Substância química limpa lagos verdes poluídos, mas será que ela é segura?

O sulfato de alumínio, ou alume, está sendo cada vez mais usado para combater a proliferação de algas causada pela abundância de fósforo decorrente da atividade humana.

Por Daniel Ackerman
Publicado 25 de out. de 2018, 17:22 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Proliferações de algas verdes observadas no Lago Okeechobee em Port Mayaca, Flórida, em julho de 2018. ...
Proliferações de algas verdes observadas no Lago Okeechobee em Port Mayaca, Flórida, em julho de 2018. Os responsáveis pelos recursos hídricos estão cada vez mais recorrendo a armas químicas no combate às algas.
Foto de Joe Raedle, Getty Images

CHANHASSEN, MINNESOTA Raios de sol atravessam a água do Lago Lotus, no sul de Minnesota, animando um guarda-rios que canta sem parar. Esse espirituoso passarinho pula de galho em galho em um salgueiro, e suas pequenas patas tocam a superfície da água. Entretanto, por trás desse romântico cenário, há algo de errado no Lago Lotus.

"Está bem verde", comenta Greg Fletcher, um morador do local que manobra sua camionete para remover seu jet-ski da água com a chegada do inverno. Na verdade, essas águas com manchas desagradáveis nos fazem lembrar do rosto de um personagem de desenho animado prestes a passar mal. E o Lago Lotus não é o único.

Anos de poluição estão espalhando uma praga devastadora pelos lagos do país: a proliferação de algas. Esses eventos podem transformar águas límpidas em águas que aparentam uma sopa de ervilha, privando espécies silvestres de oxigênio e intoxicando a água. Cada vez mais, os cientistas estão recorrendo a substâncias químicas, injetando sulfato de alumínio nos lagos para neutralizar os poluentes que favorecem as proliferações. Esses tratamentos com "alume" podem ser uma salvação ecológica, limpando lagos turvos quase que de forma instantânea—porém, apenas se utilizados no contexto ambiental adequado. Quando aplicado de forma bem-sucedida, o alume está tornando as águas mais seguras para banho em todo o país e poderia, um dia, eliminar a maré vermelha que atinge o litoral da Flórida.

Um legado sombrio

Considerado um "amante dos lagos", John Holz passou 23 anos estudando proliferações de algas na Universidade de Nebraska. Ele explica que as algas são organismos aquáticos simples que precisam de luz solar e nutrientes dissolvidos, como o fósforo, para sobreviverem. As algas podem se proliferar, somando populações de altas densidades quando os nutrientes são abundantes.

E, de acordo com Holz, os humanos aumentaram a quantidade de fósforo que deságua nos lagos com a fertilização em excesso de culturas e gramados. A água da chuva remove resíduos ricos em fósforo das superfícies cultivadas, levando-o para os cursos d'água, que então serve de alimento para as algas. As proliferações resultantes expulsam as plantas nativas que se ancoram no sedimento e servem de habitat para os peixes. Algumas algas, como as cianobactérias, podem produzir toxinas que causam erupções cutâneas e sintomas de gripe em banhistas e são comprovadamente letais aos cães.

Holz buscou uma solução para esse grande problema das algas. Porém, ele rapidamente percebeu que reduzir a quantidade de fósforo que chega aos lagos, controlando a fertilização e infiltrando água da chuva no solo, não era suficiente para frear as proliferações. Ele conta que o problema estava oculto sob a própria água.

O sedimento no fundo do lago pode ficar saturado de fósforo com o passar do tempo. "Como sociedade, temos sobrecarregado os nossos lagos com fósforo há décadas", diz Holz, que se preocupa com o fato de os cursos d'água terem "atingido um ponto crítico". Mesmo quando o fósforo é mantido longe do lago, o "fósforo herdado", já depositado no sedimento, pode voltar para a água em condições de pouco oxigênio, condenando o lago a proliferações de algas por vários anos. No estado de Nebraska, Holz conheceu uma possível solução—uma substância química que leva o fósforo herdado para o fundo do lago, no sedimento.

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    O sulfato de alumínio, ou alume, possui afinidade com o fósforo. Na água, o alume assume o formato de um algodão doce, um "floco bem macio", de acordo com a engenheira ambiental Shannon Brattebo, estabelecida na cidade de Spokane. Esse floco (derivado de floculação) retém o fósforo e outras partículas conforme se depositam no fundo do lago, limpando a água turva.

    "O impacto é imediato", diz Brattebo. Contudo, limpidez é apenas o começo. O floco de alume fica no sedimento e continua a se unir ao fósforo por anos, até mesmo décadas. O fósforo herdado fica preso no sedimento, fazendo as algas, que são iminentemente prejudiciais, morrerem de fome nas águas do lago.

    Holz aproveitou a química previsível do alume, concentrando suas pesquisas na capacidade dessa substância de recuperar lagos poluídos. Ele fez ajustes em um processo para aplicar uma quantidade precisa de alume na parte apropriada do lago, na época certa do ano. Holz lembra que os responsáveis pelos recursos hídricos, que queriam ver seus lagos limpos, "entravam em contato conosco e diziam 'parece bom, vamos fazer' ". Mas havia um problema—ninguém fornecia os rigorosos e cientificamente comprovados tratamentos que Holz estava estudando.

    Então, em 2010, Holz deixou a segurança de seu cargo de pesquisador e embarcou em um segmento arriscado e pouco conhecido, abrindo sua própria empresa de tratamento com alume. "Foi assustador no início", ele conta. Ele comprou duas grandes barcas personalizadas com um conjunto de mangueiras para aplicar doses pré-definidas de alume em rotas controladas por GPS. Seu investimento teve um rápido retorno. A procura por alume cresceu, assim como sua frota de barcas customizadas.

    "A sorte tem nos acompanhado", diz Holz. "Temos crescido de forma estável ao longo dos oitos anos de operação."

    Um futuro claro

    Aplicar alume em lagos não é uma prática nova—essa técnica foi testada pela primeira vez na Suécia há meio século. Contudo, tem ganhado popularidade à medida que os responsáveis pelos recursos hídricos lutam para combater o fantasma do fósforo herdado que alimenta as proliferações de algas. Mais de 250 lagos tratados com alume em todo o mundo reúnem evidências sobre a eficácia dessa estratégia. A ciência do alume "avançou muito e continua avançando a cada ano", diz Harvey Harper, engenheiro ambiental estabelecido na Flórida, com 60 tratamentos sob sua responsabilidade.

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    Como qualquer método de recuperação de um ecossistema, despejar milhares de litros de alume em um lago não é totalmente inofensivo. Se o pH for reduzido durante o tratamento com alume, substância química normalmente benéfica—utilizada com frequência para purificar água destinada ao consumo—ele pode se tornar tóxico para a vida silvestre. Um departamento de parques do estado de Washington desembolsou 100 mil dólares por um tratamento com alume em 2008, mas uma aplicação incorreta matou centenas de peixes.

    Brattebo também enfatiza que ao passo que o alume reduz o fósforo herdado no sedimento, ele não consegue deter proliferações de algas que se alimentam de novas fontes de fósforos. Um rio carregado de nutrientes desaguando em um lago pode levar bastante alimento às algas, independentemente da quantidade de flocos de alume depositada no leito do lago.

    Entretanto, nas condições ambientais adequadas, o tratamento com alume apresenta importantes vantagens comparado a técnicas como a dragagem. "É possível realizar o processo com mais rapidez e ele é seguro", diz Brattebo. Ainda, o alume remove "mais quilogramas de fósforo por dólar", ela complementa.

    E o mais importante, se aplicado corretamente, o alume funciona. Suprimir o crescimento descontrolado das algas "contribui para o uso recreativo do lago", diz Brattebo. Ao passo que seja difícil quantificar esses benefícios, especialistas estimam que os tratamentos com alume geralmente se pagam em uma década. Águas mais límpidas também permitem que plantas submersas nativas se restabeleçam.

    "Isso é muito bom para o habitat dos peixes e para a saúde geral do corpo d'água", observa ela. Harper especula que o uso mais frequente de alume nos lagos da Flórida poderia reduzir a maré vermelha, cortando o fluxo de fósforo da terra para o mar.

    No Lago Lotus, a equipe de Holz se prepara para injetar um pouco mais de 378 mil litros de alume nos próximos cinco dias. Lotus é o 76o lago no qual Holz removeu fósforo herdado—e seu negócio continua crescendo. Holz conta que seus clientes nunca ficam insatisfeitos.

    Greg Fletcher quer ver as águas mais limpas quando voltar com o jet-ski de sua família na próxima primavera. Ele também planeja nadar no lago com seus dois cães, finalmente podendo enxergar os peixes e a vegetação aquática abaixo dele.

    "Tem sido uma batalha", diz Fletcher sobre a luta do lago contra as algas. "Será legal poder ter uma visão melhor."

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