O que antigas palhoças africanas revelam sobre as inversões magnéticas da Terra
Minerais em argilas da Idade do Ferro podem ajudar cientistas a entender melhor como e por quê os polos magnéticos trocam de lugar.
Durante os últimos 170 anos, um pedaço misteriosamente fraco do campo magnético da Terra cresceu, levando alguns geólogos a acreditarem que o planeta está se preparando para inverter seus polos magnéticos. Agora, cabanas que foram queimadas ritualisticamente na África há mais de mil anos estão trazendo novas pistas importantes para o caso.
Fragmentos de argila cozida nas fogueiras contêm minerais que preservam a orientação do campo magnético da Terra durante a Idade do Ferro, aumentando nossos registros dessas mudanças e trazendo dados muito importantes sobre hemisfério Sul.
A descoberta, descrita recentemente da revista Geophysical Research Letters, também dá suporte à teoria sobre o que leva os polos a se inverterem – ligando o estranho ponto fraco no campo magnético com uma região estranhamente densa a cerca de 2900 quilômetros abaixo da África, no limite entre o manto e a crosta terrestre. O trabalho vai ajudar geólogos a entender melhor como e por quê os polos magnéticos da Terra invertem ocasionalmente, e talvez possam até mesmo fazer previsões sobre quando inverterão novamente.
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Em posição
Nosso planeta tem um núcleo interno sólido, cercado por um núcleo externo feito de ferro líquido. Essa rocha quente cria um dínamo que gera nosso campo magnético, que age como uma bolha protetora, envelopando toda a Terra.
Dentre outros benefícios, esta bolha magnética desvia partículas carregadas vindas do sol, que poderiam destruir nossa atmosfera e atingir a superfície da Terra com uma radiação prejudicial. (O núcleo dinâmico é uma das seis principais coisas que tornam a vida na Terra possível.)
O dínamo também é o que cria os polos magnéticos em cada eixo que se alinham aproximadamente com os Polos Norte e Sul. Mas minerais em rochas que respondem a pistas magnéticas mostram que – diferente dos polos físicos – os polos magnéticos norte e sul mudaram de lugar regularmente ao longo dos 4,54 bilhões de anos de existência da Terra.
Durante a era dos dinossauros, os polos magnéticos da Terra giravam cerca de uma vez a cada um milhão de anos. Mais recentemente, a reversão dos polos acontece uma vez a cada 200 a 300 mil anos, aproximadamente. Cerca de 780 mil anos se passaram desde a última inversão dos polos magnéticos, o que sugere que a próxima está geologicamente iminente.
Desde os anos 1840, cientistas notam que o campo magnético da Terra está ficando mais fraco. O ponto mais frágil é em uma área entre a América do Sul e o sul da África, o que os pesquisadores chamam de Anomalia Magnética do Atlântico Sul.
Para estudar os últimos milênios – mais recente que rochas antigas, mas mais antigos do que o monitoramento científico – cientistas podem medir orientações magnéticas em alguns artefatos arqueológicos. Mas esse registro é fortemente enviesado para o norte. Mais de 90 por cento dos dados dos últimos dois mil anos do campo magnético da Terra vêm de cima do Equador.
Para rastrear a Anomalia Magnética do Atlântico Sul, pesquisadores estão procurando por mais sítios no hemisfério sul. Em 2015, cientistas anunciaram uma nova fonte fascinante de dados: palhoças queimadas no Vale do Rio Limpopo, uma área localizada na atual Botswana, África do Sul e Zimbábue.
Cerca de mil anos atrás, um grupo de pessoas falantes de Bantu que viviam no vale, limpavam suas vilas ritualisticamente durante as secas queimando cabanas e vasilhas de grãos. Esses incêndios, que atingiam temperaturas acima de 980ºC, destruíam todos os registros da vila – mas, inevitavelmente, deixavam rastros geomagnéticos.
“Quando você queima argila em temperaturas muito altas, você estabiliza os minerais magnéticos. Depois que esfriam, eles criam um registro do campo magnético da Terra”, disse em um depoimento o coautor do estudo, John Tarduno, geofísico da Universidade de Rochester.
Núcleo turbulento
A partir desses resultados, os pesquisadores encontraram evidências de que entre séculos 5 e 8 d.C., o campo magnético da região estava mudando rapidamente de direção, como acontece hoje. Essas semelhanças, argumentam os pesquisadores, significam que a Anomalia Magnética do Atlântico Sul é apenas a versão mais recente de um fenômeno recorrente nessa área.
E mais, a anomalia pode ter alguma relação com a mudança dos polos magnéticos. O lado leste do ponto fraco magnético parece corresponder a uma região densa e profunda abaixo da África, no limite entre o manto e a crosta terrestre.
Assim como pedras em uma corrente podem formar redemoinhos, essa região densa – chamada de Província Africana de Cisalhamento de Grande Velocidade – pode causar uma circulação incomum no núcleo externo, expelindo linhas do campo magnético do núcleo e diluindo o campo planetário acima.
Como essa região está no local há mais de cem milhões de anos, alguns cientistas acreditam que ela pode ter causado mudanças de polos anteriores. Em circunstâncias raras, as linhas expelidas podem ter criado um campo magnético local que era contrário ao da Terra, levando a uma inversão do campo do planeta.
Dito isso, os pesquisadores avisam que ainda precisam de mais dados e melhores modelos antes de entenderem precisamente como e por que os polos da Terra se invertem.
“Sabemos que esse comportamento incomum ocorreu pelo menos algumas vezes antes dos últimos 160 anos e ele faz parte de um padrão maior”, disse o coautor do estudo, Vincent Hare, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Rochester em um depoimento. “No entanto, é simplesmente cedo demais para dizer com certeza se esse comportamento levará a uma mudança total dos polos.”