Ela lutou pela criação de um santuário de tubarões. Mas ele funciona?
Ela ajudou a proibir o comércio de tubarões nas Ilhas Cook, agora Jessica Cramp quer saber: uma lei pode protegê-los?
Uma versão desta reportagem está na edição de julho da revista National Geographic Brasil.
Elas estão nas docas de barcos, as mãos cobertas com as entranhas de atum-amarelo, quando Konini Rongo e Bella Smith descobrem que vivem em um dos maiores santuários de tubarões do mundo.
As meninas, ambas com 17 anos, estão fatiando sobras de peixe ao lado de uma fileira de barcos pesqueiros em um porto em Rarotonga, a maior dentre as 15 Ilhas Cook. Elas se ofereceram para ajudar a bióloga marinha americana Jessica Cramp a posicionar câmeras subaquáticas para registrar os tubarões. Mas, em primeiro lugar, vem a difícil tarefa de fazer iscas, enquanto Cramp – cujo trabalho é financiado pela National Geographic e pela Rolex – conta a elas a história da área protegida de 196 milhões de hectares.
Em 2011, Cramp mudou-se para as ilhas do Pacífico Sul, onde os recifes estão repletos de tubarões, para ajudar a lançar uma campanha para o santuário. Dezoito meses depois, já era uma lei, com uma multa mínima de 73 000 dólares, cobrada de qualquer barco encontrado vendendo ou transportando partes de tubarão na zona econômica exclusiva das Ilhas Cook.
Agora Cramp planeja aplicar rastreadores de satélite nas costas de 28 tubarões para que ela possa acompanhar os seus movimentos. Pouco é conhecido sobre os tubarões da região. Cramp quer descobrir para onde e a que distância eles viajam – dados vitais para se projetar proteções melhores.
Pescando tubarões pela ciência
No barco, Cramp ensina a preparação às adolescentes: como conectar uma câmera GoPro e uma isca em um dispositivo que vai ancorá-los no fundo do oceano, como registrar as coordenadas do GPS para que possam retirá-las mais tarde. Para marcar os tubarões, explica ela, as garotas vão enganchar o animal, amarrá-lo à lateral do barco, cortar uma fenda na base de sua barbatana dorsal e inserir aí um rastreador de satélite. Elas aparentam estar horrorizadas. “Parece brutal, mas vai nos trazer informações para criar leis que os protejam”, diz Cramp.
Antes de o santuário ser criado, “um navio poderia capturar cinco ou seis tubarões por dia”, conta Josh Mitchell, que supervisiona a pesca comercial nas ilhas. Seus inspetores podiam sentir o cheiro de amônia que escapa pela pele dos tubarões assim que subiam em um barco de pesca. Muitas vezes, a tripulação vendia as barbatanas em partes da Ásia onde a sopa delas é uma iguaria. Quando a política de tolerância zero entrou em vigor, em 2012, os inspetores ficaram aliviados, pois não havia mais margens para interpretação. Desde então, quatro barcos pagaram um total de 247 000 dólares em multas.
Um professor, certa vez, disse a Cramp que os melhores cientistas passam a vida inteira tentando desmentir suas próprias teorias. Então, por três anos, Cramp vem analisando dados globais para avaliar se as áreas de proteção de grande escala, como a que ela ajudou a projetar, garantem os tubarões vivos. Ela espera que essa informação ajude conservacionistas e legisladores a desenvolverem leis mais eficazes. “Eu sei que os tubarões ainda estão morrendo nos santuários”, diz. “E, se os santuários não estão funcionando, toda a determinação e os elogios são em vão.”
Ela percebeu que a lei ainda tem furos. Em vários casos, as autoridades não multaram um barco que continha partes de tubarão a bordo, pois estavam de passagem pelas águas na entrada do país ou tinham entrado apenas para solicitar assistência médica.
Engajamento da comunidade
Tubarões sempre foram os guardiães dos animais, taura atua, para os habitantes das Ilhas Cook. Mas, para os pescadores mercantes de hoje, eles são uma competição. Os homens atraem suas capturas com dispositivos que balançam sob boias a poucos quilômetros da costa – mas o sistema também atrai tubarões famintos. Isso se tornou uma batalha para os esforços de conservação de Cramp. “A mentalidade aqui é: se tubarões estão pegando suas iscas, pegue um tubarão”, diz um capitão local.
Nas docas à procura de isca, Cramp questiona um grupo de pescadores: “Pescaram alguma coisa hoje? Viram algum tubarão?” A resposta é não, mas Cramp sabia que um deles, recentemente, matara um espécime. Ela tem uma reputação no porto: os pescadores a chamam de Dona Tubarão. Ela tenta não fazer sermão a esse pescador – basta dizer o suficiente para que ele entenda. “Ele vai começar a matar menos tubarões”, diz ela, “pois vai se sentir mal.”
Em viagens de barco para colocar e recuperar as GoPros, as jovens ajudantes de Cramp não encontram nenhum tubarão para rastrear. No dia seguinte, elas assistem à filmagem da GoPro: peixes mordendo a isca, enguias brigando em frente à câmera. Depois de duas horas, Cramp vê algo rodeando, ao fundo: “Um tubarão!” Comemorações efusivas. “Foi a câmera que eu posicionei”, diz Konini Rongo, com orgulho.
Cramp prevê, algum dia, deixar seu trabalho para os nativos. Rongo e Bella Smith, ambas no fim do ensino médio, pensam em estudar biologia marinha na universidade. “Em vez de dizer ‘Trabalho em um escritório’, vai ser tipo ‘Eu sou uma Dona Tubarão’”, devaneia Smith. “Seria um nome legal de se ter.”
A conservacionista e pesquisadora Jessica Cramp atua na nova parceria que a Rolex e a National Geographic, aliadas de longa data, firmaram em 2017. Seu lema, um comprometimento com um “planeta perpétuo”, reflete a missão de promover a conservação e a exploração dos oceanos, polos e montanhas.