Por que Praga é o melhor lugar para os apreciadores de astronomia

A capital tcheca já foi um ímã para cientistas que estudavam as estrelas.

Por Alex Schechter
Publicado 12 de nov. de 2019, 17:05 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O Relógio Astronômico na Praça da Cidade Velha de Praga funciona mais como um astrolábio do ...
O Relógio Astronômico na Praça da Cidade Velha de Praga funciona mais como um astrolábio do que como marcador do tempo.
Foto de Guy Vanderelst, Getty Images

Praga conquistou sua reputação estelar de forma honesta — sua história ligada à astronomia e astrologia remonta ao século 17, época em que as duas disciplinas geralmente se confundiam. Sob o imperador Rodolfo II, patrono das artes e das ciências, Praga tornou-se um chamariz para astrônomos, alquimistas e filósofos.

Um deles, Johannes Kepler, era um talentoso professor de matemática que foi banido da Áustria em 1600 por suas crenças não católicas. Kepler chegou a Praga como aprendiz de Tycho Brahe, um companheiro também observador de estrelas (os dois estão imortalizados em uma escultura de bronze a menos de dois quilômetros do observatório), e viveu em um pequeno apartamento na rua Karlova, no 4, bem próximo à Ponte Carlos. Como um trabalho extra, Kepler escrevia horóscopos para o imperador que tinha inclinações místicas.

A obra seminal de Kepler, Harmonices Mundi, foi publicada há exatamente 400 anos. É uma extensão dos estudos de Kepler sobre o movimento planetário, em que prova que os planetas se movem em uma elipse — e não em um círculo — ao redor do sol.

Como terapeuta do som, o texto tem um significado mais profundo para mim: desenvolve a ideia da “música das esferas” ou a teoria harmônica do movimento planetário (“A Terra canta mi, fá, mi”, escreveu Kepler). É a base do meu trabalho, em que aplico uma ferramenta conhecida como diapasão planetário nos pontos de acupuntura do corpo. Quando descobri que Kepler passava a maior parte de seu tempo em Praga refinando as teorias apresentadas na obra Harmonices Mundi, tive que ir até lá.

No começo, tive dificuldade em percorrer os salões barulhentos da atual cidade de Praga com seu radicalismo inicial. Minha guia, Lenka, que faz passeios personalizados pela cidade por uma empresa chamada JayWay, explicou: “Praga está no centro da Europa e há uma enorme quantidade de energia aqui. Quem tem sensibilidade, sente. “Em outras palavras, a mesma força que inspirou todos os filósofos na época atrai os viajantes de hoje, ainda que não a percebam.

Os tesouros da Biblioteca Nacional da República Tcheca, aberta em 1722, incluem coleções de antigos textos gregos, manuscritos raros da região da Boêmia e globos mecânicos.
Foto de Guido Cozzi, Sime

Veja, por exemplo, a Ponte Carlos, o local mais visitado de Praga: em 1357, Carlos IV (outro monarca metafísico) ordenou que a primeira pedra fosse colocada precisamente às 5h31 da manhã do dia 9 de julho, criando assim o palíndromo de bom augúrio 135797531.

Reminiscências do lado cósmico de Praga estão espalhadas por toda a cidade. Algumas estão escondidas à vista de todos, como o relógio astronômico gigante da Praça da Cidade Velha, que atrai uma multidão de turistas para tirar fotografias a cada hora, quando o relógio bate. Olhando para a sobreposição enigmática de discos rotativos, algarismos medievais e símbolos celestiais, tenho dificuldade em saber as horas de fato. Mas isso porque sua função é mais de astrolábio do que de relógio. Os ponteiros voltados para frente acompanham os movimentos do sol e da lua ao longo do zodíaco — útil para os moradores da cidade que querem saber o melhor dia para passar por atendimento médico ou para comprar uma casa nova.

Em uma noite limpa, vou à cúpula oriental do Observatório Štefánik, nas colinas acima do bairro de Malá Strana, em Praga. Ao contrário da indisciplinada Cidade Velha, tudo está tranquilo por aqui. O observatório fica no topo dos Jardins Lobkowicz e, para chegar a ele, pego um trem funicular. Saindo da estação, passo por um rosário, onde arbustos de flores rosa, brancas e vermelhas captavam a última luz da noite.

Dentro do observatório, me pego contemplando a extremidade de um telescópio refletor do tamanho de um nivelador de gelo. No alto, o hemisfério inteiro do telhado gira. Ouço o rangido das engrenagens girando como raios em uma roda de bicicleta gigante. “Aha! Júpiter!”, exclama a tcheca que está no comando, apontando para uma brilho cintilante fixo entre dois pinheiros ao longe. Olhamos empolgados, até percebermos que não está fixo, no fim das contas. “Não, é um avião”, admite ela. “Mas Júpiter é muito parecido.”

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    O imperador Carlos IV levou em consideração a numerologia durante a construção da icônica Ponte Carlos.
    Foto de Buena Vista Images, Getty Images

    Quinze minutos depois, na cúpula ocidental e ainda maior da instalação, finalmente encontramos Júpiter, ascendendo entre as mesmas duas árvores. No topo da escada, olho através das lentes e testemunho, para minha surpresa, a representação mais nítida do planeta que já vi. Parece um chiclete laranja-claro flutuando no puro breu do espaço. A imagem é tão nítida que consigo discernir duas faixas de nuvens em sua superfície lisa. Três luas — Calisto, Io e Europa — pontilham a cena. Olhando ao meu redor para as quatro ou cinco outras pessoas reunidas no escuro, fico perplexo: por que não há mais pessoas aqui em cima, observando? Então lembro: é sábado à noite e tem cerveja pilsner, e não planetas, é o que passa nas cabeças da maioria dos visitantes.

    Passo uma tarde na Torre Astronômica, dentro da Klementinum, uma antiga e ampla universidade jesuíta localizada no centro da cidade. Repleta de ferramentas de astronomia dos séculos 17 e 18, ela é, de muitas formas, o último monumento intacto da estrelada Praga. Correndo para o último passeio do dia, me junto a um grupo de 25 visitantes e subimos em fila única por uma escada metálica bastante recurvada. O primeiro andar da torre se abre para a Biblioteca Nacional da República Tcheca, com suas colunas de madeira em espiral e coleção de globos celestes, um salão pouco alterado desde 1722. Não me surpreenderia se o próprio Dumbledore parasse de ler um volume gigante de feitiços para admirá-la.

    No andar de cima, no abarrotado Meridian Hall — uma estação meteorológica ativa — ficamos em pé onde os contemporâneos de Kepler mediram as posições de planetas com sextantes do tamanho de traves de hóquei. Mais uns 50 degraus quase verticais e nos encontramos no alto da torre. Nos quatro cantos, toda a cidade de Praga, com seus telhados pontiagudos vermelhos e pináculos com adornos de santos, é banhada por luz dourada.

    O Relógio Astronômico da Praça da Cidade Velha é acionado a cada hora.
    Foto de Massimo Ripani, Sime

    É uma cena inesquecível, uma que nunca teria visto se não deixasse meu nerd interior de astronomia tomar a iniciativa. Menos conhecida do que o Castelo de Praga e a Igreja de São Nicolau, essa torre de vigia é uma visita mais gratificante, pois oferece vistas ininterruptas de todos os outros locais, sem as longas filas.

    De volta ao meu hotel, vejo uma placa que diz “Museu Kepler”. Animado, sigo por um beco estreito, passando por alguns prédios, mas chego a uma rua sem saída. O museu havia fechado e tudo o que restava no pátio vazio era uma esfera metálica gravada com uma citação em latim de Kepler: “Ubi materia ibi geometria” (onde há matéria, há forma).

    A Praga esotérica ainda existe e permanece um contraste calmo aos passeios de “bicicleta de cerveja” da cidade. Se procurar, podem ser vistas imagens mais nítidas do céu coreografado e descobertas estelares emocionantes, remontando a uma época em que o homem apenas acordava para os mistérios do nosso sistema solar.

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