Colapso do turismo durante pandemia causa problemas para Machu Picchu

Com a paralisação das viagens internacionais, funcionários do setor de hotelaria no Peru agora recorrem à agricultura e construção. As vacinas contra a covid-19 poderiam recuperar seus empregos.

Por Lucien Chauvin
fotos de Sharon Castellanos And Victor Zea
Publicado 25 de jan. de 2021, 08:00 BRT
No outono de 2020, uma mulher caminhava pela Catedral de Cusco no alto dos Andes peruanos. ...

No outono de 2020, uma mulher caminhava pela Catedral de Cusco no alto dos Andes peruanos. O turismo nos arredores das ruínas incas em Machu Picchu foi paralisado devido aos fechamentos por conta da covid-19 e muitos residentes retornaram à agricultura e outros negócios para buscar seu sustento.

Foto de Sharon Castellanos And Victor Zea

Nota do editor: Este trabalho foi financiado pelo Fundo de Emergência da covid-19 para Jornalistas da National Geographic Society.

JUAN YUPANQUI OLHOU para uma pilha de colchões, ainda embrulhados no plástico em que foram entregues quando comprados há quase um ano e se perguntou em voz alta se algum dia eles teriam outra utilidade que não fosse juntar poeira.

Os colchões foram empilhados em uma das hospedarias arredondadas com telhado de sapê que Yupanqui construiu no ano passado em sua propriedade em Patacancha, pequeno vilarejo situado a mais de três mil metros acima do nível do mar perto da cidade colonial de Cusco, sul dos Andes peruanos. Com suas pequenas janelas e móveis rústicos, os chalés foram construídos para expandir o negócio de turismo de experiência da família.

No segundo trimestre de 2020, Rosmery Barriga e seu pai, Ramón Barriga, retiraram artigos de artesanato e suvenires de sua loja na cidade inca de Ollantaytambo, uma parada popular na rota para Machu Picchu, no Peru. As medidas para conter a covid-19 mantiveram a loja fechada durante meses e a família sofreu furtos e arrombamentos.

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O guarda florestal Tomas Huamanttica Quispe vigia o vazio Centro Arqueológico de Moray, no outono de 2020. Acredita-se que o local inca com depressões escalonadas servia a propósitos cerimoniais ou agrícolas. Assim como a maioria das atrações turísticas perto de Machu Picchu, ele ficou fechado por meses devido à pandemia da covid-19.

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A chegada de turistas começou a aumentar em 2019, depois que Yupanqui havia trabalhado na propriedade por anos, com uma média de cinco grupos por mês que passavam um a dois dias aprendendo a pastorear alpacas; tecer os ponchos vermelhos e coloridos que são marca registrada da comunidade; e a dançar o Quellwa Tusuyum ritmo festivo que significa “pássaro dançante” em quíchua, idioma local.

Yupanqui decidiu reformar suas acomodações após um início de ano energético em 2020. Então, tudo parou bruscamente em março, quando o Peru impôs um bloqueio severo em resposta à pandemia da covid-19. Os turistas franceses e norte-americanos que eram esperados naquele mês cancelaram e as acomodações ficaram vazias desde então.

A agricultura continua sendo a base do sustento em Patacancha e em vilarejos semelhantes no alto dos vales andinos fora de Cusco, mas é o turismo que gera fluxo de caixa. Por enquanto, os visitantes pararam de chegar. Yupanqui e milhares de outros que trabalhavam no setor turístico de diversas camadas na região ao redor de Machu Picchu estão se perguntando quanto tempo conseguirão resistir antes que os dólares e euros dos turistas voltem a circular.

Um setor turístico em crise

“O turismo nos deu dinheiro. Hoje temos comida, mas não temos dinheiro”, afirmou Yupanqui, posando para a foto com um cordeiro, algo que seus visitantes faziam. “A cada dia que passa eu fico mais preocupado porque não sabemos quando isso vai acabar.”

Sebastián Tobón, proprietário do Supertramp Hostels em Aguas Calientes, no Peru, senta-se em uma de suas propriedades vazias na cidade peruana adjacente a Machu Picchu. A pandemia da covid-19 dizimou a economia do turismo na área ao redor das ruínas incas, que atraem mais de um milhão de visitantes em um ano normal.

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Tecelões, como Myriam Cuba Callañaupa (à esquerda), costumam expor artesanato têxtil e culinária no vilarejo de Chinchero, perto de Cusco. Mas a pandemia da covid-19 forçou ela e muitas outras mulheres que trabalham no turismo a retornar temporariamente à agricultura.

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Além do turismo em casas de família, muitos dos homens em Patacancha ganham dinheiro trabalhando como carregadores ou cozinheiros para aventureiros que fazem a trilha inca, a antiga rota que leva a Machu Picchu. Yupanqui, de 44 anos, fez isso por 18 anos. As mulheres da comunidade tecem ponchos e outros artesanatos têxteis vendidos nos mercados locais.

Os Yupanqui e outras famílias de Patacancha estão superando a crise financeira causada pela pandemia vendendo fios de alpaca e, para os comerciantes. Eles criam animais para alimentação, embora isso não seja possível para muitas das milhares de pessoas que trabalhavam no turismo nos arredores de Cusco.

No primeiro semestre de 2020, uma menina aguardava do lado de fora da loja de sua família em Aguas Calientes, no Peru. A cidade andina perto de Machu Picchu costuma receber muitos turistas, mas está praticamente vazia desde o início da pandemia da covid-19.

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Eliana Miranda, diretora do departamento de turismo do governo de Cusco, disse que 92% das pessoas empregadas no setor — de recepcionistas de hotel a vendedores ambulantes de suvenires — perderam seus empregos em agosto, quando Cusco decretou um segundo bloqueio total.

“Tivemos problemas no passado, mas nada tão devastador para o setor quanto a covid-19”, afirmou ela.

De acordo com o governo do Peru, o negócio de turismo do país pode cair até 85% em 2020. O Conselho Mundial de Viagens e Turismo estima que o impacto econômico direto e indireto do turismo no Peru em 2019 foi de aproximadamente US$ 22 bilhões, ou 9,3% do PIB do país.

O aeroporto de Cusco recebeu aproximadamente 635 mil viajantes nos primeiros dois meses de 2020, um aumento de 16% em relação ao mesmo período de 2019. O número foi de apenas 230 mil, aproximadamente, nos oito meses seguintes, com quase três quartos dessas chegadas em março, de acordo com o Ministério do Comércio e Turismo do Peru. Apenas 990 passageiros chegaram ao aeroporto de Cusco em junho, em comparação com 323 mil no mesmo mês de 2019.

No outono de 2020, após uma pausa devido à pandemia da covid-19, o trem entre Ollantaytambo e Aguas Calientes, no Peru, foi reaberto aos usuários locais. Aguas Calientes, apelidada de Machu Picchu Town, é a porta de entrada para as ruínas incas, o destino turístico mais visitado do país.

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As visitas turísticas a Machu Picchu, as ruínas incas que ancoram o turismo em Cusco e atraem viajantes estrangeiros ao Peru, em geral, caíram 72% no primeiro semestre do ano. O local estava recebendo cerca de 500 visitantes por dia em dezembro, quase todos turistas peruanos, uma redução em comparação a mais de 2,5 mil em épocas normais. O governo eliminou a taxa de entrada em Machu Picchu para os peruanos para incentivar o turismo nacional. O local recebeu 1,6 milhão de turistas em 2019.

Migrando do turismo para outros setores

Miranda afirmou que houve um êxodo da indústria do turismo, com as pessoas migrando para outros negócios ou retornando às áreas rurais para esperar o fim da crise causada pelo coronavírus. Seu departamento está trabalhando em conjunto com associações de trabalhadores e governos locais para fornecer assistência às pessoas deslocadas pelo colapso do turismo.

“Temos treinamento de mão de obra e programas em curto prazo para ajudar a manter a renda. Temos trabalhado com os municípios em programas de emprego para as pessoas que retornaram, mas acreditamos que será temporário. Todos estão realmente esperando a volta do turismo”, afirmou ela.

Fernando Condori Torres e seu filho Gonzalo cuidando de macieiras em frente ao sítio arqueológico de Ollantaytambo em Cusco, Peru, no fim de 2020. Torres, que trabalhava como guia turístico, havia retornado temporariamente à lavoura devido às paralisações provocadas pela covid-19.

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Hilda Ortiz de Orue Bautista trabalhava na manutenção e colheita do sal das piscinas naturais no município de Maras. O popular ponto turístico peruano ficou fechado por meses devido à pandemia da covid-19.

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O tempo, no entanto, está passando para muitos no setor de hotelaria.

Rubén Tello, guia turístico que fala espanhol, inglês e quíchua, não trabalha no setor desde que ajudou um grupo de turistas tailandeses a voltar para casa em 15 de março de 2020, quando o governo anunciou que fecharia as fronteiras. Ele ficou em seu apartamento por dois meses, imaginando que a situação estaria resolvida até o meio do ano. Quando a pandemia não melhorou, ele decidiu se “reconverter”, termo usado para designar pessoas que abandonam o turismo e migram para outros setores.

“Achei que poderia esperar, mas os boletos começaram a se acumular e, em julho, não tive escolha a não ser encontrar outro trabalho”, explicou ele.

Tello se despediu de sua esposa e de seus filhos gêmeos de 14 anos na cidade de Cusco e rumou às planícies próximas, sua região natal, em busca de emprego. Encontrou um trabalho como motorista de caminhão em um projeto de construção de rodovia. Posteriormente, trabalhou como cobrador de pedágio.

Tello voltou para a cidade no início de dezembro, com dois grupos de turistas agendados e alguns outros pendentes de confirmação. Mas ele é realista sobre suas perspectivas: “não consigo me sustentar com um ou dois grupos por mês. Se a situação não melhorar em janeiro, voltarei às obras”.

Como o setor pode se reerguer

No outono de 2020, um policial pedia aos moradores locais que mantivessem distância social na esplanada da Igreja de San Cristóbal acima de Cusco, no Peru. O local é frequentado por turistas e residentes devido às suas vistas panorâmicas da cidade colonial.

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Maria Santos Quispe varria os paralelepípedos em frente à sua loja na Rua Hatunrumiyoc, em Cusco. Embora geralmente tenha em estoque principalmente arte têxtil e outros suvenires, agora ela também oferece frutas e artigos diversos. “Aprendi que devo estar atenta a todos os tipos de pessoas”, afirmou Quispe. “Antes não oferecíamos nada para a população local.”

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Sofia Arce, que gerencia uma agência de turismo butique, a Intense Peru, afirmou que a pandemia está transformando o setor. Ela teme que muitos restaurantes e hotéis voltados para os turistas possam fechar permanentemente se o Peru tentar simplesmente voltar aos negócios como de costume.

Ex-bancária, Arce superou os piores meses da crise do coronavírus com um empréstimo subsidiado pelo governo no programa Reativar o Peru e começou a se reerguer conforme o país reabre.

O Peru voltou a permitir viagens aéreas internacionais em outubro e, em dezembro, reestabeleceu quase todas as rotas, incluindo voos de longa distância provenientes da Europa e América do Norte. Arce considera que essas medidas são positivas para o turismo, mas acredita que levará algum tempo para voltar aos números anteriores à pandemia.

“Já vendemos quatro pacotes turísticos para dezembro, os primeiros em nove meses. É um começo, mas vamos precisar ser muito dinâmicos para reconquistar nosso mercado”, esclareceu Arce. “Não podemos desacelerar se quisermos nos reorganizar melhor.”

Antes da pandemia da covid-19, o guia turístico Fernando Condori Torres passava grande parte do ano longe de sua casa perto de Cusco. Devido aos confinamentos impostos pela covid-19 e ao turismo inconstante no Peru, em 2020 ele passou mais tempo com seu filho, Gonzalo.

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Uma nova preocupação para Arce e outros no setor é a atual instabilidade política no Peru — três presidentes governaram no período de oito dias em novembro — e as crescentes demandas sociais geradas pela economia devastada pela pandemia. A economia peruana diminuiu 13,4% nos primeiros 10 meses do ano; o setor de hotelaria caiu 54% em relação a 2019, a queda mais significativa no cálculo da agência nacional de estatísticas. A taxa de desemprego nacional é de 15,1%.

Machu Picchu, que havia acabado de começar a se recuperar, foi forçada a fechar novamente em meados de dezembro, quando as comunidades ao longo da ferrovia que leva os turistas às ruínas convocaram uma greve e bloquearam os trilhos, exigindo preços mais baixos para os moradores que também utilizam o serviço.

“Os problemas políticos estão incorporando uma nova dimensão aos problemas daqui. Acredito que os turistas poderiam ficar afastados por mais tempo se tivéssemos instabilidades devido à pandemia”, afirmou Fabricio Zelada, que recentemente voltou a Cusco depois de anos morando na capital do país, Lima.

A ministra do Comércio e Turismo do Peru, Claudia Cornejo, reconhece que o setor ainda enfrenta uma situação difícil e estima que pode levar dois ou três anos para retornar ao tráfego anterior à covid. A ideia do governo é usar a crise como um modo de reinício para que o turismo “volte de forma diferente”.

Cornejo disse que as condições criadas pela falta de turistas hoje devem ser aproveitadas pelo setor “para se concentrar nas melhorias, fazendo melhorias, assim, quando o turismo receptivo começar, estaremos prontos para oferecer ainda mais do que antes”.

Ela acredita que o tipo de turismo de experiência, mais sustentável oferecido em locais como Patacancha, é parte de uma tendência que estava ganhando espaço antes da pandemia, com os turistas querendo ir além da observação de uma cultura para vivenciá-la. Segundo ela, a pandemia pode até dar um impulso.

“Acho que o turismo de experiência vai continuar. A covid-19 o interrompeu, mas não vai extingui-lo”, disse ela.

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