O que foi a Guerra Fria? Diferenças e semelhanças com a atualidade
O conflito de 45 anos entre Estados Unidos e União Soviética terminou quando esta se dissolveu. Mas há quem diga que uma Guerra Fria pode estar começando.
Embora os EUA e a União Soviética estivessem tecnicamente em paz durante a Guerra Fria, o período foi marcado por tensões crescentes à medida que os países corriam para construir seus estoques nucleares. Para muitos americanos - incluindo esses alunos e sua professora que se refugiam debaixo de uma mesa em uma escola em Nova Jersey - os testes de ataque aéreo tornaram-se parte da vida cotidiana.
Perto do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os líderes das três grandes potências aliadas – Estados Unidos, União Soviética e Grã-Bretanha – se reuniram em Potsdam, na Alemanha, para discutir os termos de conclusão do conflito mais sangrento que o mundo já viu. As grandes potências dividiram a Alemanha em zonas de ocupação, reconheceram um governo apoiado pelos soviéticos na Polônia e dividiram o Vietnã – decisões monumentais que moldaram a ordem global do pós-guerra. As negociações tinham o objetivo de forjar uma paz duradoura, mas em 18 meses começou uma Guerra Fria que durou mais de quatro décadas.
Um dos momentos mais importantes em Potsdam não foi capturado em memorando ou declarado em coletiva de imprensa. No final da conferência, o presidente dos EUA, Harry Truman, chamou o primeiro-ministro soviético Joseph Stalin para compartilhar algumas notícias explosivas: os EUA haviam acabado de testar com sucesso uma arma de “força destrutiva incomum”. Era uma arma nuclear capaz de destruir cidades inteiras, o armamento mais perigoso e poderoso que o mundo havia visto até então.
Dentro de semanas, os Estados Unidos usaram a bomba atômica para forçar a rendição do Japão. Com uma arma comprovadamente devastadora em seu arsenal, os EUA de repente tomaram a dianteira entre as potências aliadas na guerra. O que se seguiu foi uma perigosa luta pela supremacia entre duas superpotências, os EUA e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que se dissolveu em 1991, dando fim à Guerra Fria.
No verso de uma fotografia tirada na Conferência de Potsdam de 1945, o presidente dos EUA Harry Truman lembra uma conversa com o primeiro-ministro soviético Joseph Stalin que é frequentemente considerada a salva de abertura da Guerra Fria. Sua nota diz: "Na qual eu digo a Stalin que esperamos lançar o mais poderoso explosivo jamais feito sobre os japoneses. Ele sorriu e disse que apreciou minha conversa - mas não sabia do que eu estava falando - a Bomba Atômica"!
Stalin, Truman e o primeiro-ministro britânico Clement Attlee participam da Conferência de Potsdam de 1945. Como líderes dos chamados “Big Three” (Três Grandes) – as nações que levaram as forças aliadas à vitória na Segunda Guerra Mundial – eles se reuniram para determinar a forma do mundo pós-guerra.
Embora as duas nações estivessem tecnicamente em paz, o período foi caracterizado por uma corrida armamentista agressiva e custosa; sangrentas guerras por influência travadas na América Latina, África e Ásia; e uma concorrência pelo domínio da ordem mundial entre os governos capitalistas, liderados pelos EUA, e o bloco comunista, pelos soviéticos.
A Guerra Fria durou quase meio século. Mostramos por que tudo começou, como aumentou, o que deixou e por que alguns analistas acham que outra Guerra Fria já está em andamento.
Por que se chama Guerra Fria?
O termo “guerra fria” existia desde a década de 1930, quando o termo guerre froide foi usado na França para descrever as relações cada vez mais tensas entre os países europeus. Em 1945, logo após os Estados Unidos lançarem a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, o escritor britânico George Orwell usou o termo em um ensaio que explorou o que a bomba atômica significava para as relações internacionais.
As bombas atômicas mataram mais de 100 mil cidadãos japoneses, revelando um poder destrutivo tão aterrorizante que Orwell previu que isso desencorajaria uma guerra aberta entre grandes potências, criando, em vez disso, “um estado ao mesmo tempo invencível e em permanente estado de 'guerra fria' com seus vizinhos".
A previsão de Orwell de uma “paz que não é paz” tornou-se realidade à medida que as sementes de desconfiança entre os antigos aliados brotavam.
Ok, então como a Guerra Fria começou?
A URSS sofreu o maior número de baixas militares e civis na guerra – cerca de 24 milhões – e libertou grandes áreas da Europa Oriental do controle nazista. O líder soviético Josef Stalin ficou insatisfeito com a divisão da Europa no pós-guerra – ele achava que ela não refletia de maneira justa a contribuição de sua nação.
Nos Estados Unidos, o diplomata George Kennan destacou a crescente desconfiança da União Soviética no “ Longo Telegrama” de 1946, como agora o documento é conhecido. Kennan advertiu que a URSS era ilógica e insegura e não cooperaria com o Ocidente a longo prazo. Em resposta, Washington começou a adotar uma política de “contenção” para impedir a disseminação da ideologia e influência soviéticas.
Um caminhão de fabricação americana é baixado de um cargueiro em Piraeus, uma cidade portuária na Grécia. Buscando conter a influência soviética em todo o mundo, em 1947 os EUA se comprometeram a apoiar o governo monarquista grego em sua guerra civil contra as forças pró-comunistas.
Os EUA logo tiveram a oportunidade de flexibilizar sua nova política. Em 1947, a Grã-Bretanha anunciou que retiraria a ajuda à Grécia e à Turquia, que lutavam contra revoltas comunistas. O presidente Harry Truman aproveitou a ocasião para pedir ao Congresso americano fundos para ajudar os dois países, estabelecendo o que ficou conhecido como a Doutrina Truman – o princípio de que os EUA deveriam apoiar países ou pessoas ameaçadas pelas forças soviéticas ou pela insurreição comunista. Stalin viu o movimento como o tiro inicial de uma guerra nas sombras.
O termo “Guerra Fria” tornou-se uma abreviação para descrever a luta ideológica entre o capitalismo no Ocidente e o comunismo no Oriente. O jornalista americano Walter Lippmann popularizou o termo em uma série de artigos em 1947, quando as nações escolheram lados no impasse.
Por que a Otan foi criada?
Os EUA não eram os únicos preocupados com o esforço de Stalin em estender a influência soviética para oeste e colocar outros estados sob domínio comunista. Em 1948, a URSS apoiou um golpe comunista na Tchecoslováquia e bloqueou o acesso à parte ocidental de Berlim, que havia sido dividida em zonas de ocupação controladas por comunistas no leste e capitalistas no oeste.
Para demonstrar uma frente unida, os EUA e seus aliados formaram uma aliança transatlântica de defesa mútua conhecida como Organização do Tratado do Atlântico Norte, ou Otan. Em 4 de abril de 1949, EUA, Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal e Reino Unido assinaram um tratado concordando que “um ataque armado contra um ou mais... deveria ser considerado um ataque contra todos eles”.
A delegação soviética chega à Polônia para participar da reunião de maio de 1955 que culminaria no Pacto de Varsóvia, um acordo de defesa mútua entre oito países comunistas do Leste Europeu destinado a servir de contrapeso à OTAN no ocidente.
A URSS respondeu criando uma aliança defensiva própria. Assinado em 1955, o Pacto de Varsóvia continha a União Soviética e sete estados satélites, incluindo Polônia e Alemanha Oriental, reforçando a barreira ideológica e militar entre a Europa Oriental e Ocidental que Winston Churchill apelidou de Cortina de Ferro em um discurso de 1946.
Quão perto o mundo chegou de uma guerra nuclear?
Enquanto os dois lados se enfrentavam na Cortina de Ferro, EUA e a URSS se envolveram em uma corrida armamentista, despejando trilhões de dólares no acúmulo de arsenais nucleares.
Os EUA tinham uma vantagem no início da corrida armamentista. Mas uma vez que a URSS construiu seu próprio arsenal nuclear, os dois lados estavam em um impasse sobre a “destruição mutuamente garantida” – a ideia de que, se um dos lados atacasse, o outro retaliaria, desencadeando consequências apocalípticas para ambas as partes.
Ambos os países tinham defesas antimísseis apontadas um para o outro e, em 1962, a Crise dos Mísseis de Cuba trouxe os países mais perto do precipício do que qualquer outro evento da Guerra Fria. Os EUA detectaram bases de mísseis e armas soviéticas na Cuba comunista, apenas 145 km ao sul da Flórida. O presidente John F. Kennedy exigiu que as bases fossem removidas e declarou que um ataque ao território dos EUA desencadearia uma resposta nuclear imediata à URSS.
O presidente dos EUA, John F. Kennedy, na televisão de uma loja de departamentos em 1962, anuncia o bloqueio à Cuba durante a crise dos mísseis cubanos, um momento decisivo na Guerra Fria – e o mais próximo que o mundo chegou de uma guerra nuclear.
A ameaça de uma guerra nuclear iminente pairou por quase duas semanas de negociações tensas. Finalmente, a URSS concordou em desativar suas instalações de armas se os EUA se comprometessem a não invadir Cuba. Nos bastidores, os EUA concordaram em remover as armas nucleares da Turquia; esse acordo não se tornou público até 1987.
No entanto, os arsenais nucleares de ambos os lados continuaram a crescer exponencialmente. No final da década de 1980, os Estados Unidos tinham cerca de 23 mil armas nucleares contra 39 mil da União Soviética.
De que outra forma foi travada a Guerra Fria?
Ao longo de mais de quatro décadas de Guerra Fria, os EUA e a União Soviética travaram várias guerras por influência em todo o mundo. Nas guerras da Coréia, do Vietnã e em outros conflitos armados, as superpotências financiaram lados opostos ou lutaram diretamente contra milícias comunistas ou capitalistas. Ambos os lados financiaram revoluções, insurgências e assassinatos políticos na América Latina, África, Ásia e Oriente Médio.
Os EUA e a União Soviética também disputaram para provar o domínio tecnológico em uma corrida espacial de 20 anos . A União Soviética ficou em primeiro lugar com o lançamento do Sputnik-1, em 1957, o primeiro satélite artificial, enquanto os Estados Unidos foram os primeiros a enviar um homem à Lua, em 1969. Somente em meados da década de 1970 as duas nações começaram a cooperar em missões conjuntas.
Após a década de 1950, os EUA e a URSS mergulharam profundamente em uma corrida espacial, adicionando outra arena à competição da Guerra Fria para ser a nação mais militarmente preparada. Na foto, o Sputnik da União Soviética, o primeiro satélite.
Um astronauta dos EUA monta um experimento na Lua.
Como terminou a Guerra Fria?
Em meados da década de 1980, a vida por trás da Cortina de Ferro havia mudado. As revoltas democráticas estavam se infiltrando nas nações do bloco soviético, e a própria URSS sofria com problemas econômicos e políticos. Os EUA e a URSS forjaram uma relação mais aberta, até mesmo intermediando um tratado nuclear em 1987 que eliminou uma classe particularmente perigosa de mísseis lançados do solo.
Em 1991, a União Soviética havia perdido a maior parte de seu bloco para revoluções democráticas, e o Pacto de Varsóvia foi formalmente dissolvido. Mikhail Gorbachev, o último líder da URSS, abriu seu país para o Ocidente e instituiu reformas econômicas que minaram as instituições que dependiam de bens nacionalizados. Em dezembro de 1991, a URSS foi dissolvida em nações separadas.
O que tudo isso significa agora?
A URSS se foi e os arsenais nucleares diminuíram drasticamente graças aos tratados de não proliferação entre Washington e Moscou nas décadas de 1980 e 1990. Nas últimas décadas, os EUA e a Rússia cooperaram em várias questões globais, incluindo conflitos no Afeganistão e a guerra ao terror.
Mas a Guerra Fria ainda afeta a geopolítica moderna. Ambas as nações ainda têm interesses geopolíticos divergentes, grandes orçamentos de defesa e bases militares internacionais. A Otan ainda exerce poder político e cresceu para incluir 30 estados membros. A aliança agora se estende até as fronteiras da Rússia e inclui ex-estados soviéticos e membros do Pacto de Varsóvia, como a Polônia e os Estados Bálticos. Desde a década de 1990, a Rússia vê a expansão da Otan para o leste como uma ameaça à sua segurança .
A tensão entre a Rússia e o Ocidente atingiu um novo pico após a invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022, que se candidatou para dar os primeiros passos para a adesão à OTAN em 2008, antes de um novo presidente arquivar o plano dois anos depois. Alguns comentaristas compararam a crise atual ao início de uma nova Guerra Fria.
A Guerra Fria do século 21 já está sendo travada? Embora historiadores digam que as decisões em Potsdam prepararam o terreno para uma longa rivalidade pós-Segunda Guerra Mundial, podemos não reconhecer o início de uma nova Guerra Fria até que ela esteja visível no espelho retrovisor da história.
Nota do editor: Esta reportagem foi publicada originalmente em 22 de março de 2019 e atualizada para incluir os acontecimentos mais recentes.