Decodificando os símbolos de ódio exibidos durante a insurreição no Capitólio

De martelos vikings a bandeiras de países fictícios, muitos manifestantes exibiram uma apologia visual interna para afirmar sua identidade nacionalista branca. Veja de onde surgiram esses símbolos.

Por Kristin Romey
Publicado 17 de jan. de 2021, 09:00 BRT
Uma forca e um laço são erguidos pelos apoiadores de Trump em frente ao Capitólio no ...

Uma forca e um laço são erguidos pelos apoiadores de Trump em frente ao Capitólio no dia 6 de janeiro. Enquanto alguns símbolos de violência e supremacia branca exibidos durante a insurreição eram evidentes, outros podem ter passado despercebidos aos olhos de espectadores casuais.

Foto de Shay Horse, NurPhoto/Getty Images

QUANDO OS INSURGENTES se dirigiram ao Capitólio, estavam munidos de símbolos.

Alguns puderam ser imediatamente identificados pela maioria dos americanos que assistia ao caos se desenrolar diante da televisão. A bandeira confederada, hasteada pela primeira vez nos campos de batalha do país por estados separatistas que viam seu futuro na escravidão de outros; a forca e o laço, simbolizando a aterrorização aos afro-americanos de acordo com as leis de Jim Crow, bem como justiça de fronteira rápida e suja.

Mas havia outros símbolos, apologias visuais ocultas representando acenos e saudações entre os grupos heterogêneos de apoiadores de Trump, teóricos da conspiração e grupos de supremacia branca que causaram estragos e mortes na capital dos Estados Unidos em 6 de janeiro. Quer fossem exibidos em mastros ou tatuados na pele de rebeldes, esses símbolos compartilhavam um apelo comum, remetendo a uma história idealizada com homens cristãos brancos à frente e no centro.

Jake Angeli, o autointitulado “QAnon Shaman”, tem tatuagens pelo corpo de símbolos nórdicos e vikings que, em um contexto de extrema-direita, evocam a pureza branca dos antigos escandinavos.

Foto de Selcuk Acar, NurPhoto/Getty Images

O autointitulado “QAnon Shaman”, com suas vestes de pele de animal e capacete com chifres, talvez o insurgente mais fotografado da ocasião, declara seu posicionamento no próprio peito nu. Tatuagens desleixadas de Yggdrasil, ou árvore da vida, cobriam seu peitoral esquerdo. Mjolnir, o martelo de Thor, emergia de sua cintura. Valknut, o “nó dos mortos” viking estava tatuado sobre seu coração. Esses são símbolos escandinavos antigos reavivados e distorcidos por nacionalistas europeus do século 19 e nazistas do século 20, e sua apropriação enfurece pagãos e bárbaros contemporâneos.

Para Matthew Gabriele, presidente do departamento de religião e cultura da Virginia Tech, o uso pela extrema-direita da iconografia dos vikings e cruzados é uma “nostalgia dupla”.

“Eles estão pulando mais de mil anos de história de volta à Idade Média ou algo assim”, afirma. “Mas, ao mesmo tempo, também estão apelando às associações que se formaram em torno dessas imagens na era moderna.”

Na multidão turbulenta que invadiu o Capitólio — e que era esmagadoramente branca e do sexo masculino — a “masculinidade militante” dos vikings tem um apelo, explica Gabriele. “É muito emblemático. Essas são imagens de guerreiros, pelo menos do ponto de vista deles”, afirma ele.

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    Membros do Three Percenters, uma organização antigovernamental, hastearam uma bandeira de Betsy Ross modificada durante a insurreição no Capitólio.

    Foto de Tasos Katopodis, Getty Images

    “Nenhum deles quer morar em uma cabana ou algo parecido. Mas eles querem passar esse tipo de imagem.”

    Entre as bandeiras hasteadas no Capitólio pelos insurgentes, algumas eram esperadas: as estrelas e listras da bandeira de batalha da Confederação; a exortação desafiadora “Don’t Tread On Me” (Não pise em mim, em tradução livre) da bandeira de Gadsen, relançada na década de 2000 pelo Tea Party.

    Mas havia outras bandeiras, familiares à maioria dos americanos apenas por meio de livros didáticos, agora apropriadas pelos rebeldes. A bandeira Join or Die (Junte-se ou Morra), por exemplo, tem o desenho de uma cobra cortada em segmentos, cuja criação é atribuída a Benjamin Franklin. Uma variação da bandeira de Betsy Ross, em que as 13 estrelas circundam algarismos romanos em forma de três, representando os 3% dos americanos que grupos antigoverno acreditam ter lutado contra os britânicos sozinhos na Guerra de Independência dos Estados Unidos. E em um vídeo particularmente chocante, um policial ferido está deitado em posição curvada na calçada, ao lado de uma Bandeira de Betsy Ross.

    O uso de imagens históricas funciona tanto como um chamariz para outros supremacistas brancos quanto como uma saída conveniente ao lidar com pessoas que não compartilham de seus pontos de vista, afirma Gabriele. “Eles esperam que os outros observadores entendam e concordem. Ou, se não concordarem e houver consequências, podem simplesmente ignorar, por exemplo, ‘Ah, estou apenas fazendo referência à história’ ou algo assim.”

    Quer sejam runas vikings de mil anos ou imagens celebrando a Revolução Americana e a Confederação, os supremacistas brancos acreditam que o peso histórico desse simbolismo oferece credibilidade e precedentes à sua causa.

    Uma bandeira de Gadsen modificada é ostentada por manifestantes no Capitólio.

    Foto de Spencer Platt, Getty Images

    A bandeira da nação imaginária de Kekistan tem associações à supremacia branca.

    Foto de Evelyn Hockstein, The Washington Post/Getty Images

    “Não é algo novo, eles [afirmam que] estão sendo fiéis ao passado verdadeiro e que a sociedade moderna de alguma forma se desviou do que deveríamos ser”, afirma Gabriele. “No caso dos supremacistas brancos e da extrema-direita, que são uma sociedade masculina, cristã e branca, onde não há espaço para mulheres, grupos sub-representados, etc. E isso é algo de que eles sentem falta.”

    Alguns dos símbolos exibidos na invasão ao Capitólio — por exemplo, a bandeira de Kekistan representando um país imaginário governado por um sapo de desenho animado supremacista branco ou a incorporação do sinal de OK — compreensivelmente pareciam indecifráveis para a maioria dos americanos. Mas isso não significa que são inofensivos, afirma Lecia Brooks, chefe do quadro de pessoal do Southern Poverty Law Center.

    “Vale ressaltar que, independentemente de os espectadores casuais entenderem ou não o que isso significa, eles precisam saber que tem um significado”, afirma Brooks. “Porque, caso contrário, [os manifestantes] não os exibiriam.”

    A maioria dos americanos também pode ficar confusa com a aparência bizarra de alguns dos insurgentes — por exemplo, o QAnon Shaman, tão visualmente distante das massas disciplinadas que associamos, digamos, aos camisas-marrons de Hitler. Mas essa combinação tóxica de besteirol e fascismo é implicitamente americana e tem suas raízes na Ku Klux Klan, cujos membros vestiam capuzes e mantos brancos como “fantasmas” para intimidar os afro-americanos, que eram vistos como incultos e supersticiosos. Os membros da Klan também se vestiam de coringas e até trovadores para zombar de suas vítimas, conta Talia Lavin, autora de Culture Warlords: My Journey Into the Dark Web of White Supremacy (Senhores da Guerra de Culturas: minha jornada na teia obscura da supremacia branca, em tradução livre).

    “Isso oferecia, em primeiro lugar, cobertura para que seus aliados políticos os considerassem pouco sérios, embora soubessem da gravidade da violência. E acrescentava um insulto para atingir as vítimas”, afirma ela.

    “É uma espécie de ‘É só brincadeira!’ Como os Proud Boys dizendo ‘Somos apenas um clube de bebidas’. Sei.”

    Um membro dos Proud Boys (no centro, segurando o chapéu) tem tatuagens inspiradas nos vikings.

    Foto de Alex Lourie, Redux

    Também há as siglas, as abreviações da internet que todos nós utilizamos quando digitamos “rs” em resposta a algo engraçado. Mas algumas surgiram de locais mais obscuros da internet: os manifestantes do Capitólio vestiam remendos declarando WWG1WGA, “Where we go one, we go all” (aonde vai um de nós, vamos todos nós, em tradução livre): uma mensagem de solidariedade entre os seguidores de QAnon, a teoria da conspiração centrava-se na crença de que a elite mundial é formada por adoradores de Satanás que assassinam crianças e bebem seu sangue. Em dezembro, um fotógrafo capturou um Proud Boy marchando pelas ruas de Washington D.C. usando uma camiseta com o emblema 6MWE: Six Million Wasn’t Enough (Seis milhões não foram suficientes, em tradução livre). O Holocausto, conforme indicado pela camiseta do homem, é um assunto inacabado.

    O que mais impressionou Brooks e Lavin foi a convergência visual de tantos símbolos políticos variados — um homem com um moletom do campo de concentração de Auschwitz, por exemplo, ao lado de outro agitando uma bandeira americana. “O que vimos foi um verdadeiro cruzamento entre a direita MAGA, que é a direita trumpista, e as facções mais insurgentes: os Boogaloo Boys, que abertamente se denominam como supremacistas brancos, as tendências da extrema-direita que — até este momento — não foram muito populares”, afirma Lavin.

    Segundo Gabriele, a apropriação de imagens históricas pela extrema-direita também levou a um acerto de contas entre aqueles que ensinam história, particularmente especialistas do período medieval. “Acho que houve uma onda maravilhosa no mundo acadêmico para levar esse fato em consideração e pensar de verdade sobre as implicações de nosso ensino e pesquisa, pois isso está sendo lido e, às vezes, consumido de maneiras que consideramos abomináveis. E, honestamente, há alguns acadêmicos que estão ajudando e incentivando tal ação. Como acadêmicos, precisamos lutar contra esse movimento e lidar com ele.”

    “O único que não tenho mais que explicar é a relevância de dar um curso sobre os vikings ou as cruzadas”, acrescenta ele, “porque é só mostrar uma foto de Charlottesville [cidade com crescentes movimentos de supremacistas brancos] ou do que está acontecendo agora”.

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