O impacto mais importante das políticas climáticas de Trump foi a perda de tempo

Muito dióxido de carbono foi liberado na atmosfera durante os anos do governo Trump, mas especialistas afirmam que o maior prejuízo foi a ausência de progresso.

Por Alejandra Borunda
Publicado 31 de dez. de 2020, 07:00 BRT
Presidente Donald Trump em um comício de campanha em Minden, Nevada, no dia 12 de setembro ...

Presidente Donald Trump em um comício de campanha em Minden, Nevada, no dia 12 de setembro de 2020. O presidente menosprezou as mudanças climáticas e promoveu políticas que as aceleram, fazendo com que os Estados Unidos não progredissem em ações contra as mudanças climáticas nos últimos quatro anos.

Foto de Doug Mills The New York Times, Redux

POR DÉCADAS, ESPECIALISTAS CLIMÁTICOS alertaram que adiar a adoção de medidas para controlar o aquecimento global faria com que a resolução do problema fosse mais perigosa e difícil. Portanto, qual foi o impacto causado pelos quatro anos sem progresso sob o governo do presidente Donald J. Trump?

Surpreendentemente, a quantidade total de dióxido de carbono adicional liberada na atmosfera nos últimos anos foi pouca, afirma Leah Stokes, especialista em política climática da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara. Mas o mais importante era desacelerar o progresso das emissões. Os custos climáticos e econômicos da criação de um futuro com menos combustíveis fósseis estão aumentando drasticamente a cada ano, sendo assim, quatro anos sem progresso, pelo menos nos Estados Unidos, pressionam ainda mais os futuros líderes.

“Não estamos indo na direção errada, mas também não estamos na direção certa”, diz Stokes.

Quais políticas são mais importantes?

Durante a campanha de Trump em 2016, ele já havia demonstrado seu ceticismo em relação às mudanças climáticas. Depois que ele assumiu o cargo em 2017, seu governo tomou decisões que desaceleraram ou menosprezaram as ações climáticas. Seu governo reverteu as políticas que ajudavam a mitigar o aquecimento, atenuou regulamentações para os poluidores climáticos, aprovou o oleoduto Keystone XL, desfez o Acordo de Paris e muito mais.

No início de 2017, por exemplo, Trump determinou que a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) anulasse o Plano de Energia Limpa, política do governo Obama que visava reduzir as emissões de carbono do setor energético para 32% abaixo dos níveis de 2005 até 2030. Esse plano evitaria cerca de 70 milhões de toneladas de emissões até este ano e mais de 400 milhões de toneladas até 2030.

Em vez disso, a EPA substituiu o Plano de Energia Limpa pela norma de Energia Limpa Acessível (ACE, na sigla em inglês), que não define limites de emissões nacionais, permitindo que os estados decidissem como controlar as emissões das usinas. A agência estimou que essa norma resultaria em apenas 11 milhões de toneladas a menos de CO2 liberados na atmosfera até 2030 — aproximadamente o volume de emissões de Rhode Island durante um ano, com base nos números de 2017.

De forma semelhante, o governo atenuou as regras de eficiência do combustível de veículos, substituindo as normas por novas metas menos ambiciosas em março de 2020. As mudanças não teriam grandes impactos no futuro imediato, mas retardariam a transição para o uso de carros e caminhões mais eficientes. Tal como o cancelamento pelo governo de uma isenção permitindo que a Califórnia estabeleça normas mais rígidas de gases emitidos por veículos — uma ação que ainda está sendo contestada na justiça.

O governo também modificou as normas referentes à quantidade de metano, um gás de efeito estufa superpotente, que pode ser emitido como subproduto da perfuração de poços de petróleo e gás e de aterros sanitários. A EPA estima que suas novas normas, estabelecidas em 2020, resultarão em 850 mil toneladas a mais de metano liberadas na atmosfera até 2030, embora alguns especialistas acreditem que seja uma estimativa subestimada. O metano é um agente de aquecimento muito mais poderoso do que o dióxido de carbono no curto prazo, o que significa que seus impactos podem ter forte influência no futuro próximo.

Diversas outras normas foram atenuadas e muitos indícios mais sutis apresentados que favoreciam a economia de combustível fóssil. “O governo fez tantas coisas, e cada decisão não resulta em um grande impacto de emissões de combustíveis fósseis”, esclarece Narayan Subramanian, especialista em política climática e membro da Data for Progress e da Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Porém as decisões têm uma espécie de impacto coletivo.”

Qual é a dimensão do impacto?

“É difícil quantificar os impactos dessas mudanças políticas”, explica Kate Larsen, analista do Grupo Rhodium, em parte porque futuras emissões também serão afetadas por outros fatores, como condições climáticas (o frio do inverno aumenta as emissões) e tendências econômicas (mudanças para energia renovável estão ocorrendo independentemente de mudanças políticas).

Campos de gás natural nos arredores de Pecos, Texas. O governo Trump mudou as normas referentes à quantidade de metano, um prejudicial gás de efeito estufa, que pode ser emitido como subproduto da perfuração de poços de petróleo e gás.

Foto de Ed Kashi, Vii, Redux

Larsen e seus colegas constataram que a reversão das normas de eficiência de combustível aumentaria cerca de 450 milhões de toneladas de CO2 ou seu equivalente, a suspensão da isenção da Califórnia, se mantida, aumentaria cerca de 570 milhões de toneladas, principalmente por desacelerar a mudança para o uso de veículos elétricos. As normas de metano atenuadas contribuiriam com 640 milhões de toneladas.

Com mais alguns detalhes, os analistas da Rhodium chegaram à estimativa final: as ações do governo Trump podem liberar um total de pelo menos 1,8 bilhão de toneladas de CO2 a mais na atmosfera até 2035.

Aproximadamente 30% do que os Estados Unidos emitiram apenas no ano de 2019.

Os efeitos da substituição do Plano de Energia Limpa pela ACE aumentariam ainda mais esse número, mas não se sabe a magnitude do efeito. E Larsen enfatiza que houve muito mais mudanças inefáveis que eram difíceis ou impossíveis de quantificar, então a estimativa provavelmente é baixa.

Subramanian esclarece que é importante saber que “as mudanças não são permanentes em termos de estrutura regulamentar da política ambiental. Tudo o que [o governo Trump] fez na regulamentação é reversível”.

A verdadeira questão, diz ele, é quanto tempo o governo Biden precisará para reverter a situação novamente, obter avanço nas ações climáticas e fazer com que a tendência das emissões siga firme na direção certa.

Em busca do tempo perdido

Desde que os Estados Unidos atingiram o nível mais alto de emissões em 2007, em geral esse nível está em tendência de queda. Em 2018, a emissão subiu para cerca de 5,9 bilhões de toneladas métricas, de acordo com a Rhodium, antes de cair novamente em 2019 para 5,7 bilhões de toneladas métricas, quase a mesma quantidade de 2017. Em 2020, esses números estão caindo bruscamente mais um vez — mas apenas porque a pandemia paralisou parcialmente a economia e as pessoas não estão viajando ou se deslocando tanto.

Mesmo assim, os cientistas concordam que as emissões precisam diminuir de forma rápida e sustentável, nos Estados Unidos e em outros lugares. “Temos uma quantidade finita de carbono que podemos emitir”, afirma Kirstin Zickfeld, cientista climática da Universidade de Simon Fraser na Colúmbia Britânica, “e já emitimos a maior parte”.

A quantidade exata que resta nesse “limite de carbono” e como ele deve ser dividido entre os países são temas amplamente debatidos. Mas Zickfeld diz que uma forma simples de olhar para o problema é a seguinte: para haver 50% de chance de evitar que o planeta aqueça além de 1,5 grau Celsius — a meta mais ambiciosa definida pelo Acordo de Paris — o mundo deve se limitar a emitir menos de 500 bilhões de toneladas de dióxido de carbono no total.

Com o volume de emissão atual — mundialmente, cerca de 36 bilhões de toneladas de dióxido de carbono fóssil por ano — esse número se esgotará em pouco mais de 12 anos. O desafio é chegar a uma emissão zero antes que o limite seja atingido.

Larsen fez um cálculo aproximado para ilustrar como o governo Trump afetou esse desafio nos Estados Unidos, onde o presidente eleito Joe Biden agora abraçou o objetivo de emissão zero. Se depois de 2016 o país quisesse se empenhar nessa meta e cumprir o Acordo de Paris, seria necessário “manter as reduções de emissões entre 2025-2030 de 4,4% ao ano para continuar progredindo para o objetivo de emissão zero até 2050”, escreveu Larsen em um e-mail.

Mas após os retrocessos de Trump, ela escreve, “teremos que atingir reduções de 5,4% ao ano, em média, entre 2025-2030 para continuar no caminho certo”.

Cada ano sem progresso faz com que os cortes necessários sejam maiores e dificultam a obtenção do objetivo final. Muitos especialistas consideram que o tempo perdido é o maior prejuízo dos últimos quatro anos.

Ben Sanderson, cientista climático do centro de pesquisa francês CERFACS, e um colega observaram recentemente como o atraso nas ações climáticas afeta o custo econômico de controlar as mudanças climáticas.

“Conforme nos aproximamos [da meta de 1,5 °C], os custos aumentam exponencialmente a cada dia que passa”, diz ele. “Estamos prestes a tornar isso impossível.”

“Para mim, o que não aconteceu nos últimos quatro anos é muito mais importante do que o que de fato aconteceu”, afirma Noah Kaufman, especialista em políticas climáticas da Universidade de Colúmbia. “Quanto mais adiarmos, mais cara ficará a implementação dessas políticas ou a alternativa é simplesmente não obtermos tantos resultados com elas. Esse é o impacto dos anos do governo Trump.”

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