Pais de menina milenar eram de duas espécies humanas diferentes

Nascida há 90 mil anos, a criança é a primeira evidência direta de miscigenação entre neandertais e seus primos denisovanos.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 23 de ago. de 2018, 17:34 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Descoberta em 2008, esta reconstrução de uma mulher neandertal foi a primeira feita utilizando evidência de ...
Descoberta em 2008, esta reconstrução de uma mulher neandertal foi a primeira feita utilizando evidência de DNA milenar.
Photography by Joe Mcnally, National Geographic Creative

Quando os resultados surgiram pela primeira vez, a paleogeneticista Viviane Slon não acreditou. “O que saiu errado?” ela lembra de ter se perguntado na época. Ela se concentrou imediatamente na análise. Será que ela havia cometido algum erro? A amostra poderia estar contaminada?

Os dados revelaram a ela que a lasca de osso de aproximadamente 90 mil anos de idade que ela havia testado era de uma adolescente que tinha uma mãe neandertal e um pai denisovano. Os pesquisadores há muito suspeitavam que esses dois grupos de parentes humanos milenares se miscigenaram, encontrando sinais de ambos os genes em genomas humanos antigos e modernos. Mas ninguém jamais havia encontrado um descendente direto desse cruzamento.

Slon, pós-doutorada do Instituto Max Planck em Leipzig, realizou a amostragem do osso a partir de outro ponto; ela obteve o mesmo resultado. Então, ela repetiu. Depois de realizar testes em um total de seis amostras, os resultados sempre eram os mesmos: O osso apresentava quantidades quase iguais de DNA de um neandertal e de um denisovano.

O achado emblemático, publicado esta semana na revista científica Nature, marca a primeira evidência definitiva da descendência direta da miscigenação entre essas espécies milenares e está ajudando a formar o nosso conhecimento sobre as interações entre homininos.

A Caverna de Denisova da Sibéria é o único lugar conhecido que guarda restos de neandertais, denisovanos e de humanos do início dos tempos modernos.
Foto de Robert Clark- National Geographic

“É incrível poder descobrir algo desse tipo”, diz David Reich, um geneticista de Harvard que não fazia parte do trabalho. “Parecia improvável que pudéssemos testemunhar um acontecimento desses, um indivíduo que realmente fosse o produto de um híbrido de primeira geração.”

Então, quem foi essa criança milenar e o que seu fóssil significa para o nosso conhecimento da jornada humana?

Quem foram os denisovanos?

Os denisovanos são uma inclusão bastante recente – e ainda muito misteriosa – ao nosso conhecimento da árvore genealógica humana.

Em 2010, uma equipe internacional liderada por Svante Pääbo do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva anunciou sua descoberta de DNA hominino incomum em um osso do dedo mindinho e em um dente do siso encontrados na caverna de Denisova nas Montanhas Altai da Sibéria. Esse hominino recentemente descrito recebeu o nome de denisovano, em homenagem à caverna.

Um estudo adicional mostrou que os denisovanos eram um grupo irmão dos neandertais, divididos de um ancestral com aproximadamente 390 mil anos atrás. É provável que eles tenham vivido até aproximadamente 40 mil anos atrás, por volta da época em que os neandertais também estavam começando a desaparecer.

Mas ainda há muitas questões. Como eram seus traços? Em quantos eram? Eles viveram apenas nas proximidades dessa única caverna siberiana? O problema é que os vestígios de denisovanos são extremamente escassos. Tudo o que os cientistas sabem sobre eles foi extraído de vestígios escassos – apenas três dentes e um dedo mindinho – de quatro indivíduos denisovanos, todos encontrados na mesma caverna.

De onde veio esse osso novo?

O osso do mais recente estudo foi encontrado em 2012 e também é originário da caverna de Denisova. A nova análise sugere que o fragmento é do braço ou da perna de uma adolescente que morreu por volta dos 13 anos de idade há aproximadamente 90 mil anos.

Quanto ao seu tamanho, o fragmento é irreconhecível como um osso de hominino à primeira vista. Por esse motivo, ele foi inicialmente deixado de lado para uma análise posterior com milhares de outros pedaços de osso encontrados na caverna, incluindo fósseis de leões, ursos, hienas, e outros mais.

Os cientistas extraíram tudo o que sabemos sobre os denisovanos a partir de apenas três dentes e de um osso do dedo mindinho.
Foto de Robert Clark- National Geographic

Vários anos depois, Samantha Brown, da Universidade de Oxford estava realizando uma classificação entre os milhares de fragmentos, estudando as proteínas do colágeno dos ossos para descobrir do que se tratava cada um. Utilizando esse método, ela identificou o osso como hominino. Foi quando Slon teve acesso a ele.

Como sabemos que este hominino era híbrido?

A primeira coisa que Slon fez foi estudar o DNA mitocondrial do fragmento – material genético passado da mãe para o filho. Os resultados, publicados na revista Nature em 2016, confirmaram que o osso pertenceu a um hominino com uma mãe neandertal.

“Isso já foi muito empolgante”, diz Slon. “E ficou ainda mais empolgante quando começamos a examinar o DNA nuclear.” O DNA nuclear é herdado tanto da mãe quanto do pai, o que permite que os cientistas tracem a linhagem paterna do hominino milenar.

“Foi quando percebemos que havia uma característica autêntica nesse osso”, conta ela.

Para começar, a linhagem paterna combinava claramente com a assinatura genética dos denisovanos. Além disso, a criança apresentava uma quantidade surpreendentemente elevada de diversidade em seu genoma geral – um conceito conhecido como heterozigosidade que pode indicar aos cientistas o grau de parentesco dos seus pais. Se seus pais fossem primos, você teria baixa heterozigosidade. Se eles fossem de espécies totalmente diferentes de homininos, a heterozigosidade seria alta.

E esse osso recém-sequenciado? “Ele é abundantemente heterozigoto”, diz Richard E. Green, biólogo computacional da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, que não participou do estudo. “É exatamente isso que impressiona".

Eu poderia ter parentesco com esses homininos milenares?

A miscigenação certamente não fica limitada aos denisovanos e neandertais. Assim que os neandertais deixaram a África, eles provavelmente começaram a se reproduzir com humanos modernos. Atualmente, aproximadamente dois por cento do DNA da maioria dos europeus e asiáticos são neandertais. Também existem sinais de denisovanos. Quatro a seis por cento dos genomas melanesianos modernos são originários desse hominino milenar.

É difícil dizer se você tem parentesco direto com esse hominino miscigenado. Contudo, observa Reich, todas as pessoas com descendência Denisovana apresentam alguma quantidade de descendência neandertal.

A miscigenação de homininos era comum?

O novo estudo sugere que a miscigenação passada pode ter sido muito mais comum do que se pode pensar. Apenas um grupo desses homininos milenares foi sequenciado e os cientistas já encontraram uma descendência de primeira geração, diz Slon, chamando as chances de "muito surpreendentes".

É possível que isso seja um viés da amostragem, observa Green. As cavernas tendem a preservar bem os ossos e talvez eles apenas estejam no lugar onde diversos grupos se reuniram. “Elas eram os bares de solteiros da Eurásia Plistocena”, observa ele.

Mas parece que quanto mais procuramos, mais miscigenação encontramos: O pai denisovano dessa adolescente também apresenta traços de parentes neandertais. E em 2015, os pesquisadores anunciaram a descoberta de uma mandíbula humana encontrada em uma caverna na Romênia que apresentava ancestrais neandertais de quatro a seis gerações atrás.

A nova descoberta está nos mostrando um mundo milenar no qual a miscigenação acontecia livremente entre os homininos de todos os estilos de vida, diz Reich. “Esse tipo de descoberta transforma e muda qualitativamente nosso conhecimento sobre o mundo”, diz ele. “E isso é muito empolgante”.

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