Vulcão que formou as Bermudas é diferente de qualquer outro na Terra

Amostras de rocha da ilha sugerem que o vulcão seja um estranho híbrido que representa uma forma completamente nova de formação de vulcões.

Por Robin George Andrews
Publicado 25 de mai. de 2019, 11:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A ilha de Bermudas, vista da Estação Espacial Internacional, fica na superfície de um antigo vulcão.
A ilha de Bermudas, vista da Estação Espacial Internacional, fica na superfície de um antigo vulcão.
Foto de NASA, Chris Hadfield

Não existem dois vulcões iguais, mas todos eles se formam do mesmo jeito. Aparentemente todos, exceto o antigo vulcão que formou os alicerces das ilhas Bermudas.

Depois de examinar rochas profundas da ilha, cientistas descobriram que esse vulcão adormecido foi formado de uma maneira que, até o momento, é totalmente única. O trabalho, relatado essa semana no periódico Nature, não apenas soluciona um longo mistério sobre essa linda ilha no Atlântico, como também descreve uma forma completamente nova de formação de vulcões.

Para solucionar o caso, a equipe examinou um pilar de rocha de mais de 790 metros de comprimento que é a única amostra do núcleo coletada das Bermudas. Retirada de um local próximo ao aeroporto, no ano de 1972, a amostra do núcleo estava “acumulando poeira” na Universidade de Dalhousie, na Nova Escócia. Embora a equipe suspeitasse de que algo incomum pudesse estar ocorrendo, uma avaliação geoquímica abrangente da rocha os deixou totalmente surpresos.

“Pesquisadores passaram 50 anos fazendo pesquisa geoquímica em lavas oceânicas e ninguém descobriu a singularidade que encontramos nas Bermudas”, afirma o coautor do estudo Esteban Gazel, geoquímico da Universidade de Cornell. “Às vezes, por sorte, acabamos descobrindo algo novo e diferente”.

Com um novo modelo de formação de vulcões, pode ser que as Bermudas não estejam sozinhas: poderia haver outros vulcões no Oceano Atlântico que se formaram pelo mesmo processo ou outro similar, diz a coautora do estudo Sarah Mazza, geoquímica na Universidade de Münster. “Só que nós ainda não os encontramos”, conta ela.

Aurélie Germa, vulcanóloga e geoquímica da Universidade do Sul da Flórida, conta que o modelo da equipe de formação de Bermudas “provavelmente ajudará a sanar algumas inconsistências geoquímicas” e, outros vulcões em contextos tectônicos semelhantes “que ninguém jamais conseguiu realmente explicar antes.”

Balões de chumbo tectônicos

Até agora, os métodos conhecidos para formação de vulcões incluíam plumas mantélicas provenientes do manto quente, duas placas tectônicas divergentes entre si em uma crista médio-oceânica ou uma placa que “mergulha” sob a outra em uma zona de subducção. Todos esses processos podem criar zonas de magma na crosta terrestre que podem dar origem a picos eruptivos na superfície.

A parte vulcânica inferior das Bermudas tradicionalmente foi explicada por uma pluma mantélica, que é como o arquipélago havaiano se formou: uma pluma fixa deu origem a diversas ilhas vulcânicas que cresceram, entraram em erupção e adormeceram à medida que a placa tectônica sobre elas continuou a se movimentar.

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    De fato, a pesquisa geofísica sugere que há uma estrutura aquecida que se move verticalmente sob as Bermudas. Mas as evidências de que seja uma pluma semelhante à do Havaí não são tão sólidas. Não há nenhum arquipélago como o Havaí e, se houvesse uma pluma, também deveria haver vulcanismo em um ponto a sudeste das Bermudas onde se prevê que estaria atualmente, mas não há.

    É aí que entra o núcleo da rocha, que registrou o submundo vulcânico escondido sob as praias rosadas das Bermudas. Ele apresenta proporções de diferentes compostos de chumbo, formados pela decomposição de dois tipos de urânio. Isso só poderia ser explicado se a fonte dentro do manto fosse geologicamente jovem, mas o manto sob as Bermudas é provavelmente muito antigo.

    No entanto, o Oceano Atlântico é um lugar especial: ele só existe devido à ruptura do supercontinente Pangeia, centenas de milhões de anos atrás, conta Mazza. Durante a formação ou destruição desse supercontinente, lâminas das placas tectônicas entraram sob o manto, por baixo do que um dia seria o Oceano Atlântico. Essas chapas poderiam ser a fonte do material jovem que a equipe estava buscando.

    O manto excêntrico

    Provavelmente essas lâminas foram armazenadas na famosa zona de transição do manto, uma região fisicamente incomum entre 400 e 640 km subterrâneos. Os diamantes provenientes da zona de transição do manto revelam que ele contém uma grande quantidade de água, bem como uma variedade de compostos como dióxido de carbono.

    Efetivamente, a amostra do núcleo continha sinais dessas digitais geológicas reveladoras. Minerais como o piroxênio, conhecido por ser muito seco, estavam estranhamente úmidos nas amostras do núcleo das Bermudas. A sílica, um composto químico importante das rochas vulcânicas, também não estava como geralmente é, indicando que havia sido expelida por uma alta proporção de dióxido de carbono.

    Baseando-se na fonte dos elementos constitutivos das Bermudas, a equipe utilizou modelos computadorizados para analisar o que aconteceu em seguida.

    Há cerca de 30 milhões de anos, uma agitação na área fez com que o manto no limite mais profundo da zona de transição fluísse para cima. Com isso, ele pegou emprestado uma parte do material dessas lâminas estagnadas e foi se movimentando com a mistura.

    Como o ambiente que circundava a mistura mudou drasticamente, ocorreu uma fusão, dando origem a uma substância parecida com um fondue. Esse fondue subiu para a crosta, onde criou um tipo estranho de magma que entrou em erupção no fundo do mar e deu origem às Bermudas.

    De volta para o futuro

    Há muito tempo, vulcanólogos vêm especulando sobre a fonte dos materiais usados para formar vulcões no meio das placas tectônicas. Esse estudo revela pela primeira vez evidências convincentes da existência de uma reserva desses materiais no meio do manto e, assim, descreve uma nova forma de se gerar um vulcão.

    O estudo é um “sucesso geoinvestigativo real,” conta Janine Krippner, vulcanóloga do Programa Global de Vulcanismo do Instituto Smithsoniano, que elogia a abordagem de múltiplas vertentes empregada pela equipe.

    Val Finlayson, geoquímica isotípica da Universidade de Maryland, conta que a pesquisa é uma “exploração bem abrangente das origens das Bermudas.” Era possível que uma pluma regular pudesse explicar a situação, já que plumas mantélicas profundas podem devorar o material tectônico reciclado à medida que ascendem, possivelmente criando algumas das singularidades observadas pela equipe. No entanto, a “abordagem abrangente e multidimensional” da equipe faz com que sua nova teoria seja ainda mais convincente, diz ela.

    Embora a equipe esteja confiante em sua teoria, eles também não são categóricos: “No fim das contas, é uma interpretação” do que formou Bermudas, afirma Gazel e é necessário mais trabalho para corroborá-la.

    Rebecca Williams, vulcanóloga da Universidade de Hull, acrescenta que essa história impressionante só foi possível graças a uma amostra coletada na década de 1970, quando o conhecimento científico necessário para revelar seus segredos simplesmente não existia.

    “Quem sabe quais descobertas futuras podem estar em nossas coleções de rochas”, diz ela.

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