Análise de DNA de vítimas de massacre de 6,2 mil anos traz mais perguntas do que respostas

Arqueólogos presumiram que uma família inteira foi morta violentamente há milhares de anos, mas o maior estudo genético de um assassinato em massa já conduzido até hoje refuta a hipótese.

Por Robin George Andrews
Publicado 16 de mar. de 2021, 07:00 BRT

Algumas vítimas do massacre de Potocani receberam múltiplos golpes letais no crânio.

Foto de M. Novak

Há cerca de 6,2 mil anos, um grupo de ao menos 41 homens, mulheres e crianças foram brutalmente assassinados antes de serem jogados em uma vala comum na região atual do leste da Croácia. Inicialmente, os arqueólogos que encontraram a sepultura em 2007 se perguntaram se as vítimas da violência seriam de uma comunidade toda com algum parentesco condenada à execução.

Mas uma nova análise publicada no periódico PLOS ONE — incluindo o maior estudo genético de um massacre antigo já conduzido até hoje — revela que a maioria das vítimas não tinha nenhum parentesco. Essa descoberta surpreendente traz mais perguntas do que respostas e a mais importante é: por que esses indivíduos foram mortos e quem os matou?

“Todos querem saber a resposta a essa pergunta”, afirma Mario Novak, autor principal do estudo e arqueólogo do Instituto de Pesquisas Antropológicas em Zagreb, Croácia. “Simplesmente não sabemos.” E, a menos que alguma evidência arqueológica incontestável seja encontrada nas proximidades, ele acrescenta: “não acredito que descobriremos a resposta”.

Sepulturas sob a garagem

O antigo local do massacre foi descoberto acidentalmente durante a construção de uma garagem na vila croata de Potočani. A cova funerária — com cerca de dois metros de largura e quase um metro de profundidade — continha restos de esqueletos de ao menos 41 pessoas, alguns ainda articulados, outros aos pedaços.

Arqueólogos da equipe arqueológica da Universidade de Zagreb que por acaso estavam na região na época foram chamados e presumiram que os restos mortais pertenciam a vítimas de guerras modernas, talvez da Segunda Guerra Mundial ou do conflito dos Bálcãs da década de 1990. Mas um exame preliminar não encontrou projéteis nem uniformes, e os dentes não apresentavam sinais de obturações modernas.

Escavações adicionais revelaram fragmentos de cerâmica antiga e a datação por radiocarbono de três ossos humanos indicou que a cova tinha 6,2 mil anos. Com base na data, no local e no tipo de cerâmica encontrada, os pesquisadores concluíram que as vítimas pertenciam à cultura Lasinja.

Arqueólogos inicialmente acreditavam que a vala comum em Potocani, Croácia, pertencia às vítimas da Segunda Guerra Mundial ou do conflito dos Bálcãs na década de 1990.

Foto de J. Balen

Segundo Novak, pouco se sabe sobre esses povos e apenas um outro local de sepultamento na Croácia associado à cultura Lasinja foi escavado. “Esse é um dos complexos culturais pré-históricos menos estudados da região”, conta ele. Estudos anteriores conduzidos nesse outro local de sepultamento sugerem que os indivíduos enterrados em vida eram pastores que se mudavam com seu gado a diferentes áreas de pastagem de acordo com a estação do ano. Eles também extraíam cobre para produzir ferramentas.

Pesquisas bioarqueológicas identificaram 21 homens e 20 mulheres, incluindo adultos de até 50 anos, adolescentes e crianças com apenas 2 anos de idade. Logo ficou evidente que não morreram em decorrência de causas naturais.

Três homens adultos, quatro mulheres adultas e seis crianças foram encontrados com lesões nas laterais ou na parte posterior dos crânios. Essas lesões fatais — fraturas causadas por força bruta, punhaladas, perfurações e cortes — foram provocadas por armas ou ferramentas, talvez machados de pedra e porretes ou instrumentos metálicos. As armas do crime não foram encontradas no local, mas tudo indica que as lesões foram infligidas em uma mesma ocasião.

O mais assustador foi a presença de diversas lesões em alguns crânios. “Para a maioria das vítimas, um golpe foi suficiente”, afirma Novak. “Mas há dois ou três indivíduos com quatro ferimentos no crânio. Foi um certo exagero ou frenesi.”

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    Os arqueólogos identificaram sinais de traumatismo por força bruta nos crânios de um menino (na imagem superior) e de uma mulher adulta (na imagem inferior).

    Foto de M. Novak

    História de violência

    O que ficou evidente, entretanto, é que esse massacre não foi resultado de uma guerra: valas comuns resultantes de combates geralmente apresentam, em sua maioria, adolescentes ou adultos do sexo masculino e não mulheres e crianças. Também não havia lesões faciais ou feridas nos antebraços das vítimas, o que acontece quando as pessoas levantam os braços instintivamente para se protegerem dos ataques. Essas pessoas provavelmente estavam imobilizadas, talvez agachadas ou ajoelhadas, com as mãos amarradas.

    “Não tentaram se defender”, observa Novak. “Diria que foi uma execução em massa planejada.”

    O local do massacre de Potočani não foi o primeiro encontrado da época da Pré-história europeia — outra vala comum um pouco mais antiga foi encontrada em Halberstadt, Alemanha, por exemplo, repleta de vítimas mortas por golpes desferidos na parte de trás da cabeça.

    “As lesões cranianas se parecem com outros massacres estudados por mim: são muito semelhantes em sua localização e faixa etária também, infelizmente”, afirma Trish Biers, osteóloga e paleopatologista da Universidade de Cambridge, que não participou do estudo.

    Em busca de mais informações sobre as vítimas de Potočani, a equipe de pesquisa extraiu DNA de 38 esqueletos de indivíduos encontrados no local. Os resultados revelaram que todos apresentavam a mesma ancestralidade genética: além de certa origem em sociedades de caçadores-coletores na Europa Ocidental, os antepassados dessas pessoas eram provenientes da Anatólia, região atual de grande parte da Turquia. Eles introduziram a agricultura na Europa há cerca de 8,5 mil anos. Alguns milênios depois, alguns de seus descendentes dirigiram-se com seu gado aos Bálcãs.

    Embora alguns dos mortos possuíssem alto grau de parentesco — a análise de DNA identificou, por exemplo, um homem, suas duas filhas e um sobrinho — 70% dos indivíduos não possuíam parentesco algum. Uma hipótese é que essas vítimas integravam uma comunidade maior composta por diversas famílias.

    Um jarro de cerâmica (reconstruído) encontrado na vala comum é típico da antiga cultura Lasinja.

    Foto de I. Krajcar

    Ameaça fantasma

    Biers afirma que sua pesquisa em sítios arqueológicos nas Américas do Norte e do Sul demonstra que pessoas sem necessariamente um parentesco genético mantinham grupos de afinidade social determinados por suas profissões, como pescadores, agricultores ou artesãos.

    Relações de afinidade social, no entanto, são algo “impossível de determinar por análise genética”, afirma Christiana Scheib, arqueóloga especializada em DNA antigo da Universidade de Cambridge, que não participou do estudo. Em condições ideais, sepulturas que não sejam provenientes de um massacre na mesma região podem fornecer um retrato da distribuição comum dos mortos, tanto em termos genéticos quanto de grupos de afinidade. Mas, até o momento, a vala comum de Potočani está isolada; não foi reconhecido nenhum assentamento que, na época, tenha sido próximo ao local do massacre.

    Para agravar o mistério, não há nenhuma pista dos próprios assassinos. “Não temos nenhum vestígio daqueles que cometeram essa atrocidade”, observa Novak. Os criminosos podem ter pertencido a um grupo rival, vindo de um local próximo ou não. Os assassinos podem até pertencer à mesma população das vítimas.

    Também é impossível determinar a motivação. Outros locais de massacres e episódios de violência em massa da Pré-história europeia foram atribuídos a fatores antagônicos, como xenofobia ou mudanças climáticas, quando estiagens causaram escassez de recursos, resultando em violência. Mas em Potočani, “não há indício de mudanças climáticas nessa época”, afirma Novak.

    O único aspecto que está perfeitamente claro é que esse comportamento humano extremamente sombrio persistiu por milênios. Assassinatos em massa ocorreram em todo o mundo por ao menos 13 mil anos. Embora os sistemas de justiça tenham sido introduzidos em algum momento e a sociedade em geral tenha se tornado mais regrada e menos violenta, massacres em grande escala tornaram-se mais fáceis de serem executados ao longo do tempo. Machados foram substituídos por armas de fogo e povos em guerra foram substituídos pelo genocídio patrocinado pelo Estado.

    Se sítios arqueológicos como o de Potočani nos transmitem alguma mensagem, é “que as pessoas não mudaram nos últimos 10 mil anos. E se mudaram, foi para pior”, lamenta Novak.

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