Conheça o palácio inspirado no Apocalipse

Hoteleiro vietnamita diz ter falado com Deus para erguer edifício cujos símbolos aludem ao Livro da Revelação.

Por Gulnaz Khan
fotos de Albert Bonsfills
Publicado 31 de ago. de 2018, 10:10 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Bui passa o tempo em diferentes quartos dentro do Palácio das Revelações. “A coisa mais exclusiva ...
Bui passa o tempo em diferentes quartos dentro do Palácio das Revelações. “A coisa mais exclusiva desta casa, que a faz ser chamada de Palácio das Revelações, é que ela foi projetada puramente com base no Livro bíblico das Revelações, que data de quase 2 mil anos atrás. Ele descreveu as visões do sonho de São João, um discípulo favorito de Jesus", diz Bui.
Foto de Albert Bonsfills

Foi no ano do grande tsunami que o hoteleiro vietnamita Son Bui afirma ter falado com Deus pela primeira vez.

Em 26 de dezembro de 2004, um terremoto de magnitude 9.1 abalou o fundo do mar fora da costa da ilha indonésia de Sumatra. A água recuou e, então, surgiu violentamente arrasando o litoral da Indonésia até a África Oriental.

Muito embora o epicentro fosse a uma distância de mais de 1,6 mil quilômetros de sua casa em Hanoi, o tremor abalou Bui, que decidiu buscar o significado disso. “Eu não frequento a igreja e não pratico qualquer ritual religioso, mas sei que Jesus Cristo vive em mim”, afirma Bui. Esse sentimento tem orientado sua vida todos os dias desde o terremoto.

Diante das forças cataclísmicas, tanto físicas quanto espirituais, Bui trocou as ruas congestionadas de Hanoi pelas praias calmas, branqueadas pelo sol de Nha Trang, Vietnã, para recomeçar a sua vida. Inspirado por suas conversas constantes com Deus e pelo “espírito de verdade” do Livro das Revelações, Bui começou a projetar seu próprio hotel com base nos símbolos das Escrituras. Em um país caracterizado por uma minoria cristã, seu objetivo é compartilhar sua visão espiritual com hóspedes do mundo inteiro.

“É como um filme com diversos tipos de personagens, incluindo humanos, animais e monstros”, diz Bui. “Se você visitar essa casa, encontrará centenas de detalhes com designs bonitos, criativos e requintados, que ilustram os personagens e eventos do Livro das Revelações”. No contrato de construção, Bui estabeleceu que o palácio teria que ser concluído até 12 de dezembro de 2012 - a data que era até então especulada como sendo o dia do Apocalipse. O mundo não acabou em 2012, e nem a construção, mas, atualmente, o Palácio da Revelação recebe os hóspedes dispondo de ar condicionado, karaokê, vista para o mar e visões bíblicas.

Uma breve história do fim dos tempos

Ao longo da história, contos sobre a nossa criação eram inevitavelmente sucedidos por histórias da nossa destruição. Apocalipse, do grego apokálypsis, se traduz em uma descoberta, divulgação, ou revelação – apelando para a necessidade intrínseca da humanidade de criar ordem a partir do caos.

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    “Para vir a esta casa, você terá que andar em uma das duas Vias Lácteas, dispostas em formato de arco”, diz Bui. O projeto foi inspirado pelo Livro das Revelações 6.13: “E as estrelas do céu caíram na terra”.
    Foto de Albert Bonsfills

    “O pensamento apocalíptico foi desenvolvido no judaísmo aproximadamente 22 séculos atrás”, diz Lorenzo DiTomasso, professor de religiões e culturas da Universidade Concórdia de Montreal. “Entre suas primeiras expressões, está o livro de Daniel na Bíblia. O livro final do Novo Testamento é a Revelação de João, o projeto do apocalipse para todos os cristãos e um dos livros mais influentes da história”.

    O Livro da Revelação, também chamado de Apocalipse de João, é o último livro do Novo Testamento e foi escrito por volta de 95 D.C., durante a perseguição dos cristãos pelo império romano. Poético e sugestivo, ele estabelece a sequência do apocalipse em uma surpreendente manifestação de dragões, estrelas cadentes, cavalos com cabeça de leão, e um Cristo de olhos flamejantes.

    As profecias bíblicas remontam séculos, mas as últimas várias décadas presenciaram uma explosão de previsão catastrófica, de acordo com DiTomasso. A variedade de cenários revela nossas preocupações mais sombrias – guerra biológica, eventos meteorológicos extremos, insurreição de mortos-vivos e conquistas por robôs hostis, se tornaram arquétipos dominantes.

    Em 1967, Jim Jones, fundador do Templo dos Povos, previu um “holocausto nuclear”. Charles Manson convenceu seus seguidores de que Helter Skelter, uma guerra de raças apocalípticas, aconteceria em 1969. O apresentador da rádio evangélica Harold Camping previu o Arrebatamento seis vezes entre 1994 e 2011. O “Profeta do Final dos Tempos”, Ronald Weinland, prevê que o Segundo Advento será no próximo verão.

    Bui, juntamente com milhares de pessoas do mundo inteiro, aderiu ao “Fenômeno de 2012”. De acordo com o calendário maia, 2012 marcou o fim de um ciclo de 5 mil anos conhecido como a Longa Contagem – amplamente mal interpretada como o “fim” de seu calendário. Um movimento crescente da Nova Era anunciou em 12 de dezembro de 2012 o solstício de inverno, como a destruição literal do mundo ou a renovação da consciência humana.

    Talvez por ter sobrevivido, Bui agora acredita que a data de 2012 representou um fim metafórico e não um fim absoluto.

    Apocalipse agora?

    O Palácio da Revelação de Bui é único, mas o apocalipticismo é uma visão de mundo global.

    As crenças de fim dos tempos são globais e interculturais – adaptadas por diferentes grupos ao longo do tempo, diz DiTomasso. Tradicionalmente, o apocalipticismo foi enraizado na Escritura, mas, na era moderna, ele é alimentado pelos problemas econômicos, sociais e ambientais mais urgentes de nosso tempo.

    Bui boia na água durante um passeio de barco que ele oferece aos turistas do hotel. Ele desenhou sua própria “Bandeira Mundial da Paz”, que acredita representar uma família humana.
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    “No modo bíblico, é Deus que tomará conta de tudo, apagará o passado, punirá os maus e recompensará os justos com vida eterna na nova criação", explica DiTomasso. O pensamento apocalíptico também é uma teoria de justiça e salvação, de acordo com o pesquisador. “No modo secular, os salvadores são super-humanos, figuras políticas ou econômicas ou sociais com mensagens messiânicas, ou força de outro mundo como o mercado livre”.

    O aumento das previsões cataclísmicas pode, em parte, ser um sintoma da era da internet. Teorias marginais que foram geograficamente isoladas uma vez agora podem atravessar os oceanos com um único clique. Nos anos que antecederam 2012, documentários catastróficos, livros, filmes e vídeos do YouTube se espalharam. Até mesmo empresas como a Vivios, que projeta abrigos de sobrevivência que custam muitos milhões de dólares, apresentaram uma contagem regressiva até 12 de dezembro em seus materiais de marketing, de acordo com o jornal USA Today.

    Os cientistas sociais suspeitam que as pessoas acreditam nessas histórias, pois elas ajudam a fazer com que seu mundo tenha sentido. De acordo com alguns historiadores, o Livro das Revelações pode ter sido um consolo para os primeiros cristãos, que sofreram perseguição pelo imperador romano Domiciano. “A Roma cruel está finalmente destinada a cair pela poderosa mão de Deus", explica DiTomasso.

    Revelação e redenção

    “O apocalipse é, na verdade, uma grande preocupação humana”, diz o Dr. Robert Joustra, professor de política e estudos internacionais da Redeemer University College. “A ameaça comum, do Armagedom até o Ragnarok, é a revelação e a transformação. Muito embora a destruição seja um tema comum, esse não é o objetivo real das histórias apocalípticas. É sobre redenção, renovação e a nova realidade”.

    Ideais de renovação podem ser universalmente atraentes, mas aderir às crenças apocalípticas pode ser perigoso. “O pensamento apocalíptico é alimentado pela sede de vingança sobre os inimigos de alguém, com a esperança de que a justiça, que não se pode imaginar que ocorra neste mundo ou que seja promovida pelas mãos humanas, ocorrerá no próximo mundo, e pela eternidade", diz DiTomasso. “Por esse motivo, o pensamento apocalíptico tem recorrido principalmente a grupos pequenos ou marginalizados que são, ou que se consideram desprovidos, oprimidos ou perseguidos”.

    Karen Douglas, Professora de Psicologia Social na Universidade de Kent, sugere que as crenças que vinculam nosso futuro às forças fora de nosso controle podem ser confortantes, mas finalmente enfraquecedoras. "Nós sabemos que acreditar em teorias da conspiração está associado a atitudes negativas em relação à política, vacinação, mudança climáticas e até mesmo ao local de trabalho”, diz ela. “As pessoas que defendem ou que são expostas às teorias da conspiração tendem a se desobrigar desses aspectos importantes da sociedade”.

    Um quarto com vista

    O projeto detalha a construção do Palácio das Revelações. O contrato estipulava que a construção seria concluída até 21 de dezembro de 2012 – amplamente especulada como sendo a data do apocalipse com base em uma interpretação do calendário maia.
    Foto de Albert Bonsfills

    Na parte de trás do Palácio das Revelações, Bui se rodeou de símbolos apocalípticos do Livro das Revelações – candelabros desenhados no formato de chamas pendem do teto, cavaleiros revestem as escadarias, anjos estão ao lado das varandas, estrelas cadentes revestem os caminhos e luzes vermelhas na piscina criam a ilusão de que a água está se transformando em sangue.

    E ele encontrou novas maneiras de expressar seus pontos de vista. Ele desenhou a Bandeira Mundial da Paz, uma bandeira que representa uma família humana. “Quando a Bandeira Mundial da Paz é levantada perante o oponente ou inimigo, ela reduz significativamente o risco de conflito ou de guerra", diz Bui. Ela envia a mensagem “Estou honrando você, sua família, seus ancestrais, sua nação. Estou tentando lhe dizer que somos irmãos nascidos nesta bandeira, somos uma família, então, por que você tem que lutar comigo?”.

    Atualmente, Bui está escrevendo um livro sobre sua experiência de encontro com Deus, e está trabalhando no desenvolvimento do aplicativo PrayWhish, uma rede social como o Facebook. Ele diz que o aplicativo PrayWish não será uma rede social, mas uma “rede familiar”, onde as pessoas de todo o mundo podem compartilhar suas orações.

    É difícil dizer como o hotel se enche de hóspedes e Bui não é aberto para contar sobre como ele fundou um projeto de tais proporções bíblicas. Mas fica claro que seu hotel lhe trouxe conforto, até mesmo felicidade. E mais, o hotel representa um caminho para um tipo de redenção coletiva.

    Bui no telhado agitando sua Bandeira da Paz, que ele acredita que deveria ser a bandeira universal da humanidade.
    Foto de Albert Bonsfills

    “Na minha visão, para eliminar totalmente as guerras e conflitos em nossa civilização, temos que eliminar nossas diferenças e promover apenas o nosso senso comum", diz Bui. “Se somos uma família, o risco de guerras e matanças será minimizado porque os membros da família muito raramente se matam entre si. Deixe que o mundo seja uma casa, e todos seremos uma família”.

    Enquanto isso, Bui dá as boas-vindas aos visitantes de seu palácio bíblico, esperando a chegada do Apocalipse real.

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