12 inovações que vão revolucionar o futuro da medicina
Além de tratar, o cuidado personalizado e baseado em dados vai, cada vez mais, prevenir doenças.
Esta reportagem é parte da edição de janeiro da revista National Geographic Brasil.
Não fosse por uma amiga em comum, Linda, eu jamais teria conhecido Harriet. Sou médico e vivo no norte da Califórnia; Harriet trabalha como executiva na cidade de Nova York. E Linda é uma das fundadoras de uma companhia que realiza exames genômicos online para a qual Harriet e eu enviamos nossas informações genéticas.
Linda nos apresentou ao saber que Harriet e eu tínhamos algo em comum: um tipo raro de DNA mitocondrial (mtDNA), um sinal de que éramos parentes distantes. E compartilhamos essa característica com uma celebridade da pré-história: Ötzi, cujo corpo congelado há 5.300 anos foi encontrado nos Alpes em 1991. Até mesmo criei um grupo no Facebook para todos aqueles que têm a mesma variante de mtDNA que une Ötzi, Harriet e eu.
Harriet e eu nos conhecemos por causa de uma façanha da ciência biomédica – a análise de dados genéticos a um custo acessível –, algo antes impensável e hoje corriqueiro. A convergência de tecnologias digitais nos permite saber mais dos nossos genótipos e compartilhar isso em mídias sociais.
Desde então, testemunhamos uma explosão de conquistas e inovações tecnológicas que têm o potencial de reconfigurar muitos aspectos dos cuidados com a saúde e dos tratamentos médicos.
As inovações aqui descritas são impressionantes em si mesmas. Mas também as valorizo por facilitarem uma mudança crucial: a passagem da nossa medicina convencional compartimentalizada para um modelo de “saúde conectada”. Agora temos a possibilidade de interligar os pontos – de deixarmos para trás as instituições que proporcionam tratamentos reativos e episódicos, sobretudo após o desenvolvimento de uma moléstia, e inaugurarmos uma era de cuidados contínuos e proativos com o objetivo de evitar as doenças. Um cuidado permanente, individualizado e baseado no processamento de dados, visando preservar a nossa saúde e bem-estar. Ou seja, não se trata mais de tratar as doenças, mas, cada vez mais, de impedir que se manifestem.
No modelo tradicional de medicina, todos os dados relativos ao estado de saúde do paciente eram coletados apenas de forma intermitente, sobretudo por ocasião das consultas médicas, e ficavam dispersos em arquivos analógicos ou em diferentes bancos digitais de registros médicos. Hoje, porém, dispomos de uma opção bem melhor: tecnologias pessoais capazes de monitorar continuamente os sinais vitais e registrar de forma abrangente os dados coletados.
Os aparelhos de monitoramento da saúde estão agora por todos os lados. A maioria é usada para medir e registrar as atividades físicas. No futuro, essas tecnologias de monitoração vão ser essenciais na prevenção, no diagnóstico e no tratamento das doenças. Tatuagens medicinais eletrônicas e flexíveis, bem como sensores aderentes à pele, são capazes de efetuar um eletrocardiograma, avaliar a função respiratória, conferir o teor de açúcar no sangue e transmitir facilmente os resultados por meio do Bluetooth. É um acompanhamento móvel dos sinais vitais, mas num nível antes encontrado apenas em unidades de terapia intensiva.
Aparelhos auditivos ou fones com sensores não só vão ajudar na audição como também monitorar o ritmo cardíaco. Tais aparelhos inteligentes também podem ser acoplados, por exemplo, a um treinador digital que estimule um atleta ou então a um guia virtual para pessoas portadoras de demência.
Futuras lentes de contato inteligentes vão incorporar milhares de biossensores, e serão projetadas para captar os indicadores iniciais de câncer e outras enfermidades. Outras poderão um dia medir os níveis de açúcar no sangue a partir do fluido lacrimal, permitindo aos diabéticos um melhor controle da dieta.
Entre os possíveis dispositivos implantáveis sob a pele está um sensor subcutâneo capaz de monitorar a composição química do sangue. Depois de ingeridos em cápsulas , outros dispositivos podem realizar tarefas no trato gastrointestinal, como transportar medicamentos e isolar objetos estranhos.
Um sensor aderente colocado na barriga de uma grávida consegue detectar movimentos musculares no útero, facilitando acompanhar o trabalho de parto. Há até mesmo cuidados de alta tecnologia para os bebês prematuros, como fones de ouvido que transmitem música concebida de forma a tranquilizar ou estimular, ao mesmo tempo em que são registradas as suas ondas cerebrais – para assegurar que estão sendo produzidos os efeitos desejados.
E dá para coletar dados quando a pessoa não está usando nenhum aparelho? Engenheiros do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) modificaram um roteador sem fio de modo a capturar sinais vitais e padrões de sono de várias pessoas na mesma casa.
Com as novas tecnologias de monitoramento, elas vão proporcionar mais informação e conhecimento de natureza biomédica – os quais podem ser comparados com o volume crescente de dados genômicos. Essa combinação vai abrir novos caminhos para reforçar a sensação de bem-estar, entender as enfermidades e escolher os tratamentos preventivos e as intervenções mais adequados a cada paciente.
O leque cada vez maior de ferramentas digitais, associadas a análises de dados por sistemas de inteligência artificial (IA), quase certamente vai melhorar muito a precisão e a rapidez dos diagnósticos.
Com smartphones dotados de otoscópios, por exemplo, os pais poderão examinar o ouvido dos filhos, e compartilhar com o pediatra. Aplicativos e sensores podem verificar arritmias ou uma pneumonia. Para o tratamento da hipertensão, estão sendo aperfeiçoados sensores que medem de forma ininterrupta a pressão sanguínea (sem uso de braçadeira).
A enorme expansão de pesquisas sobre o microbioma humano – os trilhões de bactérias que vivem na pele e no interior do corpo – vem estimulando novas formas de diagnóstico e ampliando a compreensão dos médicos. Exames genéticos podem ajudar a solucionar muitos enigmas da microbiota intestinal, que se acredita tenha um papel relevante no risco e no desenvolvimento da obesidade, na doença inflamatória intestinal, nas enfermidades cardiovasculares e até em afecções neurológicas.
Graças à inteligência artificial, os instrumentos diagnósticos podem ser ensinados a interpretar amostras de tecidos e imagens radiológicas. Pesquisadores da Google submeteram mais de um quarto de milhão de imagens da retina de pacientes a algoritmos – e o sistema “aprendeu” a reconhecer os padrões que indicam um paciente com pressão alta ou com maior risco de sofrer infarto ou derrame. Em algumas comparações, os instrumentos digitais produziram análises mais acuradas que os patologistas, dermatologistas ou radiologistas humanos.
Logo vai ficar no passado a prática de concentrar os cuidados médicos em consultórios, clínicas e hospitais. Cada vez mais os tratamentos vão se adequar a um modelo que mescla o mundo real e o virtual.
A maioria das interações entre médico e paciente não requer o contato físico, ou seja, um exame corporal. Consultas particulares, realizadas através de programas similares ao Skype, vão ocorrer por intermédio de portais online. Os dados vitais do paciente serão coletados e enviados ao médico por meio de balanças, medidores de pressão arterial e dispositivos de monitoração ligados à internet. Um dermatologista pode até usar a selfie que você lhe enviou para fazer um exame prévio daquela mancha na pele de aparência suspeita – e assim tranquilizá-lo ou solicitar que você agende uma consulta ao vivo.
O relacionamento entre médico e paciente terá um aspecto de déjà-vu, com os pacientes sendo de novo atendidos em suas próprias casas – só que através de consultas online.
No futuro, as receitas médicas talvez incluam também mais “fármacos digitais”. Por enquanto, ainda de uso restrito, eles são concebidos para melhorar o bem-estar ou para lidar com uma afecção, mas sem medicamentos e sem aconselhamento presencial – apenas com o uso de um software recomendado ou por contatos online com um médico que esclarece as dúvidas e proporciona encorajamento.
Embora muitos desses programas estejam em fase de estudo, alguns fármacos digitais já se mostraram eficazes. Exemplos: pelo menos duas empresas criaram aplicativos para amenizar zumbidos incessantes no ouvido por meio de um treinamento mental para reduzir o volume do tinido. Alguns pacientes que experimentaram o programa afirmam que ele funciona mesmo. Para o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca, a Clínica Mayo prescreveu o uso de um aplicativo que monitora a pressão sanguínea, a atividade física e outros fatores. O resultado é animador: houve uma redução de 40% em reinternações hospitalares por causa de problemas cardíacos.
As tradicionais receitas médicas provavelmente serão geradas por um robô, similar a um caixa eletrônico, controlado a distância por um provedor ou por um algoritmo de modo a assegurar que a pessoa receba as dosagens corretas. Ou, então, o médico, com base em exames genéticos, vai prescrever os medicamentos apropriados a cada perfil.
Meses atrás, pesquisadores de Harvard e do MIT encontraram um jeito de prever, de forma acurada, o risco de um indivíduo ser acometido por uma das cinco doenças mais letais. Isso foi possível graças à identificação de alterações no DNA em 6,6 milhões de pontos distintos no genoma humano e ao processamento desses dados por um sofisticado algoritmo. Mesmo os exames genéticos restritos a determinadas partes do genoma proporcionam informações valiosas a respeito de predisposições para doença de Parkinson, diabetes e outras moléstias. Mais uma vez, os avanços na tecnologia talvez sejam benéficos para mim e para Harriet. (Não para Ötzi, contudo.)
E, quando uma pessoa não pode ir a uma consulta com o médico, será que um robô poderá substituí-lo? Não vai demorar muito para que os robôs sejam encarregados de dar informações e fazer a triagem dos pacientes. Um enfermeiro virtual vai entender o que o incomoda, indagando os sintomas e acessando os dados gravados em seus dispositivos vestíveis, bem como os registros médicos disponibilizados na internet. No caso de uma queixa de caráter psicológico, um terapeuta virtual irá conversar como se fosse um ser humano e também oferecer orientações de autoajuda, além de ser um ouvinte compreensivo.
Os robôs também podem participar de tratamentos nos quais o médico está presente. É o caso de um robô capaz de confirmar por ultrassom a veia mais adequada para dela extrair sangue ou colocar um acesso intravenoso. Nos países com escassez de pessoal, robôs cuidadores podem ser usados para erguer e mover os pacientes – até mesmo em interações sociais. E os robôs assistentes de fisioterapia ajudam em programas de exercícios físicos.
São grandes os benefícios de todos esses avanços tecnológicos, mas igualmente importante é que sejam melhor difundidos. Em 2016, estima-se que cerca de 1,6 milhão de pessoas em países de renda média e baixa tenham morrido por falta de acesso a serviços médicos. E um número ainda maior de habitantes desses países – estimado em 5 milhões – perdeu a vida porque recebeu cuidados de baixa qualidade. Essa situação pode mudar, pelo compartilhamento das novas tecnologias médicas e de outros recursos para a preservação da saúde e do bem-estar.
Daniel Kraft é médico, formado pelas universidades americanas de Stanford e Harvard. Na Universidade Singularity, ele criou o programa Medicina Exponencial, que explora os avanços tecnológicos e as suas implicações no futuro dos tratamentos.
Esta reportagem é parte da edição de janeiro da revista National Geographic Brasil.