Impactos das mudanças climáticas são piores do que o esperado, adverte relatório

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas afirma que, com o aumento das emissões, o mundo está fadado a enfrentar problemas críticos antes do esperado.

Por Stephen Leahy
Publicado 15 de out. de 2018, 16:12 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O Brasil é um dos diversos países cruciais no qual o desmatamento deve ser limitado para ...
O Brasil é um dos diversos países cruciais no qual o desmatamento deve ser limitado para evitar o aquecimento global, segundo um novo relatório internacional.
Foto de John Stanmeyer, National Geographic Creative

Os impactos e os custos do aumento nas temperaturas de 1,5 grau Celsius causados pelo aquecimento global serão bem maiores do que o esperado, segundo uma extensa avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês “Intergovernmental Panel on Climate Change”), divulgada semana passada em Incheon, na Coreia do Sul.

Na última década, houve um aumento surpreendente de tempestades de intensidade recorde, incêndios florestais, secas, branqueamento de corais, ondas de calor e enchentes ao redor do mundo com apenas 1,0 grau Celsius de aquecimento global. Contudo, grande parte disso piorará consideravelmente com 1,5 grau Celsius de aquecimento e piorará ainda mais com 2 graus Celsius, segundo relatório do IPCC que examina mais de 6 mil estudos.

O IPCC ainda informa que o aumento de 1,5 grau Celsius poderia ser alcançado em apenas 11 anos — e é praticamente certo que seria alcançado em 20 anos sem grandes cortes nas emissões de dióxido de carbono (CO2). Ainda que os cortes começassem imediatamente, o aumento de 1,5 grau Celsius no aquecimento global só seria retardado, e não evitado.

“Fortes consequências”

Embora um aumento de 0,5 grau Celsius à temperatura ambiente possa passar despercebido, aquecer permanentemente o planeta inteiro nesse nível trará “fortes” consequências, alerta o relatório. Os impactos serão sentidos por todos os ecossistemas, comunidades humanas e economias.

“Restringir o aquecimento global a 1,5 grau Celsius em relação a 2 graus Celsius poderia reduzir impactos prejudiciais aos ecossistemas, e ao bem-estar e à saúde dos humanos”, declarou oficialmente Priyardarshi Shukla, Presidente do Centro Global de Ambiente e Energia da Universidade Ahmedabad da Índia e coautor do Relatório Especial.

Tais impactos incluem tempestades mais fortes, meteorologia mais instável, ondas de calor perigosas, aumento do nível do mar e ruptura generalizada da infraestrutura e dos padrões de migração.

As descobertas científicas do relatório principal são sintetizadas em um “Resumo para legisladores” de 34 páginas, aprovado por todos os representantes de 195 nações, incluindo os Estados Unidos.

No Acordo de Paris de 2015, todos os países do mundo concordaram em manter as temperaturas globais bem abaixo de 2 graus Celsius, ao passo que países-ilhas de baixas altitudes e outros defenderam uma temperatura consideravelmente menor. As atuais promessas de cortes nas emissões de CO2 levarão o aquecimento global a pelo menos 3 graus Celsius até 2100, alcançando um ponto sem volta, como o degelo de grandes áreas de permafrost — que poderia aumentar as temperaturas globais descontroladamente. O governo Trump disse que retirará os Estados Unidos do Acordo de Paris.

O aquecimento global é como um campo minado que, a cada passo, tem mais minas, ilustra Michael Mann, climatologista e diretor do Centro de Ciências do Sistema Terrestre da Universidade Estadual da Pensilvânia. “Quanto mais avançamos, mais explosões tendem a ocorrer: 1,5 grau Celsius é mais seguro do que 2 graus Celsius, 2 graus Celsius é mais seguro do que 2,5 graus Celsius, 2,5 graus Celsius é mais seguro do que 3 graus Celsius e assim por diante”, afirma Mann, que não participou diretamente deste último relatório do IPCC.

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    “Estabilizar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius será extremamente difícil, se não impossível a esta altura”, escreve Mann por e-mail.

    Em busca de grandes soluções

    O Relatório Especial do IPCC sugere vários caminhos para estabilizar o aquecimento global em 1,5 grau Celsius. Todas as soluções apresentadas demandam esforços sem precedentes, cortando o uso de combustíveis fósseis pela metade em menos de 15 anos e eliminando seu uso praticamente por completo em 30 anos. Isso significaria nenhuma casa, empresa ou indústria aquecida a gás ou óleo; nenhum veículo movido a diesel ou gasolina; o fechamento de todas as usinas de carvão e gás; o setor petroquímico convertido substancialmente à química sustentável; e a indústria pesada, como a indústria siderúrgica produtora de aço e de alumínio, usando fontes energéticas livres de carbono ou fazendo uso de tecnologia para captar e armazenar permanentemente emissões de CO2.

    Além disso, dependendo da velocidade em que as emissões forem cortadas, entre 1 e 7 milhões de quilômetros quadrados de terras podem ter de ser convertidas em culturas de bioenergia e até 10 milhões de quilômetros quadrados de florestas podem ter de ser plantadas até 2050. E ainda não será o bastante, adverte o relatório. Cada 0,45 quilograma de CO2 emitida nas últimas centenas de anos continuará a aprisionar calor na atmosfera por mais centenas de anos. Em 2045 ou 2050, ainda haverá CO2 em excesso na atmosfera. Mais florestas ou alguma outra forma de captação direta de CO2 da atmosfera serão fundamentais para estabilizar as temperaturas globais em 1,5 grau Celsius, afirma o relatório.

    O Relatório Especial é como receber um diagnóstico grave do seu médico, conta Katharine Hayhoe, cientista climática da Universidade de Tecnologia do Texas. “Todos os possíveis testes foram feitos e as notícias não são boas”, disse Hayhoe em uma entrevista. “O médico, que é o IPCC neste caso, então explica as possíveis opções de tratamento para garantir nossa saúde no futuro. Nós (o público) decidimos qual opção seguiremos.”

    É imenso o desafio para se manter  abaixo dos 2 graus Celsius, exigindo a desativação gradual da infraestrutura de combustíveis fósseis, a operação cada vez mais intensa de fontes de energia não fóssil e a remoção generalizada do carbono da atmosfera, afirma Glen Peters, Diretor de Pesquisa do Centro de Pesquisa Climática Internacional da Noruega. “Manter-se abaixo de 1,5 grau Celsius exige simplesmente que a transformação seja mais rápida e profunda do que para 2 graus Celsius”, conta Peters.

    No momento, estamos no caminho errado com um aumento das emissões globais de 1,5 por cento em 2017 e um provável aumento neste ano, prossegue ele. “Sem a participação e o alinhamento de nossas medidas técnicas, sociais e políticas, nem 1,5 grau Celsius tampouco 2 graus Celsius serão viáveis.”

    Isso significa que 2,7 graus Fahrenheit estão bem longe do caminho que estamos tomando, concorda Kelly Levin, associada sênior do Programa Climático Global do Instituto Mundial de Recursos. Dito isso, os modelos empregados para desenvolver os caminhos do IPCC para ater o aquecimento a 1,5 grau Celsius não incluem todas as formas pelas quais as emissões poderiam ser reduzidas e o painel prioriza os métodos mais baratos, afirmou Levin em uma entrevista.

    Por exemplo, uma ampla mudança nos hábitos alimentares com menos consumo de carne e de materiais reduziria expressivamente as emissões. Os modelos também são conservadores quanto ao lançamento de novas tecnologias e subestimaram o sucesso de painéis solares e veículos elétricos, conta Levin. O carro elétrico Model 3 da Tesla foi o 4o carro mais vendido nos Estados Unidos em setembro, apesar de ser o dobro do preço de carros da mesma categoria movidos a gasolina (e de geralmente possuir longas listas de espera).

    O papel crucial das florestas

    As florestas também poderiam exercer um papel muito maior na redução das emissões, afirma Deborah Lawrence, especialista em florestas da Universidade da Virgínia. “As florestas prestam um serviço superimportante à humanidade removendo atualmente cerca de 25 por cento de nosso CO2”, disse Lawrence em uma entrevista.

    O reflorestamento e um manejo florestal mais efetivo poderiam juntos remover CO2 da atmosfera, continua Lawrence, num total de 18 por cento das reduções necessárias até 2030. O Brasil, a China, a Índia, o México, a Austrália, os Estados Unidos, a Rússia e a União Europeia poderiam ainda aumentar consideravelmente suas florestas de forma econômica e sem afetar a produção de alimentos — ao mesmo tempo em que teriam o potencial de remover bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera, de acordo com um estudo que será lançado em breve, disse Lawrence. A preservação e a expansão das florestas tropicais são especialmente importantes porque elas resfriam o ar e são imprescindíveis à precipitação regional, necessária ao cultivo de alimentos.

    Quando a madeira de florestas maduras é convertida em móveis ou construções, o CO2 pode ficar armazenado por muito tempo, conta ela. Esse é um dos motivos pelos quais um prédio de 12 andares feito de madeira será concluído em Portland em 2019 e um prédio de madeira de 24 andares está sendo construído em Viena, na Áustria.

    As florestas existentes devem ser preservadas para evitar a perigosa mudança climática, alerta uma coalizão de cientistas de silvicultura em uma declaração. As florestas mundiais contêm mais carbono do que as jazidas exploráveis de petróleo, gás e carvão, observam.

    “O futuro climático do nosso planeta depende inerentemente do futuro de suas florestas”, escreveram os cientistas.

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