O melhor roteiro para os fãs de Beatles
Um passeio musical por Londres, Liverpool e Nova Iorque.
A epifania de que eu era um fã dos Beatles surgiu no início da minha adolescência e foi como experimentar pela primeira vez o sabor da cerveja — eu simplesmente sabia que era algo especial. Considerando que nasci três semanas após o lançamento de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band — o álbum que revolucionou a música pop — e três semanas antes do lançamento de “All You Need Is Love”, parece que eu estava predestinado a ser um inveterado fã dos Beatles.
Quando John Lennon foi baleado, escrevi uma carta de condolências à sua viúva, Yoko Ono, gastando todo o dinheiro que eu tinha com a postagem da carta da Suécia para Nova Iorque; uma década depois, Paul McCartney se apresentou próximo ao local onde eu morava, em Gothenburg, então, me ofereci para trabalhar como voluntário na arena somente para ter uma chance de dizer “Hello, Goodbye”. Quando viajei pela Índia, sempre pensava em George Harrison que, assim como eu, amava esse país. Até ouvi uma história de um velho hippie em Goa, que afirmava ter conhecido Ringo Starr. Para mim, eles eram como uma extensão da minha família. Portanto, durante minha primeira visita à Inglaterra, resolvi que deveria viajar com eles.
Uma caminhada pela Abbey Road
Ao chegar em Londres, em primeiríssimo lugar na minha lista, estava pegar o metrô para o organizado e afastado bairro de Saint John’s Wood. A estação não recebeu o nome de Lennon, mas ostenta uma cafeteria inspirada nos Beatles, que vende o botton indispensável “I crossed Abbey Road” [Eu atravessei a Abbey Road]. O lendário Abbey Road Studios fica nessa rua, onde os Beatles, e outros ícones como Pink Floyd, Queen e U2 editaram muitos sucessos.
Mas não vi nenhum popstar sair dali cantarolando um sucesso e, verdade seja dita, era somente um velho edifício branco, sujo, quase anônimo, que me decepcionou um pouco. Contudo a principal atração ficava em frente ao estúdio: que eu saiba, a única faixa de pedestres que recebeu o status de patrimônio histórico. Assim que os turistas na minha frente terminaram de tirar suas selfies, desfilei como um Beatle solitário, desviando dos automóveis como um toureiro de segunda classe, percebendo que seria melhor se tivesse vindo em um domingo, quando Londres estaria mais tranquila.
Em seguida, peguei o metrô para Baker Street, e segui para a loja de souvenirs London Beatles Store — que anuncia seu horário de funcionamento como “oito dias por semana”. A propósito, no fim dos anos 1960, os Beatles abriram uma loja moderna de acessórios, a Apple Store, ainda que por pouco tempo, localizada na 94 Baker Street, que representou uma época em que decidiram atuar também no ramo da moda, mas o empreendimento foi um fracasso comercial.
Magical Mystery Tour
Meu destino seguinte foi a Estação de Marylebone, que fica logo na esquina da Baker Street e aparece na abertura do filme de 1964, Os Reis do Iê, Iê, Iê. A estação também era o ponto final dos trens vindos de Liverpool, tendo se tornado a porta de entrada dos Beatles a Londres. Conforme eu caminhava, tinha a impressão de que quase todos os edifícios tinham algo a ver com eles. Próximo da estação, Starr alugou um apartamento na 34 Montagu Square, onde Yoko Ono e Lennon moraram durante um verão. O letreiro azul se encontra no alto de um muro, para que nenhum colecionador de souvenirs possa roubar o marco da residência, onde foi tirada a foto de capa de Lennon nu em seu primeiro álbum solo, Two Virgins (1968).
A sede da Apple Records, a gravadora que eles criaram na 3 Savile Row, já não existe mais, mesmo assim, eu não era o único fã a olhar boquiaberto para o telhado. O clipe musical Let It Be foi filmado lá durante a última apresentação pública dos Beatles em um dia frio de janeiro de 1969. O espetáculo irritou tanto os vizinhos que eles chamaram a polícia, que, sem nenhuma cerimônia, acabou com o evento histórico. Mas, pelo menos, eles ganharam um Oscar de melhor trilha sonora original.
Apesar de Lennon e Harrison terem se mudado para um grande estúdio no céu, às vezes, é possível encontrar Sir McCartney em frente ao seu escritório em Soho Square. Trata-se de um edifício discreto, mas não há como não notar o “mpl” sobre as portas de vidro (McCartney Productions Limited), a empresa que detém seus direitos autorais. Também passei pela 7 Cavendish Avenue, onde Macca mora desde os anos 1960, na esperança de que ele pudesse sair rapidamente para tragar sua erva, que um dia já foi sua preferida. E, claro, procurei o endereço da casa onde a atriz Jane Asher morou, namorada de McCartney antes de ele se casar com Linda Eastman. Certa vez, ele passou a noite com ela na 57 Wimpole Street, acordou faminto e compôs uma música chamada Scrambled Eggs. A melodia era ótima, mas a letra precisava de uma revisão, então, ele a reescreveu como Yesterday — que continua sendo uma das músicas mais tocadas no mundo.
Não tive tempo de ir até a Biblioteca Britânica, onde a letra de Strawberry Fields Forever, escrita a mão por Lennon, está exposta; nem ao museu do Rock and Roll, na Old Park Lane, filial da Hard Rock Cafe, que mantém os óculos de Lennon — Liverpool me chama. Conforme observava a nublada paisagem britânica da janela do ônibus, relembrei meus anos de Beatlemania.
Across the universe
Um dos momentos mais extremos foi em Atenas, na Grécia, onde encontrei o fabricante de sandálias da banda, próximo ao Bairro Monastiraki, e comprei exatamente os mesmos calçados que Lennon tinha (inclusive, estou com eles enquanto escrevo este artigo). Na minha primeira viagem à Índia, no início dos anos 1990, fui imediatamente conferir a loja Rikhi Ram & Sons em Connaught Place, Delhi, onde Harrison comprou um sitar, um sarod e um tanpura para usar nas gravações dos Beatles, antes de ir para Rishikesh, onde eles meditaram em 1968. Em Mumbai, entrei no hotel Taj Mahal Palace onde, em 1966, Harrison teve aulas de sitar com Ravi Shankar. O hotel, desde então, renomeou um de seus quarto para “Suíte de Ravi Shankar”. Antes que eu pudesse dar uma olhada no interior, os seguranças prontamente me tiraram de lá, já que estava vestido como um Beatle hippie. Nessa viagem, Harrison também visitou o verdadeiro Taj Mahal em Agra, que lhe rendeu uma selfie icônica.
Em minha primeira viagem aos Estados Unidos, no fim dos anos 1990, fiz questão de pousar no aeroporto JFK em vez de Newark, pois lá foi o primeiro local onde os quatro pisaram em solo norte-americano, em 1964, e foi também ali que realizaram uma hilariante coletiva de imprensa no aeroporto. O show de estreia da banda nos Estados Unidos foi no Carnegie Hall, seguido por uma transmissão na TV diretamente do Ed Sullivan Theater, na 1697 Broadway, assistida por um quarto da população dos EUA. Obviamente fui ao Madison Square Garden, onde Lennon se apresentou ao vivo pela última vez, em 1974 (em um show com Elton John). Minha caminhada pela cidade de Nova Iorque terminou na 72nd Street, esquina com a Central Park West, local onde ele morou, um edifício onde também moraram outras celebridades, como a atriz Lauren Bacall e o compositor Leonard Bernstein. Lennon foi baleado na entrada do edifício, por um fã perturbado, quando voltava de uma sessão no estúdio, tarde da noite. O jardim memorial Strawberry Fields de 1,21 hectare, próximo ao Central Park, homenageia o músico.
All you need is Liverpool
Dias mais felizes me aguardavam em Liverpool. Então, peguei um ônibus para o subúrbio de Woolton, repleto de lugares que remetem aos Beatles. Em 251 Menlove Avenue, visitei a casa onde Lennon passou a infância, Mendips — uma moradia geminada dos anos 1930, que agora é de propriedade do National Trust do Reino Unido. Quando criança, ele tocava violão na varanda e se divertia no orfanato Strawberry Field que ficava na vizinhança. A Residência dos McCartney, em 20 Forthlin Road, também é administrada pelo National Trust. Outros pontos importantes incluem Penny Lane e a igreja paroquial onde Lennon e McCartney se uniram originalmente em 1957 (e onde uma mulher chamada Eleanor Rigby foi enterrada).
Deixei a tranquila vizinhança e segui para onde o movimento pré-Beatlemania, de fato, aconteceu — o centro de Liverpool. A cidade portuária certamente explorou ao máximo sua conexão com os Beatles com os passeios de ônibus Magical Mystery e o Hard Day’s Night Hotel; há outros locais, como uma réplica fiel do Cavern Club (o original foi demolido).
Optei por tomar uma cerveja no menos glamoroso Jacaranda, na Slater Street, onde eles se apresentaram antes de estourarem — o porão abarrotado tem murais pintados pelo baixista original dos Beatles, Stuart Sutcliffe. Um perfil na parede lembrava o rosto de Lennon. Na verdade, eu bebi em todos os bares que tivessem o mínimo de ligação com eles: o The Grapes, na Mathew Street, onde eles tomavam cerveja antes de irem para o Cavern Club; o Ye Cracke, na Rice Street, onde Lennon e Cynthia (sua primeira noiva) tiveram o primeiro encontro; o The Pilgrim, na Pilgrim Street, famoso por uma ou outra coisa relacionada aos Beatles; e o Philharmonic, na Hope Street, o mais estiloso dentre os pontos de encontro da banda.
Esses bares, que parecem inalterados ao longo dos anos, me aproximaram dos membros da banda mais do que toda a indústria oficial de turismo Beatlemania — a única desvantagem é que um fã obstinado a ir a todos os bares relacionados aos Beatles precisa de uma bexiga do tamanho do porto de Liverpool.