Vacas arrotam metano e contribuem para efeito estufa. Mas é possível evitar?
Estudo com mais de mil vacas em toda a Europa identificou que os micróbios presentes no estômago delas, responsáveis pela produção de metano, são herdados.
Por trás da aparência tranquila de uma vaca, existe um intricado sistema digestório que transforma capim nos carboidratos complexos de que os animais necessitam. Um subproduto dessa digestão é o metano, um dos gases de efeito-estufa mais potentes encontrado na Terra. E ele é produzido em grandes quantidades.
Embora o metano permaneça na atmosfera por menos tempo que o carbono, ele é altamente eficiente no aprisionamento de calor. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos estima que aproximadamente 25% do metano nos Estados Unidos é oriundo de vacas.
Reduzir essas emissões de metano é um importante objetivo de ambientalistas que tentam atenuar os impactos das mudanças climáticas e novas pesquisas indicam a possibilidade de alcançar esse objetivo por meio da alteração da composição genética de vacas comuns.
Alguns micróbios presentes no interior das vacas contribuem mais ativamente com a produção de metano que outros. Um novo estudo publicado no periódico Science Advances demonstra que muitos micróbios produtores de metano são herdados e, assim, os cientistas acreditam que a seleção genética de vacas sem esses traços herdados poderia significar um passo a mais para se projetar uma vaca mais ecológica.
É uma perspectiva que traz esperança aos cientistas. O consumo de carne e leite está em crescimento há uma década e muitos países estão com dificuldades para alimentar populações cada vez maiores e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões.
O que mil vacas europeias podem nos revelar
Em 2012, a União Europeia incumbiu uma equipe formada por mais de 30 cientistas de uma pesquisa sobre a relação entre rebanhos e emissões de metano.
O projeto de pesquisa foi denominado Ruminomics — ruminantes são uma categoria formada por animais como vacas, búfalos, iaques e ovelhas. O rúmen é o primeiro de quatro compartimentos encontrados no estômago de um ruminante, onde o capim é digerido parcialmente por fermentação antes de passar para as cavidades restantes, sendo que 95% do excesso de metano é expelido por meio de arrotos.
É no rúmen que inicia o processo de produção de metano. Bactérias produzem hidrogênio quando começam a fermentar carboidratos e organismos unicelulares chamados arqueas combinam esse hidrogênio com dióxido de carbono para produzir metano.
Cientistas suspeitavam que diversos genes poderiam controlar essa produção de metano, mas não estava claro como ocorria o processo.
É “como um triângulo”, afirma John Wallace, da Universidade de Aberdeen, autor do estudo. “Cada vértice do triângulo representa um aspecto: o primeiro representa as emissões, o segundo representa o microbioma do rúmen e o terceiro, o genoma do animal hospedeiro. O objetivo de nosso estudo foi observar como funcionava a ligação entre esses três aspectos.”
Eles analisaram vacas holandesas de propriedades rurais no Reino Unido e Itália, além de vacas leiteiras da raça Nordic Red (nórdicas vermelhas, em tradução livre) na Suécia e Finlândia. Foram projetadas ferramentas especializadas para coletar amostras por meio da inserção um cilindro de latão na boca da vaca e extração de fluido do rúmen para que os cientistas pudessem analisar os protozoários, fungos, bactérias, arqueas e DNAs cruciais ao experimento. Também foram obtidas amostras da respiração para avaliar a quantidade de metano emitida no arroto das vacas.
Wallace afirma que os resultados da análise dos principais micróbios no rúmen de cada vaca indicam que os micróbios passam de geração em geração. Certos micróbios como o succinovibrionaceae eram comuns em vacas que produziam menos metano.
Pastos mais ecológicos para vacas mais ecológicas
“Com a informação de que esses organismos são herdados e estão interligados, nossa ideia agora é fazer um melhoramento genético procurando obter animais com maior produção de leite, menos emissões ou outras propriedades desejáveis”, conta Wallace. “Se formos capazes de inocular animais jovens com um microbioma com baixa produção de metano, teremos todos os motivos para acreditar que esse microbioma persistirá durante a vida do animal, o que levará a uma produção muito menor de metano pelos animais.”
Em locais como a Califórnia que possuem uma meta de redução de 40% nas emissões de metano, vacas com baixa produção de metano “poderiam fazer parte da solução”, afirma Ermias Kebreab, da Universidade da Califórnia em Davis.
Kebreab disse estar animado com os resultados do estudo e que é um ótimo primeiro passo na iniciativa que ainda levará anos para ser executada na prática. A própria pesquisa dele está concentrada em como a quantidade de metano produzida pelas vacas é afetada pela dieta. No ano passado, ele descobriu que o acréscimo de metano na alimentação das vacas reduz expressivamente sua emissão.
Kebreab e Wallace afirmam ambos que um grande entrave para isso será convencer os pecuaristas a permitir o melhoramento genético das vacas com o objetivo de obter traços de baixa emissão, já que os pecuaristas tendem a fazer uma seleção em razão de traços rentáveis, como tamanho e produção leiteira, e emissões mais baixas não trariam nenhuma vantagem financeira direta. Em regiões sem metas de redução de emissões, Kebreab disse que os produtores rurais precisariam de um incentivo econômico a mais.
Wallace afirma que a seleção genética de vacas que produzem menos metano já começou e ainda não foram notados efeitos colaterais negativos.