Raios vulcânicos podem ajudar a prever grandes erupções

Esses surpreendentes espetáculos de luz já são belos e podem, em breve, ser úteis também.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 26 de dez. de 2018, 07:45 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Raios no interior de um fluxo piroclástico durante erupção do Monte Sinabung em 2014, na ilha ...
Raios no interior de um fluxo piroclástico durante erupção do Monte Sinabung em 2014, na ilha de Sumatra, Indonésia.
Foto de Martin Rietze, Science Source

Na noite de 13 de fevereiro de 2014, o vulcão Kelud, na Indonésia, ganhou vida com o equivalente à energia gerada por uma explosão de cerca de 250 megatons. Sua grande coluna de cinzas atingiu cerca de 25 quilômetros de altura, distribuindo pequenos fragmentos de rocha por centenas de quilômetros.

Mas o evento tinha reservado um espetáculo a mais: centenas de raios vulcânicos foram vistos no alto, espalhando-se no céu escuro. Agora, os cientistas afirmam que a utilidade desses raios pode ser tão real quanto sua beleza. Um novo estudo, publicado no periódico Journal of Volcanology and Geothermal Research, traz outra perspectiva sobre a atuação dos raios como ferramentas para monitorar os perigos de uma erupção vulcânica, que mudam constantemente.

"É como se os raios preenchessem uma lacuna que até agora nenhuma outra ferramenta de monitoramento de erupções vulcânicas conseguiu preencher", diz a autora do estudo Alexa Van Eaton, vulcanóloga do Observatório Cascades Volcano da Agência de Pesquisa Geológica dos EUA.

Esse último trabalho utilizou dados da World Wide Lightning Location Network - WWLLN (Rede Mundial de Localização de Raios, em tradução livre), que é administrada conjuntamente por mais de 50 universidades e instituições. Por meio do uso dessa rede e imagens de satélite, Van Eaton e sua equipe demonstraram que a ocorrência de raios tende a aumentar em determinados momentos durante uma erupção, oferecendo pistas sobre o comportamento do vulcão antes mesmo de alguém conseguir enxergar suas explosões.

"Estamos começando a utilizar redes globais e isso nos dá uma perspectiva muito melhor sobre os vulcões que, de outra forma, nunca conseguiríamos acessar ou coletar dados sobre", explica ela.

Nenhum vulcão é igual a outro

Uma grande parte das pistas obtidas pelos cientistas sobre a eminência das erupções vem de uma rede de sismógrafos que mede os diversos ruídos emitidos pela Terra. Contudo a instalação e a manutenção desses instrumentos são caras, tornando impossível monitorar os mais de 1.500 vulcões possivelmente ativos na Terra.

Em vez disso, o monitoramento se restringe a vulcões que possuem populações instaladas em seus arredores, mas isso não significa que os demais não representem perigo. Viagens aéreas ocorrem em um número jamais visto na história da humanidade, o que significa que vulcões remotos apresentam cada vez mais riscos. Atravessar nuvens de cinza vulcânica pode causar problemas, como entupimento de filtros de ar e até mesmo pane total do motor. Em 1982, cinzas vulcânicas danificaram todos os quatro motores de um Boeing 747 durante o voo.

Imagens de satélite podem ajudar a preencher algumas lacunas existentes no monitoramento, mas nenhum sistema é perfeito. Nuvens ou a falta de luz à noite facilmente tornam imagens de satélite inviáveis. Recentemente, infrassom também se tornou uma ferramenta promissora de monitoramento para detectar erupções explosivas. Porém, os caminhos que essas ondas de som percorrem, conforme viajam centenas de quilômetros, podem afetar aquilo que os "ouvidos" mecânicos conseguem ouvir.

Esses desafios ficaram bem claros durante uma erupção do vulcão Bogoslof no Alasca em 2016, localizado no braço das Ilhas Aleutas. Ao passo que a pequena ilha fica sob uma rota aérea bem conhecida, suas praias mudam muito rapidamente, impedindo que sismógrafos durem muito tempo por lá. Além disso, nuvens normalmente fecham o céu. Quando o vulcão entrou em erupção em dezembro, levou mais de uma semana até alguém perceber.

Por outro lado, a detecção de raios é rápida e funciona a centenas de quilômetros de distância em meio a neblina ou céu escuro. E, diferentemente do som, a luz não sofre os chamados efeitos do caminho, afirma Van Eaton, tornando-se uma ferramenta valiosa no arsenal utilizado para monitorar os vulcões. (Veja fotos de pessoas que moram perto de vulcões ativos).

O motivo do surgimento dos raios é o que os torna tão úteis. Geralmente, os raios surgem daquilo que conhecemos como desequilíbrio de carga ou remoção de elétrons das partículas. A fricção é uma das formas de causar esse desiquilíbrio—a mesma força que surge quando você esfrega um balão inflável na sua cabeça para deixar o seu cabelo arrepiado.

"Uma nuvem vulcânica é um ambiente perfeito para ocorrer fricção", diz Corrado Cimarelli, vulcanólogo experimental da Universidade de Munique Ludwig-Maximilian, que não participou desse novo estudo. "Há muita turbulência, há muitas partículas [e] essas partículas colidem umas com as outras e adquirem carga".

O material das colunas de cinzas também pode se romper e liberar elétrons, criando um desequilíbrio de carga. Ou, se as colunas se expandem para altas altitudes que são mais frias, a formação de gelo pode contribuir com a situação. Desta forma, quanto mais cinzas a erupção liberar—e quanto mais perigosa ela for, maior a quantidade de raios.

Um espetáculo de luz em Kelud

Em 2010, a WWLLN começou a monitorar, de forma individual, a ocorrência de raios ao redor de 1.563 vulcões ativos para ajudar na detecção de colunas de fumaça. Foram esses dados que Van Eaton e sua equipe utilizaram na nova análise. Durante a erupção de Kelud em 2014, a coluna de cinzas produziu quase 500 raios, de acordo com os dados da WWLLN. Isso não inclui todos os raios, observa Van Eaton, pois os detectores da WWLLN apenas detectam os mais energéticos.

"Estamos utilizando apenas a nata do leite", explica ela.

A equipe combinou esses dados com imagens de satélite para monitorar a expansão da coluna a partir de uma visão aérea, utilizando essas imagens para calcular a velocidade na qual o vulcão expelia rocha derretida e cinzas.

"Quanto mais material era expelido de uma vez, mais rápido o raio da coluna se expandia", explica Van Eaton. Eles descobriram que os raios aumentavam para seis descargas por minuto durante a intensificação inicial da erupção e depois diminuíam conforme a coluna alcançava um ritmo estável de expansão.

Van Eaton e sua equipe observaram um aumento semelhante na ocorrência de raios durante a erupção do vulcão Calbuco, em 2015 no Chile. Naquela ocasião, os raios aumentaram no início do fluxo piroclástico—uma perigosa avalanche de rochas quentes e cinzas. Juntos, os resultados sugerem que esses aumentos na ocorrência de raios refletem alguma mudança importante no início da erupção.

Detectando o limite dos raios

"É um artigo interessante", diz Cimarelli, que considera os resultados encorajadores, mas um tanto simplistas. Conforme Van Eaton e seus colegas aprofundam o estudo, ainda há muita incerteza associada à massa expelida por um vulcão que é estimada com base em imagens de satélite. Há também a questão de que os sensores da WWLLN detectam apenas uma fração dos raios.

"Isso não significa que não seja importante", diz Sonia Behnke, cientista atmosférica do Laboratório Nacional Los Alamos. "Significa apenas que vemos algo, mas de fato há muito mais acontecendo".

Cimarelli, bolsista da National Geographic, replica os raios vulcânicos em erupções em miniatura para meticulosamente controlar cada fator. Embora as escalas sejam bem diferentes, os raios nessas erupções de laboratório aumentam de forma semelhante nos estágios iniciais. Então, os raios se tornam menos frequentes conforme a coluna se expande, provavelmente porque a distância entre as partículas—e sua capacidade de adquirir e remover carga—aumenta ainda mais, explica ele.

"Até mesmo com essas observações gerais, elas já parecem fornecer algo que também vemos nos experimentos [laboratoriais]", diz Cimarelli. Porém, ainda há muito mais a ser estudado. Por exemplo, é difícil dizer se os raios detectados pela WWLLN foram produzidos por tempestades ou vulcões. O novo estudo indica que pode haver alguma diferença, mas ela parece ser discreta.

"Outros trabalhos precisam ser realizados para que os dois tipos possam ser totalmente distinguíveis, mas há bastante potencial aqui", diz Rebecca Williams, vulcanóloga da Universidade de Hull.

Van Eaton concorda, complementando que há um longo caminho pela frente antes de esse método ser colocado em prática: "O que esse artigo realmente traz são algumas boas observações. Espero que ele incentive muitos trabalhos interessantes e atraia pessoas que sejam capazes de utilizar essas observações e levá-las ao próximo nível".

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