Mulher pode ter sido poderosa líder europeia – sugere um tesouro de quatro mil anos

As novas descobertas podem refutar a ideia de que o poder estatal é quase exclusivamente um produto de sociedades dominadas por homens, segundo pesquisadores.

Por Tom Metcalfe
Publicado 18 de mar. de 2021, 14:18 BRT
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Este diadema de prata ainda adornava o crânio de uma mulher quando seu túmulo de 3,7 mil anos foi descoberto em La Almoloya, no sudeste da Espanha.

Foto de J.A. Soldevilla, Courtesy of the Arqueoecologia Social Mediterrània Research Group, Universitat Autònoma de Barcelona

Um tesouro de joias ornamentadas, incluindo um diadema de prata, sugere que uma mulher enterrada há quase quatro mil anos no atual território da Espanha foi uma governante das terras vizinhas que pode ter comandado o poder de um estado, de acordo com um estudo publicado recentemente na revista científica Antiquity. As descobertas levantam novas questões sobre o papel das mulheres no início da Idade do Bronze na Europa e desafiam a ideia de que o poder estatal é quase exclusivamente um produto de sociedades dominadas por homens, segundo pesquisadores.

“Temos duas maneiras de interpretar essa descoberta”, declarou o arqueólogo Roberto Risch, da Universidade Autônoma de Barcelona e coautor do estudo. “Ou que ela era apenas a esposa do rei; ou que era uma personalidade política por si só.”

Objetos encontrados em sepulturas argáricas mostram que as mulheres eram consideradas adultas muito mais cedo do que os homens — cadáveres de garotas com cerca de 6 anos ou mais eram enterrados com facas e ferramentas, mas isso era atribuído aos meninos apenas quando morriam da adolescência em diante. Alguns túmulos de mulheres em El Agar eram reabertos anos depois para sepultar outros homens e mulheres, uma prática incomum que provavelmente conferia uma grande honra. E uma pesquisa publicada por Risch e seus colegas em 2020 mostrou que mulheres da elite em túmulos locais comiam mais carne do que as outras mulheres, o que sugere que elas tinham um verdadeiro poder político.

“Qual era exatamente esse poder político, não sabemos”, afirma ele. “Mas estes túmulos em La Almoloya questionam o papel das mulheres na política [da Idade do Bronze]... questionam muito do conhecimento convencional.”

Antiga “princesa” enterrada com grande prestígio

A mulher, apelidada de “Princesa de La Almoloya”, pertencia à cultura argárica, que leva o nome do sítio arqueológico de El Argar, cerca de 80 quilômetros ao sul do local onde foi encontrada. A cultura argárica floresceu no sudeste da Península Ibérica entre 2200 e 1500 a.C. Seu povo começou a usar o bronze muito antes dos povos vizinhos; muitos viviam em grandes assentamentos no topo de colinas, em vez de pequenas fazendas isoladas; e itens encontrados em seus túmulos indicam que eles tinham classes estratificadas de riqueza e status social — o que incluía uma classe dominante.

Risch conta que o homem na sepultura era provavelmente um guerreiro: o desgaste nos ossos sugere que ele passava muito tempo a cavalo, e seu crânio mostra cicatrizes profundas de um ferimento facial grave, possivelmente sofrido em combate. Ele amarrava seu longo cabelo para trás com fitas prateadas e usava brincos de ouro nas orelhas, o que indica que era alguém reconhecido pela nobreza.

O túmulo em La Almoloya revelou um homem e uma mulher enterrados sob o chão de uma grande sala no interior do palácio, com bancos que comportam até 50 pessoas.

Foto de Photograph, via Arqueoecologia Social Mediterrània Research Group, Universitat Autònoma de Barcelona

Mas a mulher na mesma sepultura foi enterrada pouco tempo depois, com esplendor particular, incluindo pulseiras, brincos, anéis, enfeites de fios prateados em espiral e o diadema de prata, que ainda adornava seu crânio quando o túmulo foi descoberto. O adorno combina com outros seis diademas encontrados em mulheres nobres nos túmulos argáricos; todos têm uma projeção distinta em forma de disco, geralmente usada para baixo para cobrir a testa e o nariz.

Utilizando o preço da prata citado nos registros mesopotâmicos da época, arqueólogos estimam que os objetos da sepultura da mulher de La Almoloya valeriam hoje o equivalente a milhares de dólares. Outros túmulos de mulheres de alto status encontrados em El Argar também indicam grande riqueza, mas os homens nunca foram enterrados com tais fortunas. “Isso sugere que, quando [as mulheres] estavam vivas, desempenhavam um papel muito importante na gestão política da comunidade”, explica Risch.

O local da sepultura também indica que a mulher exercia uma função política. Muitos dos mortos nas comunidades de El Argar eram enterrados debaixo de construções, e seu túmulo foi encontrado sob uma sala com bancos que comportam até 50 pessoas, apelidada de “parlamento” pelos pesquisadores. A sala em si fazia parte de um edifício construído que pode ser o primeiro palácio conhecido na Europa Ocidental continental, afirma Risch — um lugar onde os governantes viviam e desempenhavam suas funções.

Mulheres na cultura argárica

A ideia de que as comunidades argáricas podem ter sido governadas por mulheres faz sentido para a arqueóloga e historiadora Marina Lozano, professora da Universidade de Rovira i Virgili em Tarragona e pesquisadora do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social (Iphes), que não participou do último estudo.

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    Acredita-se que o enorme edifício da Idade do Bronze em La Almoloya tenha sido um centro de poder político e econômico.

    Foto de the Arqueoecologia Social Mediterrània Research Group, Universitat Autònoma de Barcelona

    Ela explica que isso corrobora seu estudo de 2020 que determinou que muitas mulheres argáricas estavam envolvidas na produção de tecidos de linho e lã — um setor valioso da economia, junto com a metalurgia. Portanto, conclui-se que as mulheres poderiam ter sido governantes. “As mulheres de El Argar eram uma parte ativa de sua economia. Uma governante mulher é apenas mais um exemplo da importância delas nessa sociedade”, declara.

    Outros especialistas na cultura argárica são mais cautelosos com as novas interpretações. “As descobertas são espetaculares... É arqueologia de primeira linha”, afirma o antropólogo Antonio Gilman, professor emérito da Universidade do Estado da Califórnia em Northridge.

    Mas ele questiona se o esplendor desse túmulo deve ser interpretado como a fortuna de uma governante, e se o edifício em La Almoloya deve ser considerado um palácio quando era bem menos sofisticado do que as construções da Idade do Bronze mais a leste na Europa, como o palácio minoico de Cnossos, em Creta. “Mas isso não muda o fato de que essas descobertas são muito importantes”, conclui.

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