As ondas do mar podem congelar por causa do frio intenso? Veja o que diz a ciência
O acúmulo de gelo pode produzir imagens espetaculares também à beira mar. Mas será que temperaturas abaixo de zero – sozinhas – são suficientes para transformar a água do mar do estado líquido para o sólido?
As gotas de água congeladas podem fazer parecer que as ondas do mar também estão congeladas, mas o geólogo argentino Jorge Rabassa rebate esse fenômeno e explica como ele acontece. Na foto, além das ondas podem ser vistos icebergs ao redor da Ilha Luigi, na Rússia.
Quando as temperaturas caem vertiginosamente, a paisagem se transforma – desde campos cobertos de gelo até picos de montanhas, que ficam cobertas de neve. Mas com o frio visto nos últimos meses na parte sul da América do Sul, em especial na região da Patagônia, na Argentina, até mesmo o litoral ficou congelado.
No início de julho de 2024, a província de Tierra del Fuego, bem no sul argentino, chamou a atenção por causa das imagens de ondas do mar supostamente congeladas. Com esse fenômeno da natureza sendo retratado, uma dúvida surgiu: será que o oceano pode se transformar em uma camada de gelo durante uma forte onda de frio?
Para responder a essa pergunta, a National Geographic consultou Jorge Rabassa, PhD em Geologia, pesquisador e membro da Academia Nacional de Ciências da Argentina, da Academia Latino-Americana de Ciências e da Academia de Ciências da Catalunha, da Espanha. Veja, a seguir, o que o pesquisador afirma sobre essa questão.
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A foto mostra pedaços de gelo no mar em uma região do Oceano Atlântico perto do Canadá.
As ondas do mar podem se congelar?
Embora as ondas do mar parecessem congeladas, de acordo com o que foi observado na Tierra del Fuego, na verdade elas não viraram água em forma de gelo. O ocorrido faz parte de um fenômeno climático normal e foi o efeito de uma combinação de fatores, explica o cientista Jorge Rabassa.
Quando atingem a costa, as ondas espirram gotas nas proximidades de seu ponto de impacto na praia. Combinadas com a força do vento na região (que geralmente é forte), essas gotas (que estão próximas do ponto de congelamento tradicional, ou seja, a 0 °C) viajam dezenas de metros.
Ao atravessar o ar frio, que pode variar de -10°C a -20°C, as gotículas perdem ainda mais temperatura rapidamente. "Quando atingem o substrato da praia ou a água previamente congelada, elas congelam instantaneamente nas superfícies afetadas e formam cristas alongadas na direção em que o vento está soprando, acumulando-se umas sobre as outras e dando a falsa impressão de uma onda congelada", explica Rabassa.
Em outras palavras, os respingos de água na costa, combinados com temperaturas abaixo de 0ºC, podem gerar finas camadas de gelo (de alguns centímetros de espessura) que "se orientam de acordo com a microtopografia do local", continua o geólogo.
Por esse motivo, as "ondas congeladas" capturadas em diversas fotos recentemente no sul argentino eram, na verdade, um acúmulo de gotículas de água congelada.
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É normal ver grandes cursos de água congelados?
Esse fenômeno espetacular é mais comum do que parece, reconhece o pesquisador. No entanto, ele esclarece que para que isso aconteça, é necessário ocorrer em ambientes com condições climáticas de inverno rigoroso com temperaturas do ar muito baixas (em torno de -10°C e -20°C).
Além do sul da Argentina, um destino turístico popular onde esse efeito pode ser observado, as Cataratas do Niágara, na América do Norte (localizadas entre o Canadá e os Estados Unidos), também passam por esse fenômeno natural.
Entre dezembro e fevereiro, meses de inverno na região, essas enormes quedas de água podem se transformar em grandes paredes de gelo como resultado da combinação de respingos de água e ar frio.
Assim como as ondas do mar no sul da Argentina, as Cataratas do Niágara (na foto), que ficam localizadas entre Estados Unidos e Canadá, podem parecer congeladas em determinadas épocas do ano. A água da superfície e a névoa causada pelo impacto da queda se transformam em gelo. No entanto, a água continua a fluir no interior da catarata.
Afinal, o mar pode congelar ou não?
Na realidade, o oceano pode congelar sim, mas não em qualquer lugar, afirma Rabassa. "Muitas vezes, o que congela são poças de água em praias e litorais rochosos, porque são rasas e de curta duração.
O Serviço Nacional de Oceanos dos Estados Unidos explica em seu site que a água do mar também congela – da mesma forma que a água doce – mas precisa de temperaturas mais baixas. Enquanto a água doce congela a 0°C, a água do mar se transforma em gelo a cerca de -2°C, devido ao sal que contém.
O cientista argentino acrescenta: para que o mar congele são necessárias temperaturas do ar bastante baixas (em torno de -20°C a -30°C) porque “para congelar as moléculas de água na parte superior do mar e uni-las gradualmente, aumentando sua espessura até formar uma cobertura contínua de gelo". Essas condições devem durar por um longo período, mesmo durante o verão.
Além disso, para que uma parte do oceano se transforme em gelo, a superfície do mar precisa estar livre de ondas fortes, pois o movimento impede o crescimento da cobertura de gelo na superfície.
“É por isso que em toda a costa da Argentina (e no restante da América do Sul), o mar nunca congela, nem mesmo nos anos mais frios, exceto por pequenas poças e depressões costeiras rasas, mas sem contato direto e extenso com o mar", ressalta Rabassa.
Mas o mar congela na Antártida, por exemplo, onde a camada de gelo pode atingir vários metros de espessura e crescer durante o inverno, conclui o geólogo.