na herança viking — algo contrário às noções atuais de nacionalismo e identidade cultural. “O DNA nem sempre se encaixa em ideias preconcebidas”, afirma ele (Vilar, ex-cientista-chefe do Projeto Genográfico da NGS, não participou do estudo).

    Restos mortais encontrados em cemitérios vikings, como neste local de sepulturas em formato de navio perto de Aalborg, na Dinamarca, fornecem evidências genéticas importantes para compreender esses antigos navegantes.

    Foto de Keenpress, Nat Geo Image Collection

    Grupos de irmãos

    Embora o grupo viking fosse amplo, o estudo também revelou uma proximidade entre familiares. Em um sepultamento em Salme, na Estônia, onde 41 suecos foram enterrados após uma batalha ao lado de dois barcos e suas armas, quatro irmãos foram identificados, dispostos lado a lado. Pesquisadores também descobriram um parentesco em segundo grau entre dois vikings, um em um cemitério dinamarquês e outro em um cemitério em Oxford, na Inglaterra — o que comprova a mobilidade dos membros de uma mesma família nessa época.

    Entretanto o vasto estudo de DNA ainda não desvendou a origem do fenômeno viking. Se a etnia não uniu essas pessoas, o que as uniu? Foi a capacidade tecnológica de construir barcos navegáveis e a eficiência ao travar guerras sobre as águas ou havia outros fatores em jogo?

    “As pessoas podem adotar e se adaptar aos meios culturais dominantes de sobrevivência”, afirma Zori. “Por alguma razão, ser um viking foi um dos principais meios de sobreviver e ter êxito econômico e político naquela época.”

    Após a nova confirmação da diversidade genética de ao menos 442 indivíduos da Era Viking, os pesquisadores agora podem expandir sua busca pelas raízes vikings. “É um estudo extremamente amplo, mas, na verdade, limita-se a apenas 450 esqueletos”, explica Byock. “É um grande passo inicial.” Ele espera que seja apenas o começo de uma reflexão mais ampla sobre a história genética da época.

    “Provavelmente a genética é um pouco mais confiável do que as sagas vikings”, acrescenta Zori. Mas, segundo ele, apenas o tempo, e pesquisas adicionais, podem completar o quebra-cabeça.

    Agora é possível iniciar o árduo trabalho de entender as grandes implicações do estudo, bem como relacionar evidências textuais e arqueológicas aos novos resultados de DNA. Ainda há muito a descobrir sobre os modos de vida, a movimentação e os eventos ocorridos durante as aventuras e período de influência desses catalisadores culturais chamados por nós de vikings. “A migração sempre foi um fator relevante na história humana”, afirma Zori. “Há muito mais materiais a encontrar.”

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